Mídia

Kachar: “A solução é marca, tráfego direto e dados”

Diretor-geral da Editora Globo e SGR avalia mudanças nas plataformas, ascensão da IA e frentes de negócios

i 9 de dezembro de 2025 - 13h12

Frederic Kachar, diretor-geral da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio, afirma que não se pode abandonar as origens.

À frente das revistas e das rádios da Globo, Kachar diz que não é porque fez 100 anos (que foram celebrados ao longo deste ano) que tem mais 100 de sucesso contratados.

Há vários fatores em curso, aponta Kachar.

A transformação acelerada no cenário de mídia, atravessada pelo avanço da inteligência articial (IA), queda no tráfego gerado pelo Google e o surgimento de novos veículos e plataformas, faz com que os conglomerados de mídia a se movimentem em direção à construção de marca, personalização e solução multiplataforma.

Essas são as estratégias adotadas pela Editora Globo e Sistema Globo de Rádio, as quais investem na diversificação de fontes de receita e capacitação interna para produção de conteúdo em vídeo.

Frederich Kachar

Frederic Kachar: ““Não acredito que haja uma crise na mídia — é um desafio que atinge todos os setores”  (Crédito: Arthur Nobre)

Kachar: os caminhos possíveis

Em entrevista ao Meio & Mensagem, o diretor-geral da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio, Frederic Kachar, fala sobre o impacto da queda de tráfego via plataformas, caminhos possíveis para a regulação da IA, a chegada de novos veículos, a expansão dos eventos como pilar estratégico e as tendências que definem o futuro do conteúdo.

Queda de tráfego via Google

Os veículos, durante muito tempo investiram nessas plataformas, como o Facebook, que já foi um grande gerador de tráfego e depois cortou notícia da plataforma. O Instagram nunca foi. E o Google que ocupou esse espaço do Facebook, especialmente com o Discover. O Discover tem uma força no Brasil que não tem no resto do mundo. O percentual de Discover aqui é muito mais alto do que lá fora. Até porque a penetração de celular Android é maior aqui . Não tem outro Google para substituir e não é através da conversa que vai gerar clique e visita em link. A solução é marca, tráfego direto, ter os dados da sua base para oferecer newsletter, notificação. Se virar com o que tem. A minha dúvida — mas pode ser ingenuidade — é o modelo de negócio do Google em cima de link patrocinado. Eles já estão começando a colocar propaganda no meio da resposta conversacional. Mas não sei até que ponto uma coisa substitui a outra.

Modelo de regulamentação

A Austrália agora fez nova regulação e é um bom parâmetro. A comunidade europeia está tentando fazer. São poucos países que conseguiram regular IA. A regulação do arcabouço anterior é mais ampla, de cobrar do Facebook e Google. É anterior à IA. Mas a Austrália é uma boa inspiração para nós. A Europa funciona muito na base da multa. Toda semana tem multa nova. Não acredito nesse modelo. Tem que ser um modelo coletivo. Não dá para ser um para um, porque aí começa a pegar gente desesperada que faz qualquer acordo. É uma coisa setorial. No modelo australiano anterior, eles resolviam na arbitragem. Obriga as partes a construírem um acordo. Porque se a distância é muito grande, alguém vai perder muito. É um modelo interessante. Tem o projeto de IA que passou no Senado, do Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que está na Câmara. Mas, sendo muito franco, não acredito que, em ano de eleição, esse tema vai andar. É uma conversa para 2027.

Crise na mídia? Não, é desafio, afirma Kachar

Houve aí um movimento vintage da volta ao impresso. É igual a volta do vinil na música. É uma coisa bacana e tal, mas de alcance limitado. Não é transformacional. Nunca deixou de aparecer veículo novo. A crise, no fundo, não é uma crise. É um desafio que se desdobra para outros setores da economia. Veja o mercado bancário: durante muito tempo, tivemos os mesmos bancos no topo, vários bancos estrangeiros vieram, não deram certo no Brasil, até que surge nova geração que trabalha de outro jeito, que não tem legado, que tem estrutura de custo mais leve, com proposta de valor diferente, com comunicação que conquista a geração mais jovem e consegue prosperar. Não acredito que haja crise na mídia. Tem um desafio importante que passou por todos os setores, e dei o exemplo aqui dos bancos, mas vale para todos, como para as montadoras. É um bom exemplo também, porque podia usar a palavra crise para as montadoras, porque vinha de quatro, cinco anos caindo o volume de venda de carro no Brasil.

Oportunidade

Não chamaria de crise, é um desafio. E por que que surgiu um monte de entrantes no mercado que não parava de cair? Agora voltou a crescer. Os veículos novos surgem porque tem oportunidade, tem algo novo para contar. E cabe aos incumbentes se reinventarem todos os dias. Não é porque fez 100 anos que tem mais 100 de sucesso contratados. Tem que se virar. Mas não usaria a palavra crise. É desafio e nenhum setor está imune a isso. Todos estão desafiados todos os dias.

Frentes de receita

No Sistema Globo de Rádio é publicidade. Não tem outra fonte de receita. Se ninguém paga para ouvir rádio, então, tudo é publicidade. Dentro da publicidade, a maior parte ainda é dial, mas dentro do dial, há muitos projetos especiais. Se você sintonizar na CBN, verá um projeto atrás do outro. Projetos integrados, alguns exclusivos da CBN, outros integrados com Globo, Valor, às vezes, com a revista Crescer, com outra revista nossa. Os eventos e o digital vêm juntos, em segundo lugar. Mas a maior parte ainda vem do dial com essa observação que, dentro do dial, tem um percentual enorme de projetos. Na editora, temos assinaturas. O mix de receita é algo como 70/30: 70% de publicidade e 30% de assinaturas. Mesmo com o crescimento do impresso, temos quase 60% das receitas vindas de digital e de eventos. Os dois crescem juntos. Os eventos cresceram um pouco mais este ano, o centenário ajudou a puxar. Não é só crescimento na web, mas crescimento nas redes sociais, no YouTube. Os eventos são uma fortaleza nossa. Há três pilares por trás disso. Em primeiro lugar, a capacidade de convocar as pessoas para o evento. Se é um debate sobre determinado tema, temos a capacidade de convocar os experts, reguladores, políticos, formadores de opinião. Se é um evento de entretenimento, como o Rio Gastronomia, temos a capacidade, pela nossa mídia e alcance, de convocar as pessoas para irem. Temos uma equipe brilhante que executa os eventos num estado da arte, num grau de excelência muito alto.

Renovação de público e patrocinadores

Essa experiência positiva nos ajuda a renovar tanto o público consumidor quanto os patrocinadores. Por fim, esses veículos todos têm alcance enorme. Atingimos 60 milhões de consumidores todos os meses com um conjunto das marcas. Temos a capacidade de reverberar os eventos. Evento é isso: é a capacidade de convocar, de levar as pessoas que importam e, durante o evento, extrair conteúdo, notícia, enfim, tudo o que se deseja. A execução do evento em si, que tem que ser redonda, e depois a reverberação.

Novos negócios

Educação, licenciamento de marca — as revistas têm oportunidade —. a publicidade nos seus mais variados formatos, as assinaturas. Mas tem tanto por vir em IA ainda que, provavelmente, se me fizesse essa pergunta daqui a um ano, vou voltar com resposta completamente diferente. Está só começando. Claro que traz riscos grandes para quem é proprietário de conteúdo autoral. Temos visto no mundo até Hollywood fazendo greve. Mas tem um lado positivo. Estamos apenas começando a entender como usar e podem derivar modelos de negócios que nem temos noção ainda. Por ora,não tenho nada de disruptivo para falar, fora o que os outros já fazem, os eventos, a educação. Em cinco anos, muita coisa vai mudar.

Tendências de conteúdo segundo Kachar

É vídeo vertical. Vídeo curto. Até o jornal The New York Times se rendeu. No aplicativo novo deles, uma das abas é vídeo vertical, vídeo curto, que vai arrastando e trocando de vídeo. Esse formato é inexorável para atingir muita gente, a geração Z. Estamos construindo estúdios para escalar a produção de vídeo porque fazemos pouco vídeo, queremos fazer muito mais. Queremos ter uma redação apta a fazer isso. Nunca considerei, na hora de contratar um jornalista, a capacidade de fazer vídeo. Agora, terá que ser considerado, especialmente nos programas de estágio, trainee. Isso não significa abandonar o texto. Continuo acreditando — e tem cientistas que respaldam o que vou dizer — que a absorção de conhecimento através da leitura é maior do que de qualquer outra forma. Temos que ter vídeo, nos adaptar aos hábitos de consumo, às gerações, mas sem abandonar a origem. O maior luxo que tem não é comprar um carro caro, é desligar o telefone 24 horas. Queremos ser a companhia para os momentos que se quer não somente leitura pesada, mas que se queira desligar e aprender alguma coisa, se entreter, receber algum serviço. Acredito muito na força do texto, mas temos que ter mais vídeos.