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Opinião

Por mais diversidade racial e menos diversidade salarial

Não é o atraso da nossa capacidade e qualidade, é o atraso imposto pelo racismo estrutural que, literalmente, prende as nossas carreiras e nosso futuro


19 de outubro de 2021 - 13h41

(Crédito: Wildpixel/ iStock)

É uma preocupação tardia – mas ainda extremamente necessária – apostar na diversidade dentro das agências. Porém, quando se trata de profissionais negros foi criada uma nova modalidade: a diversidade salarial. Olha, essa vai ser uma conversa dura e espero que você não fuja, mas nós precisamos falar sobre a vergonhosa cratera que deixa tudo diferente do lado de cá, quando o assunto é remuneração.

Para nos nortear da forma correta vamos, então, aos dados. Segundo o IBGE – Pnad a diferença salarial entre brancos e negros bateu o maior pico desde 2012. Um levantamento realizado pela Catho em 2020 constatou que pessoas negras em cargos operacionais ganham em média 5% a menos que pessoas brancas, porém, a diferença cresce gradualmente de acordo com o nível hierárquico, podendo chegar a 30% quando se trata dos cargos de diretoria. E quando se trata do nosso mercado da comunicação, especificamente no setor de publicidade, um estudo recente da Sustentabilidade Racial mostra que profissionais negros ganham metade da remuneração devida, recebendo em média 54% de um salário “normal” quando ocupam a cadeira de diretoria e 68% em cargos operacionais.

Quando pensamos no recorte para as agências de comunicação, assessoria de imprensa e relações públicas, esse cenário pode ser ainda pior.

Por isso, precisamos compreender que muito antes da reforma trabalhista, este outro setor da indústria já atuava de maneira bem “liberal”. É bastante comum encontrar profissionais atuando de maneira informal com as mesmas cobranças de quem trabalha como CLT, além da ampla variedade de contratos que vão desde uma sociedade minoritária até o famoso “freelancer fixo”.

Certa vez, recebi uma proposta e quando peguei minha carteira de trabalho percebi que o valor combinado não foi registrado, nascendo ali o meu conhecimento sobre o trabalho “híbrido”. Passei a receber acréscimo por fora para que a empresa conseguisse fugir de obrigações fiscais – e falar sobre isso no ambiente de trabalho era, obviamente, proibido.

Dentro do processo de consultoria e mentoria que tenho realizado, estou me deparando com o fato de que jovens profissionais negros ainda lidam as mesmas dores dos mais experientes: a grana que não chega, as propostas de contratos absurdamente abusivas, sem falar na falta de oportunidades iguais. Até descobri casos de pessoas em posição de nível hierárquico superior ganhando menos que um funcionário branco em nível hierárquico abaixo. Alguém consegue explicar essa lógica?

É como já dizia Racionais MC’s: “por ser preto você precisa ser duas vezes melhor, mas como se estamos dez vezes atrasados?” E não é o atraso da nossa capacidade e qualidade, é o atraso imposto pelo racismo estrutural que, literalmente, prende as nossas carreiras e nosso futuro. Lembro ainda de quando chamei uma diretora minha para conversar e perguntei “o que falta para eu ser promovido?”, e ela gaguejou dizendo que no momento não tinham como investir em mim. Meses depois contrataram (por indicação) uma pessoa supostamente mais sênior e experiente, mas nos primeiros dias trabalhando ao meu lado ela me disse “me ajuda, não sei nem por onde começar aqui”. Nessa experiência percebi que nunca teria resposta para o meu questionamento ali naquele espaço.

O que quero trazer nessa conversa é que não podemos mais aceitar esse tipo de situação, lidar com a diversidade é assumir um compromisso real, ético e moral. As agências não podem usar da capacidade profissional de pessoas negras sem lhes pagar devidamente o que é justo e correto. E se até então você não tinha parado para pensar sobre isso no seu ambiente de trabalho, eis aqui a oportunidade de reparar, tornando sua folha de pagamento e contratos de prestação de serviços tão inclusivos quando o discurso da organização.

Como disse: existe uma cratera nas diferenças salariais, mas nós podemos construir uma ponte para que haja equidade entre todas as pessoas.

*Crédito da foto no topo: Eugenesergeev/iStock

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