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O reconhecimento do sagrado

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Opinião

O reconhecimento do sagrado

Bauducco não considerou nuances importantes em sua última campanha, nem se apropriou da sua bênção de ser lembrada, querida e respeitada por várias gerações


13 de novembro de 2023 - 14h00

Há algum tempo um amigo fez uma provocação: “Cada vez mais estou convencido de que as marcas deveriam se ater a anúncios simples, à publicidade à moda antiga. Isso não implica em não representar a sociedade em que vivemos hoje. Significa, no entanto, abandonar a busca por algo a mais. ‘Novo Fiat Uno Elétrico a partir de 89 mil (apresentando uma família de pais gays dirigindo). ‘Disney Plus, de Mickey a Marvel’, 29 reais por mês (mostrando um homem trans gordo zapeando).”

A palavra “propósito” foi banalizada pelo nosso mercado, ávido por apropriações culturais para “humanizar” as marcas. No entanto, quando percebemos que o propósito existe no que diz e não no que se faz, fica clara a confusão entre propósito e aspiração. Todas as marcas aspiram à consagração. No Brasil, poucas marcas chegaram lá e das poucas que chegaram, nem todas souberam aproveitar essa condição.

A consagração é quando algo se torna sagrado. O sagrado está ligado etimologicamente, à palavra “religião” (do latim “religare”), que sugere a ideia de religar. No entanto, o sagrado não está ligado exclusivamente a uma religião. É uma experiência, um sentimento que une seres e coisas, respeitando-se todas as diferentes alteridades que compartilham a vida neste mundo.

A palavra “sagrado” deriva do latim “sacer”, que significa algo que não pode ser tocado sem ser sujado, mas também algo que não pode ser tocado sem se sujar. Isso acontece porque tocar o sagrado implica em alterar a ordem da realidade e prejudicar a união das pessoas em torno de um acordo.

Possivelmente, a Bauducco não considerou essas nuances quando lançou sua última campanha, que resultou em um desentendimento envolvendo o Lab Fantasma. Não pretendo tomar partido nesse episódio, mas ele evidenciou que uma marca consagrada precisa de mais do que um novo posicionamento; ela necessita de um novo DESLOCAMENTO.

A Bauducco é uma marca consagrada que ainda não se apropriou da sua bênção. Ela é Top of Mind, lembrada, querida e respeitada por várias gerações. Faz parte intrínseca de nossa cultura e de nossas conversas diárias. A chegada e retirada de seus produtos sazonais nas prateleiras gera discussões por todo o País sobre a proximidade das festividades. Ela estimula debates relevantes sobre nossa cultura, desde a preferência por frutas cristalizadas e uvas-passas até questões sobre hábitos alimentares e indulgência natalina. A existência da Bauducco e de seus produtos é uma parte invejável da cultura brasileira.

No entanto, esse mérito não é exclusivo da Bauducco, mas principalmente de sua comunidade, que atualmente está desconectada em termos institucionais. As pessoas estão presentes, as conversas estão presentes, mas elas ocorrem independentemente da Bauducco. Há intimidade com a marca, mas não lealdade. Não é surpreendente que, durante a controvérsia, as pessoas tenham escolhido o lado que sempre esteve realmente presente – e esse lado não era a Bauducco.
Acredito que algumas marcas atingiram um nível em que a gestão de sua comunidade é tão ou mais importante do que a publicidade na TV. Essas marcas não precisam necessariamente mudar sua comunicação, mas devem aprimorar o relacionamento que conecta seu conceito à vida das pessoas. Isso é evidente em exemplos como Itaú e Salon Line, que demonstram essa abordagem rara e eficaz.

No fim das contas, o essencial não é a marca ter um propósito, mas sim manter sua relevância em relação ao propósito das pessoas com as quais ela se relaciona.

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