Taxação de Donald Trump sobre o Brasil já afeta o marketing
Em cenário no qual “a única certeza é a incerteza” especialistas destacam propensão das empresas a frear lançamentos, contratações e investimentos em comunicação

(Crédito: Natalie Hora/ Shutterstock)
Mesmo que a ameaça deflagrada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, de taxar em 50% todos os produtos brasileiros exportados àquele país, a partir de agosto, não se concretize, estragos já vêm sendo causados. A avaliação é do professor Marcelo Coutinho, professor da EAESP/FGV.
Segundo ele, do ponto de vista de marketing e comunicação, essa materialização vai acontecer mesmo que “nada se materialize”, pois num cenário em que preço de um produto pode estar 50% mais caro ou mais barato, ou seja, em que “a única certeza é a incerteza”, já existe um prejuízo.
“Em um cenário incerto, os gestores seguram investimentos em lançamentos, contratação de pessoal e comunicação. Independentemente de materializar em 10% ou 50% a taxação, isso já reduz o ritmo. Não para de uma vez, mas leva tudo a ficar mais demorado”, argumenta, em relação ao mercado interno.
Já no externo, as multinacionais ficam sem saber o que fazer, segundo o professor. Uma cadeia, como a automotiva, depende de uma série de componentes que as fabricantes não sabem se vão chegar. Outros importam produtos do Brasil, às vezes, para vender ao próprio País. “Hoje, você vai ao supermercado e encontra café da Starbucks. Não sei se vai aos EUA e volta. Se for esse o processo, complica as marcas americanas também”, diz Coutinho.
Pedro Brites, também professor da FGV, mas na área de Relações Internacionais, destaca que alguns setores se prejudicam mais fortemente, como os de petróleo e derivados, que exporta bastante para os EUA, bem como o de aço. “No caso do petróleo é mais fácil redirecionar as exportações para outros parceiros do que a indústria de aço, que tem naquele país um parceiro muito importante”, pontua.
Mas mesmo para o agro brasileiro, que tem mercados globais importantes conquistados, diz Brites, os EUA são relevantes. E setores como os cafeicultores e produtores de laranja já têm demonstrado sua insatisfação – ainda que o cenário possa mudar, com os EUA retirando parte da taxação ou renegociando.
Jogo político-econômico
Coutinho destaca que numa economia neoliberal subdesenvolvida, o recurso que os setores produtivos mais podem ter é acesso ao estado. Mas isso, agora, também está acontecendo nos EUA. “Não só as big techs se curvaram ao governo, mas também outras empresas, por exemplo, quando recuaram em suas políticas de diversidade e inclusão”, afirma.
Questionado sobre se a situação poderá ser resolvida pela via diplomática, como disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na quinta-feira, 10, Coutinho diz que “uma solução pela via diplomática pressupõe que todos estejam fazendo diplomacia” e o ator com o qual o Brasil está lidando faz uma “diplomacia muito peculiar”.
Antes de mirar o Brasil, Trump havia direcionado os Brics, grupo econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, ameaçando punir com taxações países que estreitassem relações com o bloco em detrimento dos EUA.
Para o professor Brites, com isso, a administração Trump dá um sinal de que está disposta a crescer em termos de agressividade geoeconômica e política para pressionar que os Brics tenham menos ímpeto em suas ações de política externa.
Mesmo com a última reunião do grupo, realizada dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro, esvaziada com as ausências dos líderes da China (Xi Jinping) e da Rússia (Vladmir Putin), o fato de ter havido uma declaração questionando o papel do dólar já gerou reação do governo americano. “É um recado político claro, agora, de que os EUA também colocaram o Brasil no seu radar em relação à sua política externa. Antes, ficava um pouco à parte, com China e Rússia sendo elementos prioritários”, pontua Brites.
A análise do professor de Relações Internacionais da FGV é de que para os Brics, por um lado pode parecer algo ameaçador, mas de outro reforça a ideia de que esses países precisam estar mais articulados e que relativizar o papel do dólar e da economia americana acaba sendo um fator que pode favorecê-los, à medida que se tornam menos dependentes.
Tiro no pé
Para os EUA, do ponto de vista político, seria “um pouco um tiro no pé”, porque favorece que os países do bloco busquem aprofundar sua integração econômica, aumentem as críticas ao papel do dólar e ao papel que os EUA exercem no mundo.
“Os EUA terão um custo muito alto para manter essas medidas”, avalia Brites. Segundo ele, pelo fato de aquele país ter um superávit comercial com o Brasil – logo, relações comerciais mais vantajosas para eles – a taxação pode gerar um impacto inflacionário na economia americana.
Do ponto de vista político, uma vez que o Brasil não tomou nenhuma iniciativa agressiva e tem déficit comercial, a iniciativa daria um recado aos parceiros americanos em todo o mundo de que essas políticas tarifárias são aleatórias e podem ocorrer de um dia para outro sem motivação econômica clara e justificável.
Ele ressalta que os Brics continuarão sendo críticos quanto ao papel do dólar. E a situação de hostilidade comercial dos EUA pode favorecer que países busquem relações econômicas pautadas em suas moedas nacionais, tirando o dólar como elemento central. Assim, a moeda americana tem se mostrado uma “espécie de bomba geoeconômica” que pode minar relações externas de um país do ponto de vista econômico e comercial e levará os países a buscar alternativas mais autônomas em relação ao dólar.
No caso da ofensiva mais direcionada ao Brasil em si, o professor também vê um efeito possivelmente contrário ao pretendido: “Se o objetivo era impactar o governo brasileiro, o que ele tem suscitado é uma reação de cunho bastante nacionalista, ou seja, uma perspectiva de que o Brasil tem sua soberania, de que as tarifas foram injustificadas pelo perfil das relações comerciais. Isso pode gerar um efeito contrário de, justamente, fortalecer os críticos à política americana, o que também impacta a política nacional, à medida que você tem uma extrema-direita que apoia o governo Trump”.