Orgulho da periferia
Prestes a inaugurar uma nova gravadora, KondZilla relembra como trilhou carreira no audiovisual e chama atenção para responsabilidade do mercado em agregar a inclusão de maneiras reais
Prestes a inaugurar uma nova gravadora, KondZilla relembra como trilhou carreira no audiovisual e chama atenção para responsabilidade do mercado em agregar a inclusão de maneiras reais
Giovana Oréfice
11 de maio de 2022 - 16h07
Da comunidade de Santo Antônio, no Guarujá, litoral de São Paulo, Konrad Dantas deu vida à potência do funk e dos artistas do meio, e foi um dos responsáveis por chamar a atenção de agências e anunciantes para esse segmento. Após quase 11 anos de KondZilla Records, ele se prepara para dar início às operações da KondZilla, que irá abraçar desde a produção audiovisual até assuntos publicitários. Multimídia, KondZilla está na frente e atrás das câmeras, enxergando jovens talentos — sobretudo os que vêm de classes não privilegiadas — devem estar presentes e se sentir representados em todos os locais. “São movimentos como esses que devem ser espalhados nas companhias, porque uma andorinha só não faz verão. Precisamos de mais Samanthas, mais Djamilas, mais Ninas Silva, mais Emicidas e protagonistas puxando os outros”, diz.
Meio & Mensagem — Na sua visão, o que significam os termos periférico e periferia?
KondZilla — A periferia acabou se tornando um orgulho, um lifestyle, uma bandeira, assim como o pride e a agenda antirracismo. Acho que a periferia acaba sendo uma agenda também. E periférico, apesar de quando alguém de fora da periferia usa esse termo tentando ser o mais acolhedor possível, acho meio pejorativo. Quando comecei a me posicionar mais para a indústria publicitária, muita gente me sugeriu que não falasse a palavra favela, dizendo para eu me referir aos “jovens da periferia”, mas que não são da periferia, são da favela — e eu tenho um grande orgulho disso.
M&M — Um dos grandes sucessos do qual você fez parte é a série Sintonia, que leva para a grande mídia um pouco do dia a dia de jovens da favela. Levar a representatividade para plataformas do tipo é algo que sempre esteve no seu radar?
KondZilla — Sempre esteve não apenas no radar, mas no nosso DNA. Quando cheguei no entretenimento, entre 2010 e 2011, o YouTube era a plataforma mais democrática que existia, onde qualquer um podia distribuir o seu conteúdo. Então, eu já aprendi desde o começo que se o público escolher o conteúdo que ele vaiassistir, ele vai assistir o que ele tem uma identificação e que o represente. Quando faço a série no Netflix, é justamente com esse olhar: de como vou trazer a representatividade do jovem de favela de São Paulo — é importante frisar São Paulo, porque o Rio de Janeiro sempre foi muito representado dentro do cinema e das novelas. O curioso é que quando estávamos fechando acordo da primeira temporada com a Netflix, ainda com o time da Califórnia, porque ainda não tinham operação no Brasil, eles falaram: “Estamos comprando aqui a ideia do Kondzilla do YouTube. Não vem querer fazer um monte de coisas que você sempre sonhou, mas nunca fez. Estamos comprando aquele cara”.
M&M — Muitas empresas atualmente estão propondo processos seletivos mais inclusivos, que não requerem experiência ou uma segunda língua, por exemplo. Isso é o suficiente para acelerar a inclusão deste grupo no mercado de trabalho?
KondZilla — Não apenas não é suficiente, mas muitas dessas iniciativas não são legítimas. Isso não acontece de fato. Recebo pedidos para indicar jovens negros da periferia, mulher, homem, mas eles têm que ter um cartão de crédito com limite alto porque, se tiverem que fazer uma viagem para fora do Brasil, terão que bancar e depois a companhia paga de volta. Todas essas coisas são problemas que nunca vi ninguém falar sobre, mas estou vendo alguns pares que estão trabalhando em companhias multinacionais tratando, porque têm recurso e estrutura. Tem um meme que diz algo parecido com “vou dar uma oportunidade para o jovem da periferia, mas ele tem que falar cinco línguas, ter ganhado um Emmy, um Grammy e um Globo de Ouro”. Tem muitas outras questões a serem resolvidas. Uma coisa que eu gostaria de falar para todas essas companhias é não desistir da gente. Se fizermos uma analogia com corrida, não estamos partindo do mesmo lugar, só que vocês têm que insistir na gente e a gente em vocês.
M&M — Qual dica ou conselho você daria para jovens que estão tentando ingressar no mercado de trabalho ou tentando desenvolver uma carreira?
KondZilla — Se você quer construir uma carreira, vai ter que ter um supor-te enquanto você está tentando trilhar esse caminho, até se adaptar e gerar resultado para ser promovido. Essa é uma carreira que eu decidi não fazer. O que fiz foi chamar a atenção das produtoras de publicidade em outras coisas, como videoclipes de funk. Depois que já era o maior do YouTube e os clipes já estavam bombando, fui contratado pela Conspiração. Lá eu comecei a fazer publicidade, cavando matéria no Meio & Mensagem e em todos os outros trades de comunicação, de marketing, de publicidade, e chamei a atenção das plataformas de vídeo. Acabei chegando em um lugar para chamar atenção de uma outra coisa que eu gostaria. Foi o que deu certo comigo, mas não significa que vai dar certo com todo mundo. Também não podemos esquecer da carreira corporativa, que é super legítima, respeitosa e que ensina muito.
M&M — E quais conselhos você daria para as empresas?
KondZilla — Dar oportunidade e não desistir, porque vai acontecer muita coisa no meio do caminho. E falo isso de mim também. Se o processo não estiver muito alinhado, tem que tomar a frente, alinhar, e continuar dando a oportunidade e acreditando nas pessoas.
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