MTV Brasil: do grito inaugural ao silêncio
Como um projeto improvável virou movimento cultural — a história ousada que a MTV Brasil escreveu
O fim da MTV Brasil, mais do que o encerramento de um canal, marcou o término de uma televisão que ousou falar a linguagem de uma geração. Talvez doa justamente por isso: porque seu começo foi tão improvável quanto revolucionário. Quando fui chamado para lançar a MTV no País, ficou claro que não se tratava apenas de colocar um canal no ar, mas de reorganizar parte do ecossistema televisivo brasileiro — técnica, cultural e comercialmente.
O primeiro obstáculo era colossal: a MTV seria o primeiro canal em UHF de São Paulo, numa cidade pronta apenas para o VHF. Prédios, antenas coletivas e milhões de aparelhos simplesmente não recebiam o novo sinal. Sem ação imediata, lançaríamos um canal invisível. Passamos meses negociando com síndicos, instaladores e empresas de manutenção, enquanto distribuíamos antenas, mobilizávamos varejistas e incentivávamos a compra de conversores. Fazer a MTV “entrar” em cada prédio não foi apenas uma ação de engenharia: foi convencimento, persistência e, sobretudo, cultura.
E havia a concorrência. Naquele momento, quase todos os canais exibiam programas baseados em videoclipes. Sem uma janela de exclusividade com as gravadoras, seríamos apenas mais um — e sem qualquer garantia de audiência. A negociação foi intensa. As gravadoras argumentavam que estavam em todos os canais: por que privilegiar apenas um? Ainda assim, alcançamos uma solução decisiva: uma exclusividade temporária para lançamentos, com exceção do Fantástico. Era exatamente o que queríamos. O programa promoveria o clipe que, logo depois, só poderia ser visto na MTV. Assim criamos um motivo claro para o jovem nos procurar — e, a partir daí, tudo se tornou possível.
Outra decisão estratégica foi não inundar a cidade com produtos da marca antes da estreia. Queríamos que o primeiro gesto de pertencimento viesse dos conversores e antenas UHF, não de cadernos ou camisetas. A relação com a marca deveria nascer do esforço de captar o sinal, da descoberta, do rito de entrada.
Restava um desafio central: como comercializar um canal cuja audiência talvez nem existisse? A solução foi criar o conceito de “anunciante fundador”, oferecendo condições especiais para quem topasse arriscar. Visitamos grandes marcas sem prometer números: prometíamos relevância. A MTV estreou com patrocinadores importantes e um discurso comercial sólido, sustentado mais por visão de futuro do que por métricas.
Montar a equipe exigiu a mesma ousadia. Não havia profissionais “prontos” para fazer a MTV, porque a MTV não se parecia com nada existente. Criamos uma escola interna, reciclando técnicos e aproximando-os da estética, da velocidade e da irreverência que definiriam o canal. A busca por apresentadores percorreu o País. Astrid Fontenelle, Ana Paula, Thunderbird e Zeca Camargo sintetizavam aquilo que queríamos: frescor, talento, autenticidade.
A identidade visual e a campanha publicitária completaram o projeto. A DPZ, guiada por Paulo Ghirotti, abandonou o individualismo do “I Want My MTV” e propôs um convite coletivo: “Te vejo na MTV.” Viajei à MTV nos EUA e os convenci de que não precisávamos de um slogan, mas de uma senha de pertencimento. A MTV tornou-se ponto de encontro simbólico onde música, comportamento, moda, humor e experimentação conviviam em fluxo contínuo.
Por isso seu fim foi tão marcante. Não desapareceu apenas um canal: desapareceu a experiência de uma TV que ousava arriscar sem garantias, inovar sem medir retorno e falar sem medo de não agradar. O silêncio que vivemos não é apenas técnico — é emocional. A MTV Brasil provou que, quando a televisão acredita na potência cultural de um projeto, ela deixa de ser meio e vira movimento. E talvez seja isso que mais falte hoje.