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Opinião

Não faça o que eu digo

Nosso mercado já sabe, não é de hoje, que entre o que as pessoas dizem e o que elas fazem existe uma distância enorme, provavelmente a mesma distância que falta para muitas campanhas funcionarem


25 de outubro de 2016 - 10h20

Gente é um troço complicado. Tem coisa que a gente sente. Tem coisa que a gente pensa. E tem coisa que a gente declara abertamente. Pior: tem coisa que a gente sente, mas não entende. Coisa que a gente nem sabe que pensa. Coisa que a gente fala, mas da boca pra fora.

Mas um mercado que está no negócio de prever e influenciar comportamento precisa partir de algum lugar. E esse lugar, via de regra, é o que as pessoas declaram. Qualis ou Quantis. Prétestes ou trackings de imagem. Drivers de categoria ou insights para a comunicação. As técnicas e propósitos podem variar, mas a informação chega sempre pela mesma via: alguém declarou. Idealmente, toda pesquisa é bem interpretada. E da neurociência à etnografia (abordagens menos difundidas), não faltam opções para enxergar além da palavra declarada.

Mas vamos deixar as pesquisas de lado um pouco. As pessoas não só falam, pensam e sentem. Elas agem. E, no final das contas, o que realmente nos interessa é o comportamento. Nos últimos anos, o olhar comportamental reinventou completamente áreas como a economia e a psicologia. E o ambiente digital ampliou nossas possibilidades com um banquete de informação comportamental. Mas os seus impactos no nosso mercado não são exatamente uma novidade. Basta ver a quantidade de campanhas que continua limitando-se a repetir cegamente o que as pessoas dizem que querem. Com isso, tudo o que conseguem é pasteurizar a comunicação das categorias (afinal, todos os concorrentes perguntam e escutam as mesmas coisas) e ignorar o único pedágio obrigatório para qualquer campanha — entregar o que as pessoas não estão esperando.

Outros campos, como a pesquisa eleitoral, passam pelos mesmos dilemas: ainda vemos mais energia gasta em questionar os institutos, que pesquisam intenção declarada e não refletem (e como poderiam?) precisamente os votos, e menos em entender padrões históricos e o que acontece entre o que as pessoas dizem que vão fazer e o que de fato fazem na cabine de votação (ou no ponto de venda, se preferir).

Evidências não faltam. Mas a informação comportamental só ganha a devida atenção — afinal, é por ela que seremos cobrados — na hora em que se coloca a estratégia na rua. Vendas, audiência, fluxo de pessoas, downloads, retenção, experiência de uso… Seu uso ainda é, grande parte das vezes, restrito a ajustes de rota, testes A/B, atualizações, mensuração de resultados e tudo o que, embora seja importante, acontece depois que as escolhas estratégicas mais decisivas já foram feitas. É curioso: olha-se para o que as pessoas dizem que vão fazer na hora de planejar e para o que elas de fato fazem apenas na hora de implementar.

A estratégia é viva, é verdade, e continua quando a comunicação vai para o ar. Mas é muito pouca ambição (para não falar em muito desperdício de dinheiro) relegar a informação comportamental somente a esse momento. Porque isso ocorre? A resposta, apesar do cenário complexo, é simples: a informação declarada já vem mastigada e, por isso, é pouco (ou mal) interpretada.

A comportamental nem existe sem a interpretação, através da experiência pessoal e da análise subjetiva, de bons profissionais de comunicação.

Se Under Armour ouvisse cegamente o que as pessoas esperam de uma marca esportiva, jamais teria se associado à Gisele Bündchen. Volvo jamais teria feito um epic split. Harvey Nichols jamais teria celebrado o egoísmo no Natal. Voltando mais no tempo? Budweiser jamais teria celebrado os losers. Volkswagen jamais teria convidado as pessoas a pensar pequeno. Exceções, é verdade. É o que perseguimos ser diariamente.

Mas não se trata de novidade, tendência ou exclusividade do ambiente digital. Nosso mercado já sabe, não é de hoje, que entre o que as pessoas dizem e o que elas fazem existe uma distância enorme, provavelmente a mesma distância que falta para muitas campanhas funcionarem. Mas nosso mercado não é, e nem poderia ser, exceção à regra: ele sente isso, sabe disso, talvez até fale sobre isso. Mas continua fazendo muito pouco a respeito.

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