Assinar

Sinfonia do eu correto

Buscar
Publicidade
Opinião

Sinfonia do eu correto

Em tempos de hiperindividualização, estresse e uma sociedade polarizada, comunicar é um desafio cada vez maior para as marcas — e este ano ainda tem eleição


3 de setembro de 2018 - 10h34

Crédito: Bee32/iStock

Duas semanas atrás, Polika Teixeira, do marketing do canal GNT, e a cientista social e publicitária Debora Emm, da Inesplorato, fizeram uma apresentação do estudo Meia-palavra, aqui, no Meio & Mensagem. Sem nenhuma pretensão científica e por meio de entrevistas, opiniões de especialistas e curadoria aguçada, trata-se de um misto de documentário e entretenimento, em slides e vídeos curtos, que se propõe a investigar, na era da polarização em que vivemos, as causas e consequências dos nossos desentendimentos cotidianos — cuja origem muitas vezes são ruídos da comunicação e a completa ausência da empatia que permitiria tanto estabelecer um diálogo mais rico em possibilidades quanto a construção de um pensamento verdadeiramente crítico que respeitasse as individualidades dentro de um ambiente voltado para o bem-estar social e coletivo.

Meia-palavra foi desenvolvido sob a luz do que seus realizadores classificaram como ilusões a permear nossas decisões diárias e cujo impacto é fundamental para a maneira como percebemos os acontecimentos ao nosso redor e nos posicionamos publicamente — duas variáveis dominantes para determinar a qualidade dos diálogos e relacionamentos aos quais nos dedicamos.

A ilusão de compreensão, para citar um exemplo, é uma consequência da baixíssima propensão a reflexões mais holísticas que evitam o caminho do oito ou oitenta e as conclusões precipitadas que costumam reforçar preconceitos, erguendo ainda mais obstáculos em vez de superá-los.

O estresse e a complexidade da vida moderna estariam nos levando a optar por raciocínios mais simplistas como um antídoto contra a exaustão. Já a ilusão de escuta encontra um território fértil em meio ao avanço da cultura da indiferença e da hiperindividualização: quando expostos a um ponto de vista divergente, até fingimos que ouvimos, mas, no fundo, não escutamos é nada.

Durante a apresentação, em minha reflexão real time, vesti por diversas vezes o papel de vítima incontestável desse ensurdecedor ruído a dificultar a comunicação em suas mais diversas esferas. Ao final, conversando com os demais participantes que acompanharam a sessão, curiosamente essa sensação era uníssona no pequeno grupo: apesar de ser um grupo heterogêneo em sua formação, valores e origens, estávamos todos certos de sermos adeptos fiéis das boas práticas e seguros o bastante para apontar o dedo e lembrar histórias em que fomos aplacados por colegas de trabalho, parentes e amigos subitamente tomados por todas as ilusões de comunicação investigadas pelo estudo.

Ao estabelecer esse antagonismo como protagonista, delineamos uma jornada de autoconhecimento que valoriza mais o reforço da oposição ao outro do que a construção de uma identidade original.

Pelo tom desses primeiros dias de maior exposição dos candidatos à Presidência e com o início da propaganda eleitoral gratuita, esse sentimento coletivo de incompreensão deve ser potencializado. Muito provavelmente, o segundo turno do pleito será decidido mais pelos índices de rejeição do que de intenção de voto.

É com esse cenário desafiador como contexto que as marcas estarão desenvolvendo suas ações e se comunicando com o público pelas próximas semanas.

Nada, no entanto, indica que esse ruído se transformará em sinfonia após as eleições.

 

*Crédito da foto no topo: Vedanti/Pexels 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Quando menos é muito mais

    As agências independentes provam que escala não é sinônimo de relevância

  • Quando a publicidade vai parar de usar o regionalismo como cota?

    Não é só colocar um chimarrão na mão e um chapéu de couro na cabeça para fazer regionalismo