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A fragilidade da escrita à lápis

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Opinião

A fragilidade da escrita à lápis

O mercado é construído por 2/3 de transformação e 1/3 de manutenção


4 de março de 2021 - 13h27

(Crédito: Graziela Di Giorgi)

Usado para criar histórias e ilustrar ideias, o lápis também serve para olhar em retrospecto e ler o que a história nos revela. Até tudo mudar, foram 12 anos saltando de agência em agência pelo Brasil. Durante este tempo, as mudanças do mercado foram acompanhadas por minhas próprias mudanças, de casa, de país.

Daquelas muitas reuniões (fisicamente) presenciais fui alimentando uma coleção que carrego sempre comigo. Das caixas de mudanças só consegui preservar 21 lápis, mas eles de alguma forma ajudam a contar parte da história.

Além do tempo que a história marca, é curiosa a estatística que os logos nos lápis nos revelam. Dos 21, seis representam agências que já não existem, revelando uma taxa de 28,6% de mortes neste intervalo de pouco mais de uma década.

Mas será que essa fração traduz a transformação real que passa este mercado? Para responder, faço uso de outras duas fontes, mais científicas e menos românticas.

Uma delas faz referência ao poder das marcas, construídas de forma consistente no tempo. O estudo do Agency Scope, de 2008 e de 2020 nos revela que, das 24 agências mais notórias do País em 2008, 29,2% já não existem em 2020, percentual próximo ao apontado pelo lápis.

Da coleção, sinto falta particularmente de quatro, que se perderam em meio às muitas idas e vindas: DM9DDB, F/Nazca Saatchi & Saatchi, NeogamaBBH e Loducca. São, ou melhor, foram, marcas que figuravam entre as mais famosas do País, representadas com índices de 57,0%, 34,0%, 21,0% e 16,0% das menções espontâneas pelos líderes de marketing.

(Crédito: Graziela Di Giorgi/ Divulgação)

Sabemos que não é fácil criar e manter marcas icônicas durante tanto tempo. A título de curiosidade, dentre os doze países onde o estudo é realizado, em nenhum deles o nível de lembrança espontânea das agências é tão alto quanto no Brasil, demonstrando não só o status de popularidade que a publicidade sempre teve no país, como o mérito que essas marcas alcançaram, mas que não foi suficiente para sustentar a pressão financeira a que foram submetidas.

A questão financeira é a que se refere a segunda fonte de informação. Segundo o ranking das maiores agências de publicidade, o percentual não muda muito. Ao conferir a lista de 2008 (fonte: Ibope Monitor) com a de 2020 (fonte: Kantar Ibope Media) é possível ver que das 50 maiores agências, 28,0% já não existem.  E se calcularmos a média dessas três análises, obtemos 29,0%, praticamente a mesma taxa que a coleção aleatória de lápis nos indica.

Mas a estatística também nos revela outra possibilidade, a das consolidações. Analisando as três referencias acima – a da notoriedade, a do financeiro e a do lápis, as combinações duas-em-uma, que se intensificaram mais recentemente, representam 29,2%, 30,0% e 33,0%, respectivamente. Em média, 32,2% das agências conseguiram preservar suas marcas originais. Estas não somam à estatística do desaparecimento das agências, uma vez que parte das suas pessoas, clientes e cultura foram absorvidos na nova união. Se somarmos a estas aquelas que passaram por um rebranding, teríamos uma média de 39,3% de novas identidades, fruto de mudanças de nome e das fusões.

E ainda, temos aquelas que conseguiram resistir e manter seus nomes durante esse tempo. Elas representam 29,2% pelos dados do Agency Scope, 33,3% na ponta do lápis e 34,0% pelo Kantar Ibope Media, revelando uma média global de 32,2% de manutenção.

Assim como a maioria das indústrias, as agências vêm sendo submetidas ao desafio em não sucumbirem à sua própria obsolescência. O contexto muda e, com ele, tudo ao nosso redor. À essa transformação que estamos todos submetidos esperamos seguir vivos, ainda que diferentes. Por mais que surjam transformações matando 29,0% das agências (29,0%), reestruturando 39,3% delas, restando praticamente 1/3 de resistência (32,2%), a criatividade, a curiosidade e a coragem, valores próprios das agências, serão sempre os elementos que farão a diferença para as marcas e às pessoas.

Vemos, portanto, que nestes doze anos, 2/3 passaram por transformações, sejam mortes sem dó, somas de siglas ou por casamentos forçados; enquanto 1/3 conseguiu resistir bravamente. Apesar da curiosa precisão com que um lápis descreve a história, na realidade ele serve apenas para simbolizar a fragilidade da escrita em grafite, ao ser facilmente apagada.

Mas o lápis também oferece a liberdade do risco, contribuindo para a renovação do mercado pelo nascimento de outras. No entanto, para esta mensuração nenhuma fonte isolada será suficiente. O lápis representa somente 9,5% das novas agências, evidenciando sua própria obsolescência diante da consolidação do trabalho remoto. Pelo Kantar Ibope Media 2020 encontramos quatro agências novas, mas ao ser um critério financeiro, naturalmente nem todas conseguem figurar. Das 24 mais notórias pelo Agency Scope 2020, seis são novas (criadas a partir de 2010), o que confere uma taxa de 25% de renovação. Mas, para conseguir notoriedade também é preciso tempo, o que lhe carece de realidade. De qualquer forma, 1/4 é apenas um indicador mínimo viável de um mercado que busca evoluir ao desenhar novos modelos que se sustentem no tempo, em meio a um cenário tão incerto quanto fragilmente sinalizado.

*Crédito da foto no topo: iStock

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