Opinião
Ameaças e oportunidades
Grandes holdings da publicidade correm para contrapor a tese de que a inteligência artificial aumentará a capacidade das empresas anunciantes resolverem em casa as demandas até então delegadas às agências
Grandes holdings da publicidade correm para contrapor a tese de que a inteligência artificial aumentará a capacidade das empresas anunciantes resolverem em casa as demandas até então delegadas às agências
27 de fevereiro de 2024 - 14h00
Com 0,9% de crescimento orgânico em 2023, o WPP fechou, na semana passada, a série de divulgações de resultados financeiros das principais holdings globais de publicidade e serviços de marketing. A grande estrela da temporada de balanços foi o Publicis Groupe, com alta de 6,3% na receita orgânica em 2023 — índice superior à previsão de 5,5% a 6% feita em outubro. O Omnicom teve crescimento de 4,1%. Já o Interpublic amargou recuo de 0,1% em sua receita orgânica. A América Latina avançou mais que a média global, com alta de 13% no Omnicom; 8,9% no Publicis Groupe; e 8,2% no Interpublic.
Assim como os resultados de 2023, as previsões para o fechamento de 2024 são díspares. De um lado, focado em duas megafusões — VML e Burson —, o WPP permanece cauteloso, apontando para um cenário estável, com alta de 1%. Já o Publicis Groupe espera que a receita orgânica avance entre 4% e 5%.
Entre os principais pontos de atenção para as holdings em 2024 estão os desdobramentos dos investimentos em inteligência artificial. O WPP prevê orçamento destinado a essa tecnologia de US$ 318 milhões neste ano. A plataforma WPP Open pretende ajudar as equipes a obter insights para campanhas, além de aumentar a eficiência e dar mais agilidade ao trabalho. Mas os efeitos não devem ser somente internos, já que a holding espera vender novos produtos e serviços baseados em IA aos seus clientes
O tema é especialmente relevante para a holding, já que analistas financeiros consideram que o receio de investidores em relação às ameaças representadas para as operações tradicionais de marketing por novas tecnologias, como a IA, impactou a perda de valor de mercado do WPP no ano passado. A tese é a de que a IA tem potencial para substituir funções desempenhadas pelas agências de publicidade nas áreas de criação, planejamento e compra de mídia, aumentando a capacidade das empresas anunciantes resolverem em casa as demandas até então delegadas às agências.
O Publicis Groupe também anunciou aporte semelhante, de US$ 326 milhões, a serem aplicados nos próximos três anos para acelerar o uso de IA em áreas como criação e mídia, além de lançar a ferramenta proprietária CoreAI. A ambição é grande: combinar perfis de consumo de 2,3 bilhões de pessoas de todo o mundo com dados sobre conteúdo, mídia e tendências de mercado, por exemplo. Entre as aplicações possíveis está a de gerar briefings ou planos de mídia de forma automatizada, reduzindo para alguns minutos o trabalho que poderia levar semanas. Paralelamente à aceleração nos fluxos de trabalho, o impacto nos empregos será inevitável — os executivos da holding exemplificaram citando a substituição por ferramentas de IA dos ilustradores que faziam storyboards. Para aplicar cerca de US$ 100 milhões no projeto em 2024, sendo metade em formação e contratação de talentos e metade em estrutura tecnológica, o Publicis Groupe irá tirar recursos do que chama de “eficiências internas”.
No WPP, o termo usado é “oportunidades de eficiência” — leia-se cortes, inclusive de postos de trabalho. O movimento por eficiência resultou na concentração dos negócios, antes muito mais pulverizados, em seis redes de agências: as criativas VML, Ogilvy e AKQA; a de mídia GroupM; a empresa de produção Hogarth; e a nova Burson, fruto da mais recente fusão entre as marcas de relações públicas BCW e Hill & Knowlton. Juntas, elas respondem por cerca de 90% da receita do WPP. Entretanto, enquanto os negócios das chamadas agências integradas recuaram 1,6% no ano passado, os do GroupM cresceram 4,9%, fazendo a rede responder por 38% da receita líquida da holding. No Publicis Groupe, a receita de mídia representa um terço dos negócios da holding.
Esses índices mostram que a mídia paga mantém sua importância crucial para as estratégias de marketing e reafirmam a dependência dos conglomerados de publicidade das receitas geradas pelo planejamento e compra de mídia, o que a implementação de ferramentas de inteligência artificial pode reforçar ainda mais, caso os ganhos de eficiência esperados se confirmem.
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