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Como é ser uma mulher preta no Brasil

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Opinião

Como é ser uma mulher preta no Brasil

A mulher negra no Brasil é sinônimo de luta, guerreira, de força e isso nos adoece porque precisamos dar conta de tudo, como senão pudéssemos chorar, fraquejar perante as incertezas


25 de julho de 2022 - 13h00

(Crédito: Lightspring-shutterstock)

Mesmo representando 28% da população brasileira e participando na geração dos 40% do nosso PIB gerado pela população negra como um todo, ser mulher e negra em uma sociedade machista e racista é um ato de resistência. Ainda somos vistas como as pessoas para servir as outras, para limpar, para cuidar dos outros. Não podemos (e nem temos o direito) a ter um bom emprego, um carro, casa própria e nem fazer faculdade. Somos a base da pirâmide social, somos peças fundamentais para a atual sociedade e, mesmo assim, ainda não temos os mesmos direitos.
E, isto tudo está enraizado na sociedade há mais de 520 anos no que chamamos de racismo estrutural. Toda mulher preta já nasce fazendo parte e lutando por essa transformação afinal, viver (e sobreviver!) em um país em que a cada 12 minutos uma pessoa preta é morta, que tem a cultura do estupro e da violência contra a mulher não é algo simples. A mulher negra no Brasil é sinônimo de luta, guerreira, de força e isso nos adoece porque precisamos dar conta de tudo, como senão pudéssemos chorar, fraquejar perante as incertezas. Por isso, me orgulho em dizer que uma mulher preta representa tudo o que é lindo e maravilhoso mesmo tendo que batalhar todo dia para que essa realidade mude. Hoje, muitas coisas já mudaram, evoluíram, mas são reflexos das lutas de nossos antepassados.

Eu, por exemplo, nasci na zona leste de São Paulo, vim de uma família pobre e sempre soube que minha trajetória não seria fácil, mas minha mãe e minha avó que foram sinônimo de mulheres protagonistas me ensinaram e me incentivaram a conquistar o que eu quisesse. E isso fez toda a diferença. Elas me lembravam todos os dias que sou uma mulher linda e inteligente. Elas permitiram que eu fizesse tudo que eu quisesse dentro das condições delas. Me olhar no espelho, ver que o que elas diziam é verdade foi fundamental para minha autoestima e, viver a vida muitas vezes sem pensar no medo, na dor e sim fazer o que precisava ser feito para que eu conquistasse as coisas e mais ainda, elas me mostraram que era possível sonhar e preciso sonhar para que pudéssemos alcançar o que queremos. Elas me ensinaram que temos o direito de ir e vir mesmo que o racismo toda hora diga que não.

Eu consegui quebrar um ciclo na minha família, fiz faculdade porque meu tio já era graduado, eu já tinha representatividade. Mas, antes disso minha mãe, que era costureira, me ensinou a profissão dela e é isso que acontece em muitas famílias pretas no Brasil. As mães são empregadas domésticas, muitas vezes não têm onde ou com quem deixar as filhas que acabam ajudando no ofício. Até que a mãe se cansa, se aposenta e a filha vai trabalhar para os filhos da mesma família. Como já dito, o lugar da mulher negra já é ditado através das regras do machismo, racismo e classismo: nosso lugar é servindo e cuidando das outras pessoas, dos filhos dos brancos e não da nossa própria família.

O racismo existe desde que o mundo é mundo. Sempre foi dito, mesmo que indiretamente, que precisávamos ser 10 ou 20 vezes melhor que um branco para conseguir destaque. Eu, por experiência pessoal e pelo trabalho que desenvolvo, posso afirmar que só trabalhar mais e ter mais conhecimento não está nos ajudando a conquistar nosso espaço. Precisamos de estratégias, networking e aliados para podermos avançar, evoluir e mudar esta realidade que a mulher preta precisa sempre ser melhor em tudo o que se propor a fazer.

É preciso transformar tudo. O Brasil é um país que não respeita as pessoas por quem elas são. Elas precisam mudar o cabelo, o corpo e basicamente se vestir de branco para conseguir u m emprego e, isso não é positivo para ninguém, nem para os negros nem para os brancos. É preciso mudar muita coisa mesmo acreditando que todos os dias estamos avançando um pouco. Para esta transformação, a primeira coisa que temos que fazer é reconhecer que nosso país é racista, que esse racismo é estrutural e que determina quem vai morrer, quem vai nascer, quem come, quem dorme, quem estuda e quem tem direito ao lazer. A única maneira de reverter esse quadro, que nos adoece todos os dias, é fazer essa transformação mental, a reprogramação emocional que acredito que só conseguira ser feita através do capitalismo. O capitalismo criou o mundo como é hoje, desvaloriza algumas pessoas para dizer que as outras são melhores, que tem mais vantagens, mais dinheiro, mas será pelo capitalismo consciente que vamos mudar essa desigualdade, ao gerar igualdade e oportunidade para todas as pessoas. É através do social, de uma educação que leve em consideração a história das pessoas que criaram e vivem nesse país, uma educação que realmente eduque.

Não podemos ignorar que os principais preconceitos que sofremos vem das corporações. Primeiro porque essa mulher preta não é reconhecida como um funcionário de valor mesmo que esteja na mesma área, fazendo a mesma coisa e entregando até mais que um homem branco e isto é comprovado quando notamos que o salário dela é 57% inferior ao dele.

Vivemos em uma constante evolução quando pensamos em políticas públicas, que o racismo está sendo punido, que as empresas estão fazendo ações para trazer mais grupos subrepresentados para dentro das companhias e que hoje questionamos mais, brigamos mais pelos nossos direitos, temos mais consciência do nosso lugar de fala, de ação e do nosso potencial. Isto demonstra que estamos evoluindo, que a jornada de diversidade e inclusão é diária. Eu, por exemplo estou plantando coisas que eu não vou ver, mas sei que fará toda a diferença na vida das pessoas que vierem depois de mim. Elas terão uma vida mais leve, próspera, abundante, com mais possibilidade e com o direito de ser quem elas quiserem, com o cabelo que quiserem, com a roupa que quiserem e serão respeitadas por serem quem elas são.

O racismo é difícil de reconhecer e combater e, não podemos ignorar o fato que pessoas pretas também possuem preconceito em relação a outras pessoas pretas porque são vieses que diariamente precisamos olhar, combater e entender. O racismo tira o direto do negro de sonhar, de estar em qualquer lugar, fazendo o que quer e como quer. O racismo também reflete na autoestima e, uma pessoa sem autoestima não tem força para movimentar e acreditar no seu potencial. Se acredita que pode, pode, mas se acredita que não pode, não pode. E com a falta de poder pessoal, de autoestima, você não tem forças para correr atrás do que está disponível muito menos do que é preciso batalhar. Quanto mais marcadores sociais você tem mais desafios você enfrenta e, quanto mais melanina tiver na sua pele menos acesso, menos informação e menos possibilidade você tem.

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