A criatividade está na UTI
Há tempos venho falando sobre como nosso mercado está doente e carente de cuidados
Há tempos venho falando sobre como nosso mercado está doente e carente de cuidados
Em 1994, quando escolhi atuar nessa indústria, o que mais brilhava os meus olhos era a potência criativa das campanhas e ativações. Era algo impressionante.
Se você perguntar para qualquer pessoa acima dos 30 anos qual a campanha mais criativa de que ela se lembra, a resposta dificilmente será de alguma ação atual. O recall é de alguma campanha antiga e memorável. Faça o teste e pergunte para seu grupo de amigos.
Será que deixamos de ser criativos?
Posso elencar uma série de diagnósticos e causas. Mas a meu ver, o cerne do problema (e da solução) está na relação entre cliente e agência.
A relação era bem parecida entre médico e paciente: mais estreita, de confiança e humanizada. Os clientes buscavam parceiros estratégicos que agregassem valor à marca por meio de novas ideias e soluções criativas.
A relação burocrática foi tomando conta da operação. Se antes estávamos juntos na mesma sala construindo estratégias e ideias que impactavam a vida do consumidor, hoje o briefing chega num PDF através de um sistema de disparo de emails, cada vez mais impessoal, mais distante.
Os anunciantes gostavam de estar com as pessoas das agências, criar laços de confiança e montar um time único. Hoje, não sabemos como é a voz de quem está do outro lado, e muitas vezes nem a cara pois as câmeras estão fechadas.
Um estudo da Associação de Marketing Promocional (Ampro), recentemente divulgado, apontou que 74,1% das concorrências visam o menor preço. E 85,5% das concorrências são job a job e uma grande porcentagem deles com prazo de até dez dias de entrega.
Como podemos entregar a melhor estratégia e a ideia mais criativa se participamos diariamente de concorrências de job a job? É humanamente impossível se aprofundar no negócio do cliente e levar a melhor solução com apenas dez dias de entrega de um projeto.
A relação tem que ser regada no caminho, no dia a dia, no olho no olho. Não no olho do furacão. É importante a agência vivenciar o cliente e o anunciante estar presente na agência. Humaniza a relação.
Mas e aí, as agências são obrigadas a aceitar esse formato. Seriam elas as culpadas pela relação doentia?
Eu acho que somos parte do problema. Há muito medo de dizer não, de reclamar. Há o receio de ser limado, riscado e anulado de uma futura relação.
Muitas agências participam de concorrências job a job por sobrevivência e não pelo modelo de negócio. Para muitos, essa é a única maneira de tentar ganhar novos projetos e manter a saúde financeira para pagar os salários e as despesas fixas. Falta a coragem de falar “não”.
Se antes as negociações eram estabelecidas com base no valor da ideia e com respeito econômico pelo parceiro, hoje já não são mais.
Essa falta de consistência e frequência tem como consequência campanhas mais rasas, que não serão lembradas e nem serão marcantes.
Estamos sim na UTI! A indústria está doente, esgotada e esperando por cuidados urgentes para voltarmos a criar um mercado mais leve, mais criativo e respeitoso, que coloque a ideia no centro da relação.
Precisamos de mais união, mais ação. Reputações que sejam construídas juntas, marcas e agências que diagnosticam e tratam juntos todos os sintomas. Não podemos mais mascarar com tratamentos a curto prazo.
A minha provocação é para você, profissional de marketing ou de agência, como você se sente? Está feliz e realizado com seu desempenho ou está respirando por oxigênio?
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