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A jornada de Gabriela Sterenberg como CMO as a Service

Após deixar a XP, executiva transformou sua experiência corporativa em um modelo flexível de liderança de marketing

i 8 de dezembro de 2025 - 10h46

Gabriela Sterenberg, fundadora da Artesania Marketing (Crédito: Divulgação)

Gabriela Sterenberg, fundadora da Artesania Marketing (Crédito: Divulgação)

Após mais de 20 anos de experiência corporativa e passagens pela XP e BMW Group, Gabriela Sterenberg enxergou uma lacuna: empresas que precisavam de estratégia de marketing em alto nível, mas não tinham estrutura ou orçamento para um CMO full time. A partir desse diagnóstico, ela consolidou sua atuação como CMO as a service, serviço de trabalho temporário de acordo com a demanda do cliente executivo de marketing.

Formada em turismo e especializada em eventos e experiências, Gabriela começou no marketing após ter contato com agências de viagem. No final de 2022, foi demitida da XP, onde era head de marketing do banco de atacado da empresa, ao lado de mais de mil funcionários. Afetada pela onda de demissões em massa do período, ela reativou sua empresa Artesania Marketing para abrir esse novo mercado no qual decidiu apostar.

Mas o empreendedorismo não é novo na vida da executiva, que começou em 2006. Após uma experiência como responsável pelo receptivo de brasileiros na Copa do Mundo na Alemanha, ela fundou a Artesania para oferecer planejamentos estratégicos e consultorias em projetos de marketing, negócio que depois entrou em hiato para que ela conseguisse assumir cargos corporativos. Com isso, criou uma rede de contatos e atuou para marcas como Pepsico, P&G, Nike e Volvo Caminhões.

Hoje, com clientes como Maersk Supply Service, Grupo Colina, Valora Investimentos, Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Nau Capital, Signium Executive Search, Avanti, Terra Investimentos e startups, Gabriela se sente confortável na cadeira em que está, mas lembra que a função é diferente do chief marketing officer corporativo. “CMO as a Service não é algo sofisticado, porque muitas pessoas têm essa ilusão. Você precisa colocar a mão na massa”, conta.

Nesta entrevista, Gabriela explica como funciona o modelo, em que momentos ele faz sentido para as empresas, as vantagens em relação ao modelo tradicional e os desafios humanos e operacionais que fazem parte da rotina de um CMO as a Service.

Meio & Mensagem — O que é o CMO as a Service? Do que consiste?

Gabriela Sterenberg — Vou contar como cheguei no CMO as a Service (aaS). Quando saí da XP, há três anos, comecei a procurar novas oportunidades e percebi que havia espaço para contribuir com o marketing, principalmente dos escritórios de assessoria de investimento, mas eles não tinham necessidade de alguém do meu tamanho, de conhecimento e orçamento. Então pensei: posso emprestar parte do meu tempo para ajudar a construir a estratégia de marketing. Foi aí que eu cheguei no conceito de CMO aaS. Eu poderia dedicar parte da minha semana a diversos projetos, em vez de apenas um, atuando estrategicamente no marketing das empresas. Acabei desenvolvendo uma metodologia proprietária que sempre descrevo como meu primeiro dia de emprego em um lugar novo: preciso entender onde estou pisando, fazer um diagnóstico, conhecer processos, entender a estrutura (se existe ou não), ver o que já foi feito, quais foram os resultados, as lacunas, qual é a dor real da empresa e o objetivo dela. Comecei com esse modelo mais consultivo há três anos. Porém, me deparei com empresas que não tinham estrutura de marketing para executar. Percebi que precisava internalizar essa execução ou ajudar a empresa a contratar alguém sob minha cogestão para garantir a qualidade da execução da estratégia e ter tempo de corrigir rápido, porque o mercado é muito dinâmico.

A partir disso, passei a ter dois modelos: um em que faço a cogestão do time de marketing, onde atuo como head de marketing, o CMO as a service, e lidero normalmente um time mais júnior. No outro, faço o trabalho full service, que é o CMO aaS somado a toda a execução. Conheço bem as dores das relações entre agências e clientes. Muitas vezes, o briefing não é entendido por completo, a devolutiva e o número de refações são enormes, às vezes pela falta de vivência no mercado corporativo e pelas nuances entre comercial e marketing, RH e marketing, e o time. Costumo dizer que uma estratégia de marketing bem feita começa de dentro para fora: precisamos que os colaboradores sejam embaixadores e promotores da visão de futuro da empresa. Hoje já temos mais de cem projetos entregues.

M&M — Quando se faz necessário contratar um CMO as a Service?

Gabriela — Depende do nível de maturidade da empresa. Existem algumas que hoje estão estagnadas do ponto de vista de marketing e buscam uma visão de fora. Nesses casos, atuamos como um olhar complementar a uma estrutura de marketing mais madura. Para as companhias que não têm marketing, a gente entra como esse braço e passa a fazer parte do time mesmo. Sou CMO de vários clientes e tenho poder de decisão junto à liderança. Também existem empresas que têm um time mais júnior que reporta diretamente ao CEO ou à diretoria, mas essas lideranças não têm a vivência ou acabam não priorizando o marketing. A operação fica na mão de pessoas que entendem muito bem da parte tática, são muito competentes, mas não têm o conhecimento para desenhar um planejamento estratégico ou não têm uma visão de médio e longo prazo. Outro cenário é o de empresas novas chegando ao mercado. Ajudo novos entrantes no empreendedorismo, do ponto de vista de marketing, a definir sua proposta de valor, seus diferenciais competitivos, entender para quem são e para quem não são, o que fazem de melhor e o que não fazem. Ajudo, principalmente, a unificar esse posicionamento internamente, sobretudo quando há mais de um sócio.

M&M — Quais as vantagens de contratar um CMO as a Service ao invés de ter um CMO alocado?

Gabriela – Em uma pesquisa que realizei entre meus colegas CMOs, entendi que muitos não têm tempo para se dedicar a uma estratégia, porque existe a gestão do time, as reuniões infinitas, a governança do ambiente corporativo, os comitês. É aí que a gente entra como um braço estratégico quando a empresa se vê nessa situação. Outro ponto relevante é que, quando você busca um profissional experiente de mercado, às vezes não há orçamento para investir em alguém tão sênior. A vantagem de trazer alguém de fora é que eles conseguem ajudar as empresas a conectar pontos que muitas vezes elas não conseguem enxergar, como, por exemplo, como integrar CRM ou como ligar a estratégia de vendas ao marketing na comunicação. A grande vantagem é ter profissionais mais sêniores, com background corporativo, que já passaram por diversos desafios e podem fazer um diagnóstico não só do marketing, mas do negócio. Pela minha experiência, acabo até conectando clientes entre si, identificando oportunidades de sinergia ou networking que posso oferecer pela vivência de mercado.

M&M — Quais os desafios do modelo e de atuar como um CMO aaS?

Gabriela — O maior desafio, quando o cliente já tem uma equipe e fazemos o projeto em cogestão, é a equipe entender que esse profissional sênior não vai pegar o lugar dela. Ele vai agregar valor, inclusive fazendo uma mentoria para esses profissionais. A ideia é somar conhecimentos. O time tem um conhecimento técnico muito grande e nós entramos com esse olhar estratégico para enxergar de outra forma: como apresentar o resultado, como potencializar, como integrar o time, conectar as áreas de negócios com o marketing para mostrar que o marketing não é só executor, mas parte do negócio, contribuindo com o planejamento estratégico e com iniciativas que vão gerar resultado. Outro desafio é controlar a ansiedade, porque são clientes de diversos segmentos, e às vezes queremos estar em vários lugares ao mesmo tempo. Por vezes, também não sabemos dizer não. Como as a Service, temos um escopo definido, mas não é como advogado, que liga o reloginho e conta o tempo. Estamos disponíveis, mas essa disponibilidade às vezes vira mensagem de madrugada, no fim de semana e tudo mais. Então, colocar limites é um grande desafio para não ser indelicada e, ao mesmo tempo, ajudar o cliente a lidar com a própria ansiedade. Muitas vezes ele também fica ansioso com os resultados e isso transborda para a relação.

M&M — O que tem impulsionado a adoção do modelo CMO as a Service pelas empresas atualmente?

Gabriela — Vejo muitos profissionais que estão ficando caros para o mercado e enfrentando um turnover muito grande. Percebo outros, também, que estão repensando a carreira em busca de um projeto de vida que traga mais propósito e mais realização pessoal e profissional. Brinco que a grande diferença entre ser um CMO aaS e ser um CMO dentro de uma empresa é que, na companhia, você tem que vender o seu projeto. Você acredita naquilo, mas precisa fazer uma mega apresentação para convencer a diretoria de que o projeto vai dar certo, lidar com detratores, criar mil versões para agradar todo mundo. Quando você atua as a Service, os clientes pagam para ouvir suas ideias, para conhecer seu projeto e para implementar. É isso que gera essa sensação de realização pessoal.

M&M — Como o CMO aaS se integra às equipes internas e aos demais departamentos da empresa? De que forma ele pode melhor conduzir essa relação?

Gabriela — É importante criar alguns rituais. Eles dependem muito do modelo de trabalho com o cliente. Por exemplo, quando existe cogestão do time, é importante ter reuniões recorrentes ao longo da semana. Se é um modelo mais de CMO full service, uma reunião semanal para apresentar resultados é fundamental. Porque não é só um mar de rosas. Também temos muitos aprendizados, já que lidamos com empresas de segmentos totalmente desconhecidos da nossa trajetória profissional.

Precisamos criar esses rituais: reuniões recorrentes, one-on-one, reuniões de feedback. Basicamente, é como se você estivesse em um ambiente corporativo, porém de forma remota. Hoje, meu time está espalhado pelo Brasil todo; temos uma multiculturalidade enorme, de Porto Alegre a Salvador. O perfil de cliente de São Paulo é totalmente diferente do de Salvador e de Porto Alegre, e precisamos trazer esse conhecimento dessas diversas regiões. A conexão virtual facilita muito isso. Além disso, acredito que a gente tem uma oportunidade muito grande, como CMO aaS, de ajudar os novos profissionais que estão chegando no mercado. Principalmente quando fazemos a cogestão de times, por serem mais júniores. Mostramos como é ter jogo de cintura, como funciona o relacionamento interpessoal nas corporações, e que podemos transitar com três gerações no mesmo ambiente profissional. Hoje, temos alguém recém-formado, alguém de meia-idade como eu e, por exemplo, o meu pai, que ainda trabalha. São três gerações convivendo juntas e precisamos extrair o melhor de cada uma para cruzar práticas, aprendizados e visões diferentes. Também procuro mostrar que está tudo bem errar, que é importante se cobrar menos e olhar as situações por outra ótica. Tento ajudar a segurar um pouco a ansiedade dessa nova geração, reforçando que as coisas acontecem quando você faz com disciplina, com vontade e com todos os atributos necessários para construir uma trajetória bem-sucedida.

M&M — Que perfil um profissional precisa ter para ser um CMO aaS eficaz? Quais habilidades técnicas e comportamentais são essenciais para esse cargo?

Gabriela — Acho importante dizer que o CMO aaS não é algo sofisticado, porque muitas pessoas têm essa ilusão. Eu mesma tive que voltar vários degraus para me tornar as a Service porque você precisa colocar a mão na massa. Quando vou realizar um evento, sou eu quem recolhe as xícaras de café, embala os brindes, etiqueta os materiais, faz credenciamento e fica de recepcionista. Só que existem profissionais de marketing que acham que, ao se tornarem as a Service, vão continuar apenas no cargo de gestão. Não existe divisão rígida de atividades. Você vai arregaçar as mangas, fazer PowerPoint, Excel e outras tarefas que, muitas vezes, precisa reaprender ou até aprender do zero, porque ao longo da carreira sempre houve alguém para delegar e ajudar.

M&M — Quais inovações ou mudanças você acredita que vão impactar o trabalho do CMO as a Service nos próximos anos?

Gabriela — A inteligência artificial está muito presente no dia a dia, mas sou uma pessoa que valoriza muito a humanização das marcas. No final, as pessoas querem falar com pessoas. Esse relacionamento one-on-one é um grande diferencial. Além da resiliência e da mão na massa, é importante ter disponibilidade para construir relações humanas. Quando vamos criar uma estratégia de social media, por exemplo, precisamos mostrar quem está por trás, ouvir mais os clientes, sair do achismo e ir para o que os consumidores realmente estão dizendo, quais são as dores deles. E eu vejo que, com o uso da AI, as pessoas estão ficando cada vez mais distantes umas das outras e terceirizando essa função de ouvir o cliente. Elas ficam muito dentro de casa e, na hora de entender a dor real do cliente, acabam generalizando, e não dá para generalizar. A AI traz personalização, o que é maravilhoso, mas temos perfis muito diferentes. Precisamos aproveitar isso ouvindo mais e automatizando o que for possível, claro, mas sem perder essa escuta humana que é tão essencial.