6 de maio de 2022 - 10h48
Cida Bento é escritora e psicóloga e foi eleita pela revista “The Economist” uma das 50 personalidades mais influentes do mundo no campo da diversidade (Crédito: Reprodução/YouTube)
O programa Roda Vida da última segunda-feira 2 foi uma aula. Uma aula sobre privilégio branco. A professora: Cida Bento, pioneira nos estudos sobre branquitude e referência no combate ao racismo em empresas e organizações do terceiro setor – em 2015 foi eleita pela revista britânica “The Economist” uma das 50 pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade.
“É evidente que os brancos não promovem reuniões secretas às cinco da manhã para definir como vão manter seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse.” A frase resume o que ela chama de “pacto da branquitude”, título de seu recém-lançado livro pela Cia das Letras, e algo que está na essência do racismo, a ideia de que existe uma cor “normal” e “universal” – e branca. Essa lógica atravessa gerações e impede qualquer alteração substancial na hierarquia das relações sociais. Em um pacto de cumplicidade, aqueles que estão no poder permanecem, até que seus iguais os substituam.
Diante de dezenas de recusas em processos seletivos, Cida Bento identificou um padrão: por mais qualificada que fosse, com diploma de magistério e de psicologia, nunca era a escolhida para as vagas de trabalho. O mesmo ocorria com seus irmãos, que também tinham ensino superior completo. Por outro lado, pessoas brancas com currículos equivalentes – quando não inferiores – eram contratadas. Em suas pesquisas de mestrado e de doutorado, ela se dedicou a investigar esse modelo, que se repetia nas mais diversas esferas corporativas, e a desmitificar a falácia do discurso meritocrático. O que encontrou foi um acordo não verbalizado de autopreservação, que atende a interesses de determinados grupos e perpetua o poder de pessoas brancas.
“Há um pacto não-verbalizado que mantém um grupo masculino e branco na liderança das diferentes instituições. É um pacto que sustenta as desigualdades”, explicou. “Dentro de uma instituição, essas desigualdades (…) são tratadas como mérito. Então, se este grupo está na liderança das grandes instituições é porque tem mérito; e os grupos que não estão é porque não têm mérito e não estão devidamente preparados”, completou ela.
Para além do diagnóstico teórico, a autora procurou encontrar as melhores estratégias para analisar e confrontar as diferenças de oportunidades entre pessoas negras e brancas no mercado de trabalho. Com esse objetivo, cofundou, em 1991, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), instituição que se tornou referência na promoção da diversidade no interior de grandes empresas e organizações do terceiro setor.
“O pacto da branquitude, porém, não se revela apenas no ambiente de trabalho: ele é produto de um passado colonial e escravocrata, e uma das principais engrenagens do sistema capitalista. É parte da hegemonia que, há séculos, domina a sociedade”, diz.
“Nossa experiência no Ceert é a de que, ao inserir o tema da equidade no interior das organizações públicas ou privadas, sempre encontramos lideranças que já vinham sentindo um mal-estar por trabalhar em “bolhas brancas” numa sociedade marcada pela diversidade cultural, religiosa, de gêneros, raças, etnias. E querem mudanças. Mas essas mesmas instituições têm chefias que querem a permanência de um sistema que as beneficia, bem como a seus iguais. A tensão é sempre instalada, e o debate, bem como o esforço para a definição de programas de equidade e de ações afirmativas com metas a serem alcançadas, vai acontecendo”, afirma do alto de sua experiência, confirmando que o processo de transformação em prol de uma sociedade menos desigual é um caminho longo, sinuoso, necessário e urgente.