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Opinião

A força coletiva da mudança

Reflexões sobre a #AgendaCidadeUnicef, ações e sonhos na vida de crianças e adolescentes


12 de agosto de 2024 - 9h19

Trecho de videoclipe sobre dignidade menstrual criado por meninas e menos de Pernambuco. Mais de 13 mil meninas do Estado foram empoderadas por ações sobre o tema (Crédito: Reprodução/YouTube)

Quando recebi o convite para integrar o Conselho Consultivo do Unicef, em 2023, senti um misto de honra e incertezas. Passei a mergulhar na realidade crua de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, fora da minha bolha de privilégios, o que me confrontou com a dura verdade: “70% das pessoas que cresceram comigo não ‘estão mais aqui'”. Essa frase, dita por uma menina em Recife, Pernambuco, ainda hoje ecoa em mim como um grito silencioso de uma geração perdida. Sim, segundo dados do Fogo Cruzado, a cada 2 dias, um jovem morre na região. Diante dessa realidade, como podemos permanecer inertes? 

A pobreza multidimensional, um monstro de muitas faces, rouba a infância e a adolescência de mais de 32 milhões de brasileiros. Educação, moradia, saúde, proteção, direitos básicos negados, sonhos despedaçados. A pandemia escancarou ainda mais esse abismo, o analfabetismo entre crianças de 7 anos saltando de 20% para alarmantes 40% 

As desigualdades regionais, raciais e a falta de inclusão de crianças com deficiência aprofundam ainda mais esse cenário. Mas a esperança teima em florescer em meio a essa tristeza. O país está começando a retomar alguns direitos importantes, como a imunização infantil. E já começam a ser vistos avanços na Educação. 

Tenho acompanhado iniciativas como a Busca Ativa Escolar, uma plataforma gratuita para ajudar os municípios a levar crianças e adolescentes de volta para os estudos, ajudando a combater a exclusão escolar, e o Um Milhão de Oportunidades (1MiO), em busca de empregos e trabalho decente.  

Em Ibura, bairro de Recife com mais de 50 mil pessoas e um dos mais violentos do país, eu tive a chance de conhecer de perto a #AgendaCidadeUnicef, iniciativa que tem como objetivo fortalecer um conjunto de políticas públicas voltadas a crianças e adolescentes nas áreas de educação, saúde na primeira infância, dignidade menstrual, saúde mental e empregabilidade. Também pude ouvir e trocar experiências com os adolescentes e jovens sobre os projetos de que participam.  

A sala ficou lotada de líderes com os olhos emocionados. Mas, de volta ao nosso dia a dia, me pergunto: será que estamos fazendo o suficiente? Segundo dados do Unicef, cerca de 1,2 milhão de estudantes ainda não têm acesso à água potável em suas escolas; o Nordeste sofre com a falta de saneamento básico e 77% das crianças e adolescentes da região sofrem com a pobreza. 

Cada um de nós, líderes, pais e cidadãos, temos um papel nessa transformação. Não podemos nos contentar com medidas paliativas. Precisamos questionar o contexto, desafiar as estruturas que mantêm a desigualdade. Como podemos usar nossos recursos, talentos e influência para criar um impacto real e duradouro na vida dessas crianças e adolescentes? 

Lá no Ibura, vi de perto a força da resiliência e a esperança que brota mesmo em meio à violência. Jovens que sonham com um futuro diferente, com um bairro onde possam andar de cabeça erguida, sem medo. Mas, como podemos garantir que esses sonhos não se percam na dura realidade das estatísticas, onde os índices de criminalidade contra adolescentes triplicam a cada dia?  

“A gente quer o bairro do Ibura como aqueles que a gente sonha, que, quando a gente fosse pra rua, não sentisse medo e não tivesse preconceito com ninguém para não termos vergonha de dizer de onde somos. Que a gente possa andar de cabeça erguida” — frases como essa se destacam num grupo de jovens que escolheu lutar para vencer, inspirar outros e nunca desistir. 

Em meio aos desafios, a #AgendaCidadeUnicef nos presenteia com vitórias que alimentam a esperança e nos impulsionam a seguir em frente. Os Núcleos de Cidadania dos Adolescentes (NUCAs) florescem em mais de 1.600 cidades, empoderando jovens e amplificando suas vozes. Mais de 160 mil crianças e adolescentes no Norte e Nordeste agora têm acesso à água e saneamento em suas escolas, um passo crucial para a saúde e a dignidade. Comunidades indígenas, incluindo os Yanomami, também se beneficiam de serviços de água, saneamento e higiene, impactando mais de 22 mil vidas. O Unicef alcança direta e indiretamente 12 milhões de jovens no Nordeste, oferecendo apoio e oportunidades. 

A capilaridade da ação é notável: 140 municípios foram alcançados via Selo Unicef, além do Recife (Ibura) pela Agenda Cidade. A atuação se estende ainda a Alagoas e à Paraíba. Mais de 13 mil meninas em Pernambuco foram empoderadas por ações de dignidade menstrual, quebrando tabus e promovendo saúde e autoestima. Eu testemunhei um videoclipe criado por meninos e meninas falando sobre o tema – uma lindeza! Atualmente, mais de 100 NUCAs e mais de 3.400 adolescentes atuam ativamente na região, construindo um futuro mais participativo e justo. 

Em Ibura, entre 2021 e 2023, testemunhamos progressos significativos: a vacinação completa de crianças de 1 ano saltou de 33% para 100%. O aleitamento materno exclusivo cresceu de 26% para 54% e a saúde bucal infantil também avançou, com 16% das crianças de até 1 ano recebendo consultas odontológicas planejadas, partindo de zero em 2021. 

Esses números não são apenas estatísticas, são vidas transformadas, e futuros reconstruídos. Como conselheira do Unicef, posso afirmar que é isso que queremos: que a compaixão se transforme em ação, que a indignação se traduza em políticas públicas efetivas, que a esperança nos impulsione a construir um Brasil mais justo e equitativo para todos.  

Embora o caminho seja duro, a esperança me impulsiona ao escrever esta coluna, inspirada pelas ações concretas que testemunhei e pelas infinitas possibilidades que se revelam quando nos unimos em torno de um propósito comum. 

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