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Por que investir em marca pessoal deixou de ser vaidade

Especialistas discutem como identidade, posicionamento e presença digital passaram a ser centrais na construção de reputação profissional

i 16 de dezembro de 2025 - 15h55

Em setembro de 2025, a professora, escritora e filósofa Djamila Ribeiro lançou um rebranding pessoal para anunciar sua nova etapa profissional: ela passaria a lecionar, no mesmo mês, como professora visitante no programa Dr. Martin Luther King Jr. (MLK Visiting Professors & Scholars Program) no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos.

A fase é marcada por uma nova identidade visual inspirada em sua relação com o candomblé. O objetivo, segundo Amanda Oliveira, head de design da FutureBrand São Paulo, era unificar todos os pontos de contato da filósofa com seu público, seja em seus livros, redes sociais ou encontros pessoais, além de demarcar esta nova etapa de sua carreira.

Rebranding da Djamila Ribeiro (Crédito: FutureBrand São Paulo)

Rebranding da Djamila Ribeiro, feito por FutureBrand (Crédito: FutureBrand São Paulo)

“Ela é do candomblé e filha de Oxóssi, então, decidimos extrair elementos da religião no rebranding. Estudamos Oxóssi, o orixá que mora na mata, caçador de conhecimento, que sempre é representado visualmente com folhagens, tons de verde e sua arma, o arco e flecha chamado ofá, que simboliza sua busca por conhecimento”, conta a designer.

Todos estes elementos aparecem na nova identidade visual, que mistura os tons de verde e ocre e traz um novo logotipo em formato de D, que remete ao arco e flecha do orixá. “Tudo foi pensado e planejado de maneira intencional para transmitir a imagem que ela quer construir enquanto marca pessoal de uma escritora, pesquisadora e especialista nas temáticas que defende”, analisa Carolina Frazon Terra, professora e pesquisadora de comunicação na Universidade de São Paulo.

O que é marca pessoal

Para Giuliana Tranquilini, fundadora da Betafly e especialista no assunto, marca pessoal é uma tradução estratégica da identidade de um indivíduo. Num contexto cada vez mais digitalizado, em que os indivíduos não dependem mais da mídia especializada para terem visibilidade, a construção de uma marca pessoal se torna cada vez mais importante.

Acima de tudo, ela representa um posicionamento. “Você constrói uma persona que sirva aos propósitos que esse indivíduo tem, que podem incluir querer ingressar numa organização, representar essa empresa como porta-voz ou ter visibilidade midiática”, complementa Carolina.

“Não sei se a gente ainda tem escolha de não investir na nossa marca pessoal, dada a nossa exposição nas mídias digitais. Quando falamos de outras formas de visibilidade, estar no âmbito digital também serve para que a pessoa consiga um trabalho, um patrocínio, uma publicidade, ou tenha relevância em um evento”, continua a professora.

Desse modo, a prática passa a ser um cartão de visita de cada indivíduo. “Quando você investe na marca pessoal, facilita que as pessoas te encontrem. Então, fazer isso hoje deixou de ser vaidade, como algumas pessoas ainda acham, e passou a ser um ativo estratégico para gerar um elo de confiança com o seu público. Você passa a ser acionado pelo valor que entrega”, acrescenta Giuliana.

Marca pessoal pré e pós-digital

Na análise de Carolina Terra, houve uma evolução muito grande deste tema nos últimos anos. “No passado, quando havia apenas as mídias tradicionais, essa construção de imagem e reputação acontecia por meio da vestimenta, da estética, dos assuntos que você abordava, dos eventos que frequentava, das rodas de pessoas das quais fazia parte. Isso continua existindo”, pontua. “Com o digital, isso escalou para uma visibilidade extrema, porque você não depende mais apenas desses meios físicos. Isso amplia muito a visibilidade, mas também traz questões que precisam ser administradas, como a cobrança por presença praticamente 24/7”, continua a professora.

Giuliana, que trabalha com construção de marcas há 30 anos e com marca pessoal há 10, acompanhou essa mudança. “Quando comecei, praticamente ninguém falava disso. Hoje, o tema está muito mais vivo no mercado, porque as pessoas entenderam que marca pessoal é mesmo um ativo estratégico para a carreira”, afirma.

Giuliana Tranquilini, sócia fundadora da Betafly, professora e colunista da StartSE (Crédito: Divulgação)

Giuliana Tranquilini, sócia fundadora da Betafly, professora e colunista da StartSE (Crédito: Divulgação)

De acordo com as especialistas, qualquer pessoa pode se beneficiar de uma marca pessoal, para além de personalidades públicas ou celebridades. “Hoje, desde pequenos negócios até indivíduos, porta-vozes e líderes, todos precisam dessa presença digital para construir imagem, reputação, e para conseguir dialogar com suas audiências. Eu diria que é um preço alto a se pagar por estar fora das redes sociais”, pontua Terra.

Tranquilini trabalha com muitas lideranças corporativas e destaca a importância do tema para elas. “Por que isso é bom para o executivo? Primeiro, que não pode depender do sobrenome corporativo, do crachá. Segundo, que ele próprio gera muito valor para a empresa onde atua. Então tem empresas que começaram a perceber a importância do executivo para fortalecer a própria marca e atrair talentos”, destaca.

“O empreendedor, por sua vez, entendeu que ele é a própria marca. Ele é o negócio. Quando o empreendedor é uma consultoria ou um profissional liberal, ele precisa cuidar da própria marca, porque o cliente está comprando a pessoa”, continua a especialista.

Como construir uma identidade pessoal

Para a fundadora da Betafly, a marca pessoal não se constroi do zero, pois já existe. “Todo mundo já tem uma identidade. O que a gente precisa fazer é fortalecê-la intencionalmente a serviço do nosso público”, explica. “A marca nasce de dentro para fora. Você tem que honrar a sua história, tudo o que já construiu até aqui. Todo profissional precisa, de fato, olhar para isso de forma estratégica e intencional”, continua.

Logo, o primeiro passo é o autoconhecimento, para entender qual o seu propósito e objetivo com a marca pessoal. “Nessa etapa, de olhar para dentro, tentamos entender pontos como: o que você faz muito bem? Quais são os seus talentos, aqueles que você reconhece e aqueles que o público reconhece? Quais são os valores inegociáveis? Quais são as suas paixões?”, pontua Giuliana.

O segundo passo é compreender qual o seu posicionamento. “O que a gente precisa entender de verdade é o propósito do trabalho da pessoa: por que ela está aqui, com quem ela quer comunicar, por que isso faz sentido, qual é o diferencial dela, de que forma ela está melhorando o mundo ou a vida das pessoas”, adiciona Amanda.

A partir de então, entra a estratégia e o operacional, ou seja, como esta identidade se manifesta. “Costumo dizer que marca é menos sobre você e mais sobre servir o seu público. As pessoas acham que é autoexposição, autopromoção. Claro que visibilidade é importante, porém, é mais do que isso: você está visível para resolver uma dor, um problema do seu público. Quando entende isso, fica mais fácil compreender a importância de ter uma estratégia de comunicação intencional”, explica Tranquilini.

“Depende do grau de profissionalização que você quer ter enquanto marca pessoal, porque, a partir do momento em que estamos na rede, de forma não planejada ou estratégica, já estamos transmitindo uma imagem para outras pessoas”, destaca Carolina.

“Agora, quem ocupa posições de alto escalão precisa construir sua marca pessoal de maneira profissionalizada e estruturada. Essa pessoa precisa saber o que vai falar, qual é o objetivo, quais são os territórios de conteúdo por onde vai transitar, e se vai ou não abrir sua vida pessoal para as audiências”, continua.

Isso passa por construir uma estrutura de equipe, ter uma estratégia, planejamento, objetivos e saber como medir o impacto desta comunicação. Como consequência desta exposição, o público passa a se tornar um agente importante no processo. Por isso, o planejamento também inclui saber como responder e interagir com o público.

“Para isso, a liderança precisa ter um fluxo de trabalho: como vai lidar com aquilo, como encaminhar e endereçar os comentários para as instâncias corretas. Não dá para responder só o que é positivo. E as críticas, como ficam?”, questiona a pesquisadora.

Carolina Frazon Terra, professora e pesquisadora de comunicação na USP (Crédito; Divulgação)

Carolina Frazon Terra, professora e pesquisadora de comunicação na USP (Crédito; Divulgação)

“Tem outro ponto que considero superimportante: a transparência. Vão existir momentos em que você será questionado sobre coisas que talvez não quisesse abordar, mas que precisará ser transparente e nutrir essa relação. Porque, quando está tudo bem, você é super midiático, mas quando não está, você some. Isso gera dissonância”, aponta Carolina.

Por isso, as plataformas digitais são um dos canais mais importantes atualmente. “As redes sociais são uma aceleradora para você construir e fortalecer a sua marca pessoal. São um canal extremamente relevante de visibilidade e reputação, mas não é o único. Costumo dizer que a reputação hoje chega antes do currículo, porque a rede social espalha”, afirma Tranquilini.

Desafios e erros

“Hoje, estamos muito reféns dessa plataformização de tudo, dessa sociedade da plataforma, em que dependemos das redes sociais digitais para existir, para ver e ser visto”, provoca a professora da USP. A pesquisadora também destaca a necessidade de exposição constante que este contexto traz.

“A invisibilidade, nos dias de hoje, é equivalente à morte. E, claro, não é uma morte física, mas digital, porque você deixa de estar no campo de visão das pessoas que estão na rede, deixa de existir e de fazer sentido para elas”, explica.

Além disso, pela velocidade de propagação das mensagens online, a professora alerta sobre o cuidado que é preciso ter nessa comunicação: “Saber que tudo aquilo que elas falam pode ter impacto e consequência, e que isso pode atingir também a organização que elas representam. No momento em que você faz algo inadequado ou que não é bem visto, carrega junto o seu crachá corporativo e será atrelada à organização onde trabalha. Esse é um superrisco”, afirma.

Já na perspectiva da especialista Giuliana, um dos maiores desafios que ela enfrenta com seus clientes é a autocrítica e a síndrome da impostora, que comumente afeta profissionais femininas: “As pessoas se preocupam sobre o que os outros irão pensar. Elas não se acham tão boas quanto o mercado já as enxerga. Isso é muito interessante porque faço uma pesquisa de reputação com a rede de contatos dos meus clientes, de forma anônima, e muitos se surpreendem com os resultados positivos”, ressalta. “É importante tomar cuidado, porque, se você ficar achando que isso é ego, pode perder a oportunidade de mostrar o seu valor para o mercado”, continua.

“O outro ponto muito frequente é manter o ritmo. Se você não tem consistência, é muito difícil performar e manter a visibilidade. E a verdade é que as pessoas não se priorizam, e o cuidado com a carreira acaba ficando por último. Isso gera falta de consistência. Sem consistência, você não vê resultado, e o resultado só vem com o tempo”, adiciona Tranquilini.

Para a head de design, um dos principais erros cometidos nesse processo é pecar pelo exagero e construir uma história que não se sustenta. “A marca pessoal precisa ser um guarda-chuva, uma marca macro que abrace todas as iniciativas que essa pessoa cria ao longo da vida profissional. Então, acho que o erro é exagerar, tentar contar tudo ao mesmo tempo”, destaca Amanda.

Amanda Oliveira, Head de Design da FutureBrand São Paulo (Crédito: FutureBrand SP)

Amanda Oliveira, Head de Design da FutureBrand São Paulo (Crédito: FutureBrand SP)

Já para Carolina Terra, um grande erro é querer falar de assuntos que não domina. “Você pode ter construído uma baita autoridade em uma temática e, de repente, se vê tentando falar de outra. Será que você tem a mesma capacidade, a mesma condição de abordar aquilo e ser reconhecido como autoridade? Esse é um risco”, afirma.

“Outro erro é criar uma personagem que não é você. Você não vai sustentar isso no tempo. Você precisa entender quem você é como marca, estar alinhada à sua identidade para ter coerência entre o que comunica e o que realmente vive”, complementa Giuliana. “Marca pessoal não é sobre você, é sobre o seu cliente. Quando você entra nessa lógica de falar só de si, fica chato, cansativo, egocêntrico e não funciona”, continua a empreendedora.

Segundo as especialistas, frente às constantes transformações no mercado e nas indústrias, o avanço da tecnologia e as intempéries de contextos políticos e socioeconômicos, existe uma grande incerteza sobre o futuro, independentemente do cargo ou da experiência, e buscar a essência pessoal e profissional passa a ser uma estratégia valiosa.

“Mudança do mercado, futuro do trabalho, avalanche das redes sociais, economia da informação… tudo é barulho hoje em dia. Conseguir encontrar seu espaço de fala, sua voz, de forma que você se mostre relevante e interessante para o seu público passa a ser, sem dúvida nenhuma, um enorme diferencial”, conclui Tranquilini.