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Nós construímos pontes, muros não

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Opinião

Nós construímos pontes, muros não

Sobre as separações que trazem perigo para o nosso mundinho publicitário, e nos fazem perder muito tempo


9 de agosto de 2017 - 9h00

Vira e mexe, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, lembra a todos que a ideia de construir um muro na divisa com o México não é apenas uma bravata da época de campanha. Outro dia mesmo tuitou: “Não deixe a mídia dizer a você que mudei minha posição sobre o muro. Ele vai ser construído e vai ajudar a deter drogas, tráfico humano, etc.” E arrematou com a hashtag #BuildTheWall (#ConstruirOMuro).

Foto: Reprodução

Mas não é só o Trump que insiste em falar em muros. Tem o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia). E o Frexit (a proposta para que a França deixe o bloco). E também o Nexit (a versão holandesa) e o Grexit (da Grécia). Dentro dos EUA, por incrível que pareça, tem gente querendo um “Amerexit”. Em oito (oito!) estados, dentre eles New Hampshire, Vermont, Texas e Califórnia, há movimentos (com pouco apoio político) pedindo a separação da nação e a formação de países independentes. Pode parecer pitoresco. Mas não é. Isso mostra o perigo de uma sociedade dividida, política e economicamente.

Agora, vamos falar um pouco de como as separações trazem perigo para o nosso mundinho publicitário. Aqui também se perde — e muito — tempo com muros. Principalmente, falando deles. O mais chato desses muros é aquele que insiste em separar o “digital” do “tradicional”. O “moderno” do “antigo”. Façamos um simples exercício. Pergunte a um consumidor na rua: “Em que momento do dia você é ‘digital’ e em qual momento você é ‘tradicional’?” É, eu sei, não faz o menor sentido para ele. E se não faz sentido para o consumidor, não deveria fazer para nós, profissionais da área. Essa discussão, às vezes, parece a situação de um cardiologista e um neurologista discutindo por longos períodos quem deve operar primeiro o paciente. Enquanto discutem, o paciente pode estar morrendo.

Por algum tempo, houve quem acreditasse que a atividade das agências se tornaria obsoleta por influência das plataformas digitais, que teoricamente diminuiriam a intermediação das agências. Mas isso não aconteceu. Sabe porquê? Porque agências não são apenas agenciadores de espaços: são centros de inteligência a serviço da construção de marcas e negócios.

Por isso, meu amigo, não confie apenas em tecnologia para se diferenciar. Tecnologia é uma coisa ótima. Facilita muito, abre novos caminhos, descobre outros espaços para o desenvolvimento do nosso trabalho. Mas tecnologia pode virar commodity, fácil fácil. Em um mês, vai ter outra agência com uma ferramenta igual ou melhor que a sua. Na China, então, deve ter dez caras lá agora fazendo a mesma tecnologia — só que mais barata.

O poder da ideia, do conteúdo, transcende tudo isso. A criatividade e o talento ignoram muros. Elas criam pontes. Pontes entre a marca e o consumidor. Uma das ideias mais espetaculares dos últimos anos, na minha opinião (ok, você não perguntou minha opinião, mas chegou até aqui nesse texto, então agora aguenta): a estátua da garota desafiando o touro de Wall Street. O que é essa ideia? Como definí-la? É uma ativação? Uma ação de PR? Não é digital, mas também não é tradicional. Então, o que é? Quer saber? Não interessa. É uma ideia que transmitiu tudo que tinha que comunicar, de forma brilhante, em vários tipos de mídias diferentes. E por isso chamou atenção de consumidores do mundo todo para a questão da desigualdade de gêneros no mundo dos negócios. Brilhante.

O nosso mercado — agências, publicitários e profissionais de marketing — precisa olhar menos para si e olhar mais para os consumidores. Chega de levantar muros. Precisamos perceber que nossa atuação não pode ser limitada por rótulos, denominações, gavetas. Precisamos sim investir pesado em ciência. Sim, em ciência para pesquisar, dissecar e conhecer nosso cliente, sua política interna, seu mercado de atuação, seus concorrentes, o que anda pela cabeça de seu consumidor — tudo, absolutamente tudo o que cerca seu negócio. Precisamos sim investir em dados sobre o consumidor — e mais importante, investir em como interpretar esses dados e transformá-los em algo vivo. Dados sem uma leitura inteligente são apenas números mortos em uma planilha de Excell (que Deus a tenha…).

Sem tudo isso, não há como oferecer nada novo ao cliente nem algo relevante ao consumidor. E se um cliente diz “minha agência não me traz nada de novo ou de relevante” — meu amigo, esse é o fim. Para evitar que esse dia chegue, só tem um jeito: gente com talento. Gente com talento para entender o DNA da marca, para desvendar os segredos da cabeça do consumidor, para construir pontes por onde irão transitar as grandes ideias.

Sinto muito dizer aos que construíram esse muro imaginário entre on-line e offline, entre moderno e tradicional: essa é uma das coisas mais sem sentido dos últimos tempos no mercado publicitário. Porque na hora da verdade, só existem mesmo dois tipos de campanhas: as boas e as ruins.

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