Ôhhhh Nau! Ôhhh Olivetto!
Sobre situações em que nos decepcionamos com pessoas queridas
Sobre situações em que nos decepcionamos com pessoas queridas
Tenho uma prima que certa vez me contou uma história de uma menininha que era sua vizinha e adorava um gatinho chamado Nau de uma outra vizinha. Essa menina dedicava todo seu amor a esse gatinho e isso rendia ao felino muito colo, carinhos, beijos, apertos… puxões no pelo… Bem no “estilo Felícia”. Se você não conhece a Felícia, é só dar uma busca rápida pela internet que isso se resolve. Um dia, o gatinho parece ter acordado um pouco mais sensível e, quando a menina exagerou na dose de carinho, ele revidou com um arranhão. Segundo a minha prima, a menina ficou tão decepcionada com a atitude do gato que soltou a seguinte expressão: “Ôhhh Nau!” O coração da menininha estava partido. Como aquele gatinho que recebia dela o mais puro amor do mundo teve a capacidade de arranhá-la daquela forma? Depois de refletirmos e rirmos muito com a história, principalmente porque concordamos que ela representava brilhantemente o nosso sentimento diante da decepção com aqueles que amamos ou admiramos, eu e minha prima passamos a adotar a expressão (Ôhhh Nau) em todas a situações em que nos decepcionávamos com pessoas queridas. A expressão foi apropriada por outras primas, irmãos, tios… Impossível esquecer!
Como marqueteira que sou, estou sempre acompanhando os principais debates e opiniões sobre a publicidade e as ações de destaque das marcas. Sempre que posso, confiro o que o mercado está discutindo ou produzindo e, claro, essa semana me debrucei sobre a questão do Olivetto e sua opinião sobre o empoderamento feminino, sobre o propósito das marcas e o quanto a publicidade está se apropriando ou não de causas sem legitimidade. Li comentários de pessoas da área, ouvi opiniões de colegas, vi manifestações de acordo e desacordo nas redes sociais e nos veículos de comunicação. De repente, estava na frente do computador organizando minhas ideias sobre o assunto. Algumas reflexões compartilho aqui, mas continuo pensando a respeito e aberta a todos os pontos de vista.
A primeira coisa que me veio à cabeça é que está todo mundo alvoroçado. São tantos estímulos, tantos debates, campanhas, causas que precisam de apoio e, sem dúvida, profundidade, que ficamos sensíveis demais. Lembram do Nau e do quanto a menina estava bem intencionada a fazer dele o gatinho mais amado do mundo? Todos esses debates dos últimos anos sobre gênero e raça e os esforços das marcas para acompanhar a conversa significam, hoje, uma trajetória de acertos e erros. Muitas pessoas bem intencionadas fizeram trabalhos incríveis e falharam feio. Assim como os oportunistas. Todos estão “dedicando amor ao gatinho”, mas um fato desconcertante é que com tantas mudanças que estamos vivenciando, ninguém sabe mais quem, de fato, é o gatinho. Não sabemos se são as marcas, as causas ou o consumidor. Seriam os profissionais de marketing dessa ou daquela geração? Ou os criativos? As consultorias? Os dados? Há muito amor distribuído por aí. Mas, ainda bem que é amor.
A partir daí, fiquei tentando descobrir quem seria o gatinho. E percebi que esse é o grande ponto. Quando conhecemos o gatinho, sabemos o que ele espera de nós e o que verdadeiramente podemos fazer por ele, tudo se torna incrivelmente mais simples. Raramente ele se decepciona conosco. Esse é um princípio básico da publicidade e acredito que o Olivetto nos disse isso de alguma maneira, usando sua experiência e bagagem. Nesse ponto, concordei com ele. Será que estamos gastando a energia necessária para descobrir quem é o gatinho antes de partir para a ação? Será que sabemos separar os gatinhos ou queremos tratar todos do mesmo jeito?
Olivetto representa o que temos de melhor na publicidade brasileira e por tudo que ele já fez, sua opinião tem o poder de sacudir o mercado. Todos querem concordar com ele, por ele ser quem é e por admiramos tanto o seu legado. Mas as pessoas que nós amamos nos decepcionam vez ou outra. Ôhhh Nau! Concordo que algumas ideias são tão incríveis que justificam vários prêmios de criatividade, mas não acredito que a grande maioria dos criativos e dos profissionais de marketing já não tenham visto, depois de todo o percurso que já percorremos, que a criatividade, ao assumir também o compromisso de apoiar e promover mudanças que nos tornarão pessoas melhores e capazes de conviver com mais empatia e respeito ao outro, será incrivelmente mais reconhecida e poderosa do que sempre foi. Modismo ou não, um pouco de empatia pode tocar o coração das pessoas e isso pode ser transformador em apenas um lar, mas não deixará de ser valioso. E, cá entre nós, eu duvido que uma geração que cresça tendo acesso a campanhas que inspiram respeito à diversidade e cooperação já não esteja promovendo as mudanças que tanto queremos.
Ôhhh Olivetto! Dessa vez, só dessa vez, você me arranhou. Mas sei que estamos todos alvoroçados.
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