Women to Watch

Inclusão negra na publicidade ainda é frágil, aponta estudo

Apesar de picos recentes e maior visibilidade de mulheres negras no Brasil, representatividade é pontual, reativa e frágil

i 12 de dezembro de 2025 - 11h31

Uma nova pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) acaba de revelar que a presença de pessoas negras na publicidade televisiva brasileira permaneceu baixa, irregular e suscetível a oscilações conjunturais ao longo de mais de duas décadas. Segundo o levantamento, a média geral de anúncios com pessoas negras no período entre 2000 e 2024 foi de apenas 33%.

O estudo foi realizado pelo Grupo de Pesquisa Estudos Antirracistas em Comunicação e Consumos, ArC2, da Escola de Comunicações e Artes da USP, que analisou 17.335 filmes publicitários veiculados nos anos em questão.

Os pesquisadores destacam que mesmo após a promulgação do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, não houve avanço consistente nesse cenário. A lei estabelece políticas e ações para garantir a igualdade de oportunidades e combater o racismo no país em diferentes âmbitos, incluindo a saúde, educação, esporte, cultura, lazer, religião, acesso à terra e moradia, trabalho, justiça, segurança e nos meios de comunicação.

Quando o assunto é comunicação, a lei estabelece que as produções veiculadas devem valorizar a herança cultural e a participação da população negra na história, oferecendo oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros.

Entre 2000 e 2009, período pré-Estatuto, o índice foi de 22%. Em 2010, ano da vigência do Estatuto, o percentual caiu para 15%. Após a promulgação da lei, entre 2011 e 2017, a média permaneceu praticamente estagnada, chegando à máxima de 27%.

A mudança mais expressiva só ocorre a partir de 2018, quando a participação de pessoas negras ultrapassa, pela primeira vez, a marca de 50% dos anúncios veiculados naquele ano. Mesmo assim, os pesquisadores afirmam que se trata de um avanço pontual, motivado por pressões sociais e políticas, e não por transformações estruturais no setor.

“O Estatuto não foi capaz de promover sozinho uma mudança contínua. Os avanços identificados são reativos e episódicos, respondendo a contextos como eleições polarizadas, mobilizações do movimento negro e pressões do mercado para maior diversidade”, afirma o pesquisador Leandro Leonardo Batista, professor da ECA-USP e um dos coordenadores do estudo.

Entre 2020 e 2024, os índices voltaram a crescer, atingindo 68,9% em 2022. O período coincide com a mobilização global antirracista impulsionada pelo movimento Black Lives Matter e, consequentemente, o fortalecimento de pactos empresariais de diversidade. Ainda assim, os dados sugerem que a inclusão ainda não se consolidou como prática estrutural da publicidade brasileira, conforme avaliam os pesquisadores.

A pesquisa também chama atenção para outros fatores históricos e sociais que influenciaram os picos de inclusão nos últimos anos. Entre eles estão os 130 anos da abolição da escravatura (2018); a assimilação estética da chamada “geração tombamento”, impulsionada por criadores de conteúdo digital; a Copa do Mundo de 2018 e a recorrente representação de atletas negros; o assassinato de George Floyd (2020) e a repercussão global do antirracismo; e a criação de iniciativas como o Pacto Conexão Negra, o Movimento pela Equidade Racial (Mover) e o Pacto ESG Racial.

Mulheres negras na publicidade

Na análise do recorte de peças publicitárias de 2007 a 2024, os pesquisadores encontraram que a média geral de atores negros e negras por comercial foi de 3 pessoas, dividida igualmente entre mulheres e homens (1,5).

No entanto, a presença de pessoas negras não se distribui de forma uniforme ao longo do tempo. De modo geral, observa-se que a partir de 2016 a média anual de pessoas negras por comercial aumentou. Até 2015, essa média ficava entre 2 e 3 pessoas, enquanto de 2016 em diante ela passou para 3 a 4 pessoas.

Em relação aos gêneros, as médias anuais foram próximas, mas nos primeiros anos analisados (2007 a 2009) houve alternância entre a presença de homens e mulheres nas peças publicitárias. No período de 2010 a 2016, a representatividade masculina foi superior, possivelmente influenciada pela proximidade da Copa do Mundo de Futebol masculina (2014), de acordo com a análise dos pesquisadores.

A partir de 2017, a presença de mulheres negras nos comerciais se tornou consistentemente maior que a masculina, coincidindo com o aumento geral da presença de pessoas negras na publicidade.

Gráfico de presença longitudinal de pessoas negras em comerciais, por gênero (2007 – 2024) (Crédito: ECA-USP, ArC2)

Gráfico de presença longitudinal de pessoas negras em comerciais, por gênero (2007 – 2024) (Crédito: ECA-USP, ArC2)

“Esse aumento pode ter sido motivado pelo fato de que, a partir de 2017, a publicidade brasileira viveu um ponto de inflexão marcado pela ampliação da presença de mulheres em campanhas, resultado direto do crescimento do consumo de conteúdo digital e da força de influenciadoras diversas. Esse movimento trouxe novos símbolos de admiração e inspiração, que migraram do online para o offline, gerando uma abertura para representações contraintuitivas em espaços historicamente resistentes”, avalia Lunalva Lima, pesquisadora da USP que integra o conselho técnico do estudo.

“A pauta da interseccionalidade e o fortalecimento da agenda feminista podem ajudar também a compreender esse progresso. Foi um período de grande visibilidade para mulheres negras em diversas agendas, e as lideranças femininas da luta antirracista foram protagonistas importantes na mobilização da conscientização e em contestações sociais relevantes, inclusive junto às marcas”, complementa Angelica Souza, pesquisadora da USP que integra o conselho técnico do estudo.

Protagonismo branco

Além disso, a análise revela outra barreira persistente: na maioria das peças, pessoas negras aparecem acompanhadas de pessoas brancas, o que, segundo os pesquisadores, reforça a hegemonia simbólica da branquitude. Anúncios compostos exclusivamente por pessoas negras seguem sendo exceção.

“Mesmo quando a visibilidade aumenta, ela ocorre sob lógicas que mantêm a centralidade da branquitude. É uma presença condicionada, não garantida e naturalizada”, afirma Francisco Leite, pesquisador líder do grupo de pesquisa ArC2, da ECA-USP, e um dos coordenadores do estudo.

Próximos passos

Embora o estudo mostre avanços recentes, os pesquisadores alertam: a transformação ainda não é estrutural. A próxima etapa da investigação buscará compreender não apenas a presença, mas a qualidade das representações de pessoas negras na publicidade televisiva, analisando se as peças reforçam estereótipos, se promovem papéis de prestígio ou se apresentam representações antirracistas e contraintuitivas.

“É urgente consolidar políticas antirracistas reais no ecossistema publicitário. Não basta aparecer: é preciso avançar, transformar os modos de representação e romper lógicas históricas de exclusão que a própria publicidade ajudou a construir e sobre as quais agora pode intervir com lentes e práticas antirracistas”, reforça Leite.

O estudo acaba de ser publicado na Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (Eptic), que lançou um dossiê dedicado a novas perspectivas críticas sobre publicidade. A pesquisa segue em andamento e tem previsão de conclusão em 2026, quando serão divulgados os resultados finais, incluindo análises qualitativas e experimentais sobre recepção e impacto social.