Mulheres ganham espaço no agronegócio brasileiro
Com aumento da participação feminina no setor, as marcas estão adaptando suas comunicações e negócios
O último Censo Agropecuário de 2017, feito pelo IBGE, identificou que cerca de 20% das propriedades rurais no Brasil eram comandadas por mulheres, e 30% da força de trabalho no campo era feminina. De lá para cá, apesar de não haver dados mais recentes do mesmo levantamento, esse retrato já parece ter mudado.
Segundo dados do “Boletim Mercado de Trabalho do Agronegócio Brasileiro”, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a participação feminina no agro vem crescendo em ritmo mais acelerado que a dos homens. Na comparação entre o segundo trimestre de 2024 e 2025, a população ocupada (PO) de mulheres aumentou 1,9% (203 mil trabalhadoras), enquanto a PO masculina registrou um crescimento de 0,2% (41,5 mil trabalhadores). Ao todo, elas representavam 38% da população ocupada no agronegócio no segundo trimestre de 2025.
“Há uns quatro anos, a gente começou um trabalho para entender melhor quem é o público com quem atuamos, especialmente considerando o papel cada vez mais forte das mulheres no campo”, afirma o Ketlin Sfair Antunes, gerente executiva da diretoria de agronegócios e agricultura familiar do Banco do Brasil. No levantamento mais recente, de setembro de 2025, dos 2 milhões de clientes do agro, 37% eram mulheres (732 mil).
“Ou seja, temos uma presença feminina significativa nesse mercado e começamos a olhar com mais atenção para esse universo. Fizemos entrevistas para entender como elas enxergam o setor, quais barreiras enfrentam e como têm ingressado nesse mundo”, conta a gerente.

Ketlin Sfair Antunes, gerente executiva da diretoria de agronegócios e agricultura familiar do Banco do Brasil (Crédito: Divulgação)
A agência de comunicação Sobe, que atende diversos clientes do agronegócio, também identificou uma maior atenção das marcas do setor para o público feminino. “Isso nos desafia a trazer mais mulheres, identificar sua presença e reforçar a representação tanto dentro das empresas quanto na comunicação para o mercado”, afirma Sheila Candido, diretora de atendimento da empresa.
Parte deste tendência, na avaliação da diretora, se dá também devido ao aumento da presença de mulheres na liderança de companhias do setor. “É comum ver clientes que são engenheiras agrônomas ou mulheres em cargos de liderança dentro das empresas, e isso reflete o cuidado que temos com a representatividade”, continua.
Papel das mulheres no agro
De acordo com a pesquisa “Produtoras rurais e a inovação no campo”, realizada pela Quiddity em parceria com a Bayer, mais de 80% dos entrevistados reconhecem que as mulheres têm um papel importante no setor, ao agregar criatividade e novas ideias.
Esta tendência também surtiu efeito na carteira de produtos do Banco do Brasil. “Temos visto um aumento na participação das mulheres nos financiamentos. Eu usei dados abertos do Sicor [Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro], comparando as safras de 2021/2022 até 2024/2025. No período de quatro anos, entre 2021 e 2025, tivemos um crescimento de 5% na representatividade feminina. Pode parecer pouco, mas é um avanço importante, porque já mostra uma mudança real no comportamento: é a mulher quem está vindo ao banco, quem está pegando o empréstimo, administrando e cuidando da propriedade”, conta Ketlin.
Desse modo, o banco lançou uma linha de crédito com foco na agricultura familiar voltado para mulheres, o Pronaf Mulher. Ele oferece condições especiais para facilitar o acesso à crédito e apoiar os negócios dessas produtoras. “Entre 2022 e 2024, o volume de financiamentos do Pronaf Mulher cresceu 235%. Em números absolutos, foram R$33 milhões”, destaca a gerente.
“Esse reflexo aparece também no Pronaf demais, que envolve produtores médios e empresariais. Nele, a participação feminina cresceu 17%. Então, quando a gente olha para o todo, considerando que 81% da nossa carteira está na agricultura familiar, dá pra ver claramente que estamos dando passos consistentes”, complementa.
Fernanda Marin, VP de negócios e operações da WMcCann para GM, também percebe uma crescente presença feminina entre as clientes das categorias de picapes e SUV. São dados de participação em feiras agrícolas patrocinadas pela Chevrolet, redes sociais e concessionárias que de forma agregada reforçam o crescente interesse feminino pelos produtos da marca.
A comunicação, logo, precisa seguir essa tendência e conversar com essas mulheres. A Chevrolet, por exemplo, a partir da pesquisa com as clientes, começou a incluir e adaptar as picapes para atender às demandas femininas. “Quando lançamos a campanha ‘Brutalmente Macia’, a gente falava de um carro que tem um impacto menor no terreno, que era mais confortável e poderia ser usado na realidade dinâmica dessa mulher, em que ela leva os filhos na escola, cuida da fazendo e sai com as amigas. Então, a gente conseguiu entregar um produto que traz códigos muito relevantes para a mulher, como o conforto, dirigibilidade e acessórios completos”, afirma a VP.
Conexão e inspiração
A comunicação da Chevrolet para o setor busca trazer o valor do legado que está intrinsecamente relacionado com a cultura do agro, conta Fernanda. Para gerar conexão e transmitir esta mensagem, a marca utiliza figuras como celebridades e influenciadoras digitais para conquistar o público feminino.
“Um grande exemplo é a Larissa Sartor. Ela é herdeira do legado do pai, administra a fazenda, entende das plantações e tem uma voz jovem e ativa”, destaca a vice-presidente. Larissa Sartor tem 214 mil seguidores no Instagram e dirige uma picape do modelo S10. Outro exemplo é a cantora Ana Castela, que também é embaixadora da marca e tem uma Silverado.
Dentro da categoria de picapes, a Chevrolet criou a plataforma “Somos picapeiros” para despertar o sentimento da comunidade. “Quando falamos ‘Somos Picapeiros’, é justamente esse convite: todos somos picapeiros, inclusive as mulheres. Elas são picapeiras, dirigem caminhonete e lideram o universo agrícola. E a Chevrolet, como uma marca líder, precisava conversar com elas para construir uma conexão e deixar esse legado: Estamos há 100 anos no Brasil e a S10 é a nossa picape mais longeva.”

Fernanda Marin, VP de negócios e operações da WMcCann para GM (Crédito: Divulgação)
A marca trabalha com grandes a micro e nano influenciadores espalhados pelo Brasil para se conectar com as diferentes realidades do campo de norte a sul. “A gente identifica pessoas que não só têm interesse pelo nosso produto, mas que estão nessas regiões onde a gente precisa desenvolver o mercado e conquistar novos consumidores. Dentro desse perfil, se vou trabalhar legado com a S10, busco um tipo de segmento. Se quero ser mais aspiracional, com um produto mais caro, como a Silverado, busco um perfil de mulher que também trafega nesse público”, explica a executiva.
Para transmitir as mensagens certas, Fernanda reforça a importância da autenticidade do conteúdo. ”Para conversar com essas mulheres, a gente busca muita originalidade. Por exemplo, quando você vai conversar com a Larissa, ela é ‘ela’ mesma: ama falar de agro e da picape dela, que usa naturalmente porque faz parte da vida dela”.
Da mesma forma, a Sobe usa histórias reais de clientes das marcas para construir uma narrativa autêntica para a comunicação. “A gente identifica pessoas no campo, conversa com agricultores e pecuaristas, e eles mesmos indicam clientes para representar o público feminino. É uma atuação de ambos os lados, o cliente também está atento a isso”, diz Sheila Candido.

Sheila Candido, diretora de atendimento na Sobe Comunicação & Negócios (Crédito: Divulgação)
Afinal, um dos principais desafios que as mulheres do agro encontram é justamente a falta de referências e de oportunidades para se conectar com outras mulheres. Olhando para este pilar, a Bayer, juntamente com a ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio), criaram o Prêmio Mulheres do Agro, que desde 2018, reconhece o trabalho da mulher no agronegócio brasileiro. A premiação acontece durante o Congresso Nacional das Mulheres no Agronegócio, este que celebrou a 10ª edição nos dias 22 e 23 de outubro de 2025.
“O Prêmio Mulheres do Agro está na oitava edição e, desde que começou, 1.500 mulheres se inscreveram e 75 foram premiadas. Este ano tivemos um recorde de inscrições, com aumento de 70% em relação ao ano passado, totalizando mais de 350 inscrições”, destaca Daniela Barros, diretora de comunicação da divisão agrícola da Bayer no Brasil. “Esse prêmio valoriza histórias de agricultoras e mulheres líderes de propriedades rurais que aplicam boas práticas agrícolas, além de pesquisadoras do setor. Através dele, conseguimos reconhecer essas mulheres e comunicar suas histórias para o setor e para a sociedade”, continua.
Também com o objetivo de atingir um público diversificado entre as regiões do país e fomentar o networking, o Banco do Brasil criou o Circuito de Negócios, uma carreta que leva um palco móvel para promover conversas e palestras em feiras nacionais e regionais do setor. Dentro da programação, o banco leva sua plataforma de apoio ao empreendedorismo feminino, o Mulheres no Topo, para o palco da carreta, também como uma maneira de incentivar a troca de experiência e conexão.
Papel da comunicação
Segundo as entrevistadas, os desafios e desejos das mulheres do campo incluem a falta de representatividade e visibilidade frente a um setor predominantemente masculino, e a necessidade de se provar mais que os homens. Por isso, seus desejos incluem a vontade de ser reconhecida, ter voz, fazer conexões, ter referências femininas para se inspirar e contar sua própria história.
“No agro, a propriedade é, na maioria das vezes, um negócio familiar, então essas mulheres querem perpetuar essas histórias, fazendo o setor crescer de forma sustentável e com impacto social positivo. Esse é o legado que elas desejam deixar, não só para a família, mas para todo o setor”, destaca Daniela.
Para Ketlin, do Banco do Brasil, a principal meta da comunicação no setor com foco no público feminino é o empoderamento: “Nosso objetivo sempre foi mostrar que o poder delas existe, que elas podem lutar pelo próprio empreendimento, negociar os preços que quiserem, contratar do jeito que acharem melhor, criticar e buscar crédito. O que a gente quer é justamente reforçar a autoconfiança para que elas se sintam e acreditem que são capacitadas”.
Atrelado ao empoderamento, Sheila Candido e Daniela Barros destacam a importância de dar visibilidade a esse público. “É fundamental exaltar a presença das mulheres nesse mercado tão importante para a economia nacional”, pontua a diretora de atendimento da Sobe. “Trabalhar a equidade de gênero é um valor da empresa, e fazemos isso destacando o poder feminino no agro e o papel transformador que exercem no setor por meio dessa visibilidade”, complementa a diretora da Bayer.
Desta forma, as empresas acabam trabalhando a reputação e a imagem de sua marca no setor, ao valorizar a importância da diversidade e inclusão. Além disso, Daniela pontua o impacto que este movimento causa: “Todo o setor ganha quando ampliamos essas histórias e inspiramos mais mulheres a escreverem as suas próprias trajetórias. Acho que essa contribuição impacta diretamente o desenvolvimento econômico do segmento e, ao mesmo tempo, traz avanços importantes na gestão sustentável das propriedades, fazendo uma diferença significativa para o agronegócio”.

Daniela Barros, diretora de comunicação da divisão agrícola da Bayer no Brasil (Crédito: Divulgação)
Para além do prêmio e do congresso, a Bayer tem um projeto chamado Conexão Mulheres, que atua em três pilares: a conexão e o reconhecimento, que já foram destacados, e a capacitação. “Dentro desse programa, oferecemos uma jornada do conhecimento para que essas mulheres se desenvolvam, tanto tecnicamente quanto em temas de gestão e inovação”, explica a diretora.
A pesquisa da Bayer reforçou a preocupação que essas mulheres têm com a sustentabilidade e o desenvolvimento pessoal. Mais da metade das entrevistadas afirmam buscar capacitação de maneira constante (51%) ou quando sentem necessidade (22%), por meio de cursos, palestras e eventos. Quando procuram formações, a sustentabilidade desponta como tema de maior interesse entre 76% das respondentes.
“A mulher participa de uma maneira muito intensa e conquistou seu espaço num cenário bastante machista, que era o agro no passado. Ela se tornou uma voz muito ativa porque, hoje, os modelos de família estão mudando e os pais estão cedendo: ‘se eu quero deixar [a fazenda] para minha família e só tive uma filha mulher, preciso empoderá-la para que ela tenha uma voz ativa’”, afirma Fernanda Marin.
“As mulheres são ótimas profissionais, muitas vezes até mais especializadas e com um olhar mais profundo. Quando assumem posições de liderança, trazem tecnologia e sustentabilidade não só financeira, mas também ambiental. Elas têm uma visão realmente empresarial e estratégica para atuar. Então, a mensagem que precisamos reforçar é essa: quebrar a barreira do ‘acho que não dou conta’”, finaliza Ketlin.