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Opinião

Copa do Mundo no Qatar: crise de imagem e sportswashing

País do Oriente Médio sedia torneio para ampliar sua influência global e mundo detesta conhecê-lo de perto


29 de novembro de 2022 - 6h00

Copa do Mundo Catar 2022 taça Copa do Mundo

(Créditos: SERGIO V S RANGEL/Shutterstock)

A escolha do Qatar passa por uma série de polêmicas bem apuradas no documentário Esquemas da Fifa, que desvenda a corrupção na escolha dos países-sede, a ação dos cartolas do futebol e o apetite de alguns dirigentes por propinas. A rejeição do público ao Qatar tem ido muito além da antipatia à corrupção: a escolha de um país que pouco considera os direitos humanos básicos para receber o maior torneio esportivo do planeta é a certeza de que a missão da Copa não é unir as nações em torno do esporte, e sim, faturar alto.

A Fifa, que deveria ser a ONU do futebol, parece que se interessa mais pelo método Elon Musk de gestão. Tudo pelo dinheiro, e poucos princípios morais. Ser homossexual não é permitido no país. Mulheres que fazem sexo fora do casamento podem ser apedrejadas e aquelas que queiram viajar para o exterior ou trabalhar em empregos do governo devem ter autorização dos seus guardiões, ou seja, maridos. A lista de absurdos é enorme.

O Qatar sediar esta Copa é mais um exemplo da prática de sportswashing, instrumento de propaganda comumente utilizado por nações onde o autoritarismo impera. Sportswashing é um importante termo do marketing esportivo para definir a apropriação dos significados do esporte, como desempenho, superação, saúde e otimismo por países que desejam fazer propaganda global se associando a essas ideias, para ocultar outras práticas nefastas da sua vida corriqueira. A fórmula funciona para dar a esse país protagonismo global ao sediar eventos importantes e promover sua marca no turismo.

Nesse sentido, podemos lembrar da Olimpíada de Berlim, em 1936, dirigida por Hitler. Da ginasta Nadia Comaneci, representante da Romênia regida pela mão de ferro do ditador Ceausescu, na Guerra Fria. Da Copa de 1978, na Argentina, na ditadura militar. Olimpíada de Inverno de Sochi, na Rússia. E, agora, a Copa no Qatar.

É preciso gerir crises o tempo inteiro. Lidar com autocratas e ditadores qataris tem sido um problema tão grande que até os patrocinadores sofrem: a Budweiser, que pagou milhões para ser a cerveja oficial do torneio, tem enfrentado uma série de restrições nunca antes vistas para vender seu produto na maior janela de visibilidade do planeta.

Onde já se viu? Antes que comecem uma fake news, existe cerveja, sim, no Qatar, elas estão à venda em hotéis e, aliás, é só conversar com qualquer morador de lá: eles têm carteirinha de consumo e acesso a lojas que vendem álcool.

A “lei da boa vizinhança” pede que respeitemos a cultura do país que estamos visitando. Isso é verdade, não se chega na casa de ninguém impondo regras. Mas ninguém pensou em negociar isso de antemão? Claro que sim. Foi negociado. Mas existe negociação que se sustente com uma ditadura absolutista? Não, é só o emir mudar de ideia. Esse é o ponto.

O ranço com a Copa não é só anti-Fifa, pró-direitos humanos ou pró-cerveja. 2022 não foi um ano fácil para o Brasil. Enfrentamos uma eleição em um país polarizado, violento, dividido pela metade. O maior craque da seleção, Neymar, declarou apoio a Bolsonaro, notório atacador de mulheres e LGBTs. Para muitas pessoas, Bolsonaro, Qatar e Neymar pensam da mesma maneira.

É possível que nós, brasileiros, de memória curtíssima, esqueçamos desse mal- estar se a seleção jogar bem e engrenar no torneio. Mas eu não me lembro de ter vivido uma Copa do Mundo com tanta rejeição até esta. Será que nem mesmo o futebol consegue unir mais os brasileiros?

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