Receitas para a inovação do paladar
Com tecnologia e inovação, varejo alimentar se movimenta para atender à crescente demanda por produtos orgânicos, plant based e clean label; marketing investe em propósito e conteúdo relevante
Com tecnologia e inovação, varejo alimentar se movimenta para atender à crescente demanda por produtos orgânicos, plant based e clean label; marketing investe em propósito e conteúdo relevante
Isabella Lessa
24 de setembro de 2020 - 8h30
A quarentena fez com que alguns hábitos se intensificassem ou criassem espaço até então inédito na vida das pessoas. Um dos mais escancarados foi a ida mais recorrente à cozinha: com a rotina do home office imposta a muitos, a relação com a louça, a despensa e o que tem na geladeira passou a ser mais íntima de quem pouco se aventurava nos fogões. Aprender a fazer arroz e feijão foi novidade para muitos que, até então, comiam a tradicional combinação brasileira nos restaurantes a quilo, enquanto os mais avançados na gastronomia passaram a se aventurar na arte da panificação. No Google, as buscas pelo termo “pão caseiro” cresceram 111% entre maio de 2019 e maio deste ano, assim como a procura por massa fresca (59%), processador de alimentos (65%) e batedeira (32%).
Além da vontade pelo aperfeiçoamento de técnicas culinárias, o Google mapeou, em parceria com a WGSN, alta na procura por feiras de bairro, pequenos produtores e negócios locais. As pessoas passaram a digitar com mais frequência no campo de busca combinações como “de bairro” (31%), “marmita perto de mim” (102%), “feira livre (34%), “padaria perto de mim” (38%) e “sacolão” (34%). Já os primeiros resultados do estudo NutriNet Brasil, realizado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), apontam que o consumo de comida fresca e caseira aumentou durante a pandemia. A demanda por frutas, hortaliças e feijão subiu de 40,2% em março para 44,6% em maio. A amostra da pesquisa foi realizada com um grupo de dez mil pessoas, majoritariamente composto por adultos com idade entre 18 e 39 anos (51,1%), mulheres (78%), moradores da região Sudeste (61%), com nível de escolaridade superior a 12 anos de estudo (85,1%).
A Camil, que detém participação de 10% do mercado nacional de arroz e de 6% no de feijão, já havia registrado o aumento da procura de seus produtos no início da quarentena e, agora, impulsionada também pela alta do preço do arroz, as ações da companhia subiram mais de 50% desde março. Ajudar os brasileiros não apenas a cozinhar o arroz e feijão, mas a estimular a redescoberta do prazer de estar à mesa foi o que determinou o tom da comunicação da companhia neste período. “Recalculamos a rota do marketing no começo da pandemia e trouxemos a revalorização do ato de comer em casa com a ajuda das receitas, para variarem o trivial do dia a dia”, comenta Christina Larroude, diretora de marketing da Camil Alimentos. Para isso, a marca montou plataforma de conteúdo, criada pela Lew’Lara\TBWA, com a participação de cozinheiros e influenciadores da cozinha, como a chef Morena Leite e a ex-participante do MasterChef Dayse Paparoto. A protagonista do canal é a apresentadora Rita Lobo, com quem a empresa identificou uma missão em comum, que é a de defender a dieta brasileira, baseada em um prato de arroz, feijão e hortaliças. “Em tempos de pandemia, a gente tem de educar o brasileiro a comer arroz e feijão, o ‘PF (prato feito)’. As pessoas tiveram de perder o medo de usar a panela de pressão”, diz Christina. A iniciativa da Camil em encorajar uma maior presença do “prato feito” nos lares brasileiros dialoga com o estudo, divulgado no final de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre consumo alimentar no Brasil, que mostrou que, apesar de o brasileiro manter o arroz, feijão e carne na dieta, houve queda, ao longo de uma década, no consumo de produtos in natura ou minimamente processados e, em contrapartida, aumentou a presença de alimentos processados e ultraprocessados, como pizzas, salgadinhos e adoçantes.
Segundo Frank Pflaumer, vice-presidente de comunicação e marketing da Nestlé, a companhia tem percorrido uma jornada global de saudabilidade há mais de uma década e o Brasil se posiciona entre os principais mercados, neste sentido. Nos últimos três anos, a empresa se dedica a diversos projetos que atendam a mudança de estilo de vida do consumidor, que passa por maior demanda por produtos com menos sódio e açúcar, por exemplo. No entanto, afirma Pflaumer, para poder chamar um produto de “orgânico”, são necessárias pesquisas e proximidade constante com os agricultores. “Muitas vezes, se leva anos para desenvolver um produto porque depende de toda a cadeia de produção. Não é uma decisão, é uma preparação”, diz o executivo. Lançada em agosto do ano passado, a linha de papinhas orgânicas do anunciante, a NaturNes, levou três anos para ser desenvolvida. A companhia acaba de anunciar o primeiro Nescau orgânico, que conta com três ingredientes: leite, cacau e açúcar demerara em garrafa de 200 ml. Na comunicação, a Nestlé também intensificou, assim como a Camil, o conteúdo de compartilhamento de receitas. “Nescau deu dicas de como as pessoas poderiam fazer esportes no espaço de casa, Ninho deu sugestões de receitas para as crianças, Nutren, focada em um público acima dos 50, falou sobre como esse grupo poderia se engajar com as plataformas digitais. Saímos dos benefícios funcionais para entregar conteúdo relevante”, exemplifica Pflaumer.
O caminho das receitas também norteou a comunicação recém-lançada pela Sadia. Batizada de “Intimidade”, a campanha criada pela Africa traz a assinatura “Quanto mais você sabe, melhor sua família fica” e promove os momentos íntimos em família. O filme também remete ao lançamento anterior, o “Hub de Receitas Sadia”, que incentivou as pessoas a ficarem em casa e a cozinhar.
Expansão de portfólio
Venda digital de alimentos avança
Essa ascensão da busca por opções saudáveis por grupos de consumidores vem na esteira de tendências que precedem a pandemia e se cruzam, cada vez mais, com os consumidores nas prateleiras dos supermercados. Produtos orgânicos, clean label e plant based já vinham e vêm movimentando os esforços de grandes empresas do varejo alimentar e de foodtechs e perpassam, além da saudabilidade, pilares como o da praticidade, ainda mais em evidência no atual ciclo de vida do consumidor.
Nos últimos quatro anos, as buscas no Google por “carne vegetal” aumentaram 150%. As foodtechs norte-americanas Beyond Meat — que, no ano passado, atraiu investidores como Bill Gates e Leonardo DiCaprio — e Impossible Foods foram duas empresas que expandiram o mercado de hambúrgueres feitos a partir de ingredientes vegetais, como a proteína isolada da ervilha e o suco da beterraba. A meta principal desses produtos é emular o sabor da carne animal para agradar ao paladar dos “flexitarianos”, pessoas que gostam de carne, mas desejam reduzir o consumo. Com essa mesma premissa, a Fazenda Futuro, fundada por Marcos Leta, estreou no mercado nacional há 16 meses com a versão 1.0 do Futuro Burger, primeiramente introduzindo-o em hamburguerias parceiras e em alguns supermercados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Cinco meses depois, a empresa lançou a versão 2.0, que prometia um sabor mais próximo ao da carne. Hoje, o portfólio de produtos inclui carne moída, almôndegas e linguiça de pernil. “Estamos sempre buscando novos produtos e, até o final do ano, teremos mais lançamentos.
*A íntegra desta reportagem está publicada na edição semanal de Meio & Mensagem, que pode ser acessada gratuitamente pela plataforma Acervo, onde é possível consultar ainda todas as edições anteriores que circularam nos 42 anos de história da publicação. Também está aberto a todo o público, gratuitamente, o acesso à versão digital das edições semanais de Meio & Mensagem, no aplicativo para tablets, disponível nos aparelhos com sistema iOS e Android.
*Crédito da foto no topo: Gmvozd/ iStock
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