O hoje que vivemos é o 1922 de quem nasceu no século passado
Toda a inovação, tecnologia e o futuro que a Web Summit nos apresenta escancara ainda mais o quanto vivemos no passado
O hoje que vivemos é o 1922 de quem nasceu no século passado
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6 de novembro de 2022 - 15h17
O ano é 2023 e, para nós, e certamente para todos os participantes do maior e mais relevante evento de tecnologia do mundo, já estamos no futuro. Todo o conteúdo e startups apresentadas ao longo desses três dias intensos de aprendizagem despertam aquela sensação de “imagina quando tudo isso acontecer para valer”, ou ainda “já pensou o impacto disso no mundo?”. Fica claro que no Brasil temos protagonistas, mas ainda engatinhamos quando o assunto é Web3, AI, NFTs, Creator Economy, Blockchain, cripto ativos e tudo o que trata do futuro e o metaverso das coisas.
Eu adoro essa sensação e perspectiva de olhar para o tempo e entender que vivemos apenas na década de 20, que vivemos no começo do século, bem no comecinho do século. O hoje que vivemos é o 1922 de quem nasceu no século passado como eu. Adoro pensar também que ainda não está viva a geração que vai virar o século XXI de forma ativa. Um dia, se eu tiver netos, quando falarem de mim eu posso ser o antigo, dou risada quando penso que num domingo qualquer pode sair um “sabia que o meu avô no começo do século ia para um lugar que se chamava trabalho e digitava textos em teclado?”.
As discussões de hoje nos projetam ao futuro e nos apresentam o passado. E esse é o ponto desse texto aqui: estamos tão no começo do século, tão na década de vinte que, estamos repetindo aspectos estruturais que moldaram o presente.
Para quem chegou aqui e pensou “mas o que temos a ver com a galera de 1920”? Essa década para alguns é chamada de “Anos Loucos”. Assim como a nossa, foi a década que começou com uma pandemia (Gripe Espanhola), que marca no Brasil o início de movimentos sociais, os impactos trabalhistas da revolução industrial, mas que carregava um tempero próprio: ao mesmo tempo que fez surgir e ficar sabido temas como a batalha por igualdade de gênero, educação para todos, liberdade sexual, foi também a década que mulheres, analfabetos e homossexuais não existiam nas discussões sociais.
Sou ruim de matemática, mas afirmaria que nem 3% do total de 71 mil participantes dessa edição do Web Summit eram negros e negras. Eu confesso que fiquei sem conseguir me concentrar em grande parte do evento pelo absoluto incômodo de ver uma discussão de futuro ser pautada sem a presença de participantes da comunidade preta.
E não falo apenas sobre a baixa representatividade entre palestrantes, digo de participantes, das delegações dos países, dos empreendedores, daqueles que compraram individualmente seus ingressos. “Ah, mas você e seus colegas de missão também são brancos”. Sim, eu sei. E também sei que estou com a maioria aqui.
Para mim, dos muitos aprendizados da experiência Web Summit, o maior é a consolidação da certeza de que só é possível pensar, falar e fazer futuro e tecnologia quando estamos juntos e plurais. Esse é o necessário e o emergencial que essa edição deixou comigo.
Discutir futuro sem a presença do povo preto é se manter tecnologicamente no passado, e, apesar de estarmos apenas no começo do século, podemos e devemos construir as próximas décadas a não repetir as estruturas sociais do passado.
Cruzei o Atlântico empolgado, no avião vim ouvindo o podcast “Projeto Quirino” no Spotify (se não ouviu, corre lá, fundamental). Cheguei aqui e tive a sensação de ver a história se repetir diante dos meus olhos, insistimos em pensar e planejar futuros mantendo muros altos.
Volto com compromissos. Mudar para o lado de dentro, fazer a agência ser mais plural, diversa e completa é o primeiro. Na sequência, fazer da nossa próxima delegação mais equivalente da sociedade que vivemos e criar espaços sólidos para ninguém ficar de fora desse e de tantos outros espaços de construção e troca de tecnologia. E se soluções e caminhos existem para mudar a realidade da minha delegação, existem mais ainda para o evento. Em 2023 vamos voltar para ver o genial de verdade: um line-up de pensadores, futuristas e visionários juntos feito por e para todos.
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