Tratamento de rebanho
Ao contrário de indústrias como o setor aéreo e o financeiro, que compensam clientes fiéis, o futebol trata seus torcedores como uma massa homogênea
Ao contrário de indústrias como o setor aéreo e o financeiro, que compensam clientes fiéis, o futebol trata seus torcedores como uma massa homogênea
As companhias aéreas reconhecem e recompensam os clientes que voam com mais frequência, voam na classe executiva e têm o cartão de crédito afiliado ao seu programa de milhagem. Clientes dos bancos que usam múltiplos produtos — como conta corrente, investimentos, seguros, câmbio etc. — têm atendimento prioritário, melhores tarifas e outras vantagens na administração de seu dinheiro.
Todas estas indústrias premiam engajamento, fidelidade e investimentos dos clientes. O futebol, entretanto, não faz nada disso.
Eu sou um torcedor que compra o pay- per-view; participa do programa sócio torcedor; só compra o uniforme oficial e os produtos licenciados; e que segue, comenta e curte o conteúdo do meu clube nas mídias sociais. Apesar de tudo isso, recebo o mesmo tratamento dado à minha mãe, que também é torcedora do clube, mas não faz nada disso.
A maioria dos torcedores são frequentemente tratados como uma massa homogênea, um rebanho, apenas mais um. Nosso esforço, investimento, paixão e dedicação são invisíveis e raramente recompensados. O futebol tem muito o que aprender.
Por falta de recursos e conhecimento, preguiça ou incompetência mesmo, clubes terceirizaram sua inteligência, abrindo as portas para as empresas de tokens. Lançadas nos últimos anos, elas cresceram rapidamente investindo pouco e assumindo um papel que jamais deveria ter sido delegado: o relacionamento com o torcedor.
Mas ainda é possível mudar esse cenário e acabar com os atravessadores.
Imagine usar o bem mais precioso do futebol — o acesso aos jogos — como forma de reconhecimento dos seus torcedores mais fiéis. Os clubes deixariam de vender ingressos para seus jogos em casa e só torcedores convidados teriam acesso ao estádio para assistir aos jogos. Para se qualificar para tal benefício, eles precisariam demonstrar sua dedicação.
As receitas com ingressos representam, na média, apenas 2% do total do faturamento dos clubes da primeira divisão do Brasileirão (Statista 2023). Tal receita poderia facilmente ser recuperada com o aumento em outras áreas de negócio.
Em um sistema proprietário administrado pelo clube, seria possível reportar a filiação ao programa de sócios torcedores; a assinatura do pacote de pay-per-view para a temporada; as compras de produtos oficiais, incluindo os novos uniformes; as contas nas mídias sociais que seguem o clube; quantos novos torcedores — filhos e filhas — existem na residência; quantos jogos fora de casa o torcedor assistiu; e muitas outras formas de interação.
De acordo com o valor — tanto financeiro quando em esforço — de cada iteração, os torcedores ganhariam pontos que poderiam ser trocados por acesso aos jogos e outros eventos exclusivos promovidos pelo clube.
Saber o nome, o endereço e o telefone de todos que estão no estádio também ajudaria em outras áreas, como por exemplo, segurança. Torcedores brigões perderiam pontos e o direito de assistir aos jogos. Os que demonstrassem um comportamento violento ou racista nas mídias sociais, perderiam o acesso às contas do clube.
Uma base de torcedores bem administrada tem grande valor para os patrocinadores, pois permite campanhas de marketing mais precisas e melhores resultados. Para marcas que buscam mais do que a visibilidade da publicidade de placas e camisas, o acesso aos torcedores é o ativo mais importante que pode ser oferecido.
Uma mudança assim não é simples, mas o trabalho se justifica. Quem não se esforçar para desenvolver uma relação direta com sua torcida continuará nas mãos de terceiros e perderá dinheiro em contratos de mídia e patrocínios.
Rebanho é coletivo de ovelhas, não de torcedores.
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