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Lideranças femininas e os desafios da economia regenerativa

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Lideranças femininas e os desafios da economia regenerativa

O conceito de regeneração surge como um novo paradigma da sustentabilidade. Agora, o desafio das marcas é incorporar a pauta com consistência


5 de junho de 2024 - 18h24

O Rio Grande do Sul vive sua maior tragédia climática da história. Até o momento, foram mais de 400 municípios afetados, mais de 2 milhões de pessoas impactadas, 172 óbitos e 41 desaparecidos, de acordo com o boletim da Defesa Civil do estado do dia 5 de junho. Quando a água baixar de nível, será um momento de reconstrução do que foi perdido. Desastres como este são cada vez mais frequentes e não há como desviar o olhar. 

Frente a tal crise, existe um movimento que pensa para além da sustentabilidade ou do ESG, e propõe uma nova missão para os atores sociais: a economia regenerativa. Conforme explica Isabel Sobral, sócia e diretora de negócios sustentáveis e ESG da FutureBrand: “Ao invés de mitigação, que é simplesmente reduzir o impacto no planeta, precisamos começar a reconstruir”.  

O conceito tem aparecido com suas versões: marketing regenerativo, branding regenerativo, entre outros. Seria esse mais um modismo? Uma tendência de mercado? Ou significa um passo importante para a construção do futuro do planeta? “O termo ‘regenerativo’ não surge como inovação ou criatividade, mas como uma necessidade real”, afirma Gabriela Rodrigues, VP de impacto da Soko. “A regeneração propõe que negócios e marcas criem adicionalidade, não apenas neutralidade”, reforça Isabel Sobral. 

Neste contexto, algumas marcas já se anteciparam e firmaram um compromisso com a  agenda, como foi o caso da Natura. “Este ano, migramos da sustentabilidade para a regeneração como centro da nossa estratégia empresarial”, afirma Isabela Massola, diretora de marca da Natura. A empresa passa a adotar tecnologias que focam na circularidade, mas para além das práticas aplicáveis à produção agrícola e de recuperação de solo e floresta, e incluindo a regeneração social, dos indivíduos, comunidades, relacionamentos e culturas. 

Outro exemplo é o Grupo Soma, que contempla marcas como Farm, Animale, Hering, Maria Filó, entre outras. “Como um grande grupo de moda, estamos constantemente refletindo sobre como reduzir nosso impacto negativo e aumentar nosso impacto positivo”, afirma Taciana Abreu, head de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa do Grupo Soma. “Estamos realmente focados em criar alternativas que dependam menos do uso do solo e promovam a economia circular”, destaca. 

Marcas regenerativas 

O que significa ser uma empresa regenerativa? Não há uma resposta única ou solução mágica. A regeneração é mais complexa, é mais difícil de ser colocada em prática e não é possível ser feita isoladamente. “Tradicionalmente, os negócios focam em gerar lucro para acionistas e ser competitivos. A parte regenerativa, por outro lado, enfatiza a colaboração, pois os desafios são tão grandes que ninguém consegue resolver sozinho”, explica Isabel Sobral. 

Isabel Sobral é sócia e diretora de negócios sustentáveis e ESG da FutureBrand (Crédito: Divulgação)

Logo, a colaboração entre empresas, órgãos sociais, governos e demais atores é fundamental. “Na Natura, trabalhamos com o governo, comunidades, instituições, outras empresas e fornecedores para que as coisas evoluam como devem. Falamos em evoluir da competição para a coopetição. É preciso cooperar”, destaca a diretora da marca.

O ponto principal por onde começar é pela cadeia de valor, como aconselha a VP de impacto da Soko e fundadora da Walk, spin-off da agência que funciona como uma consultoria dedicada a ajudar marcas a gerarem impacto social por meio da comunicação.  

“É preciso olhar para toda a cadeia de produção, onde está a maior parte do impacto negativo e, consequentemente, a maior oportunidade de regeneração. As marcas precisam olhar onde está o impacto negativo, que em geral se concentra na cadeia de produção, na matéria-prima e nas condições de trabalho”. 

Gabriela Rodrigues é VP de impacto da Soko e fundadora da Walk, spin-off da agência (Crédito: Divulgação)

A abertura ao erro é outro aspecto primordial neste processo, uma vez que ainda é um assunto muito novo para o mundo corporativo. “É importante ter seriedade e compromisso para ser verdadeiramente regenerativa, mas as marcas precisam estar abertas ao erro e aprender com ele, ressignificando a vulnerabilidade de não saber tudo”, continua Rodrigues. 

Quando falamos de regeneração, o meio ambiente é a primeira frente de atuação que pensamos, mas a regeneração também precisa de um olhar sistêmico. “O conceito de regeneração se ampliou, abrangendo não só o meio ambiente, mas também as relações e a maneira de pensar”, reflete Isabel Sobral. 

A metáfora da empresa como uma aldeia é eficaz neste entendimento. Uma empresa tem sua própria cultura, valores e princípios éticos. Neste sentido, Morena Mariah, especialista em afrofuturismo, acredita que a regeneração deve começar de dentro para fora das organizações. “É crucial que os valores declarados sejam realmente vivenciados pelas pessoas que compõem a empresa, antes mesmo de tentar influenciar a sociedade ou o mercado externo”, afirma. 

Regeneração para quem? 

O papel do ser humano foi central na degradação do meio ambiente e das comunidades regionais, por isso, ele também deve ser o catalisador e o ponto focal da mudança. “Precisamos entender quem está discutindo essa regeneração, de que futuro estamos falando e quais paradigmas e valores éticos estamos usando”, provoca Morena. 

Morena Mariah é especialista em afrofuturismo (Crédito: Divulgação)

Em seu estudo sobre afrofuturismo, a pesquisadora destaca a importância do “pluriversalismo” na construção de futuros. O conceito parte da filosofia africana, que questiona a universalidade ocidental e valoriza múltiplas perspectivas. Trata-se de um processo de revisitar o passado, ou como ela coloca, “escovar a história à contrapelo”.  

“Se não sabemos exatamente quais são os problemas e de onde eles vêm, continuamos a criar soluções descoladas da realidade”, reflete Morena. Isso requer uma reconfiguração do olhar, para encontrar lugares onde a regeneração já acontece, mas que não são tradicionalmente reconhecidos.  

A pesquisadora destaca o exemplo das escolas de samba, que reconstroem e massificam as histórias africanas para outros públicos. “Em resumo, a regeneração exige que olhemos para o passado com uma nova perspectiva, integrando conhecimentos marginalizados e reconfigurando nosso olhar para encontrar soluções em espaços que ainda não consideramos”, conclui. 

Comunicação regenerativa 

Incorporar essa postura na comunicação de uma marca não é tarefa simples. Um estudo da agência Revolt, chamado “Dull Green”, destacou que as comunicações sobre meio ambiente e sustentabilidade são comumente vistas como tediosas, mornas e desinteressantes.  

Como resposta, a VP de impacto da Soko reforça a importância de ser mais criativo e gerar emoções em tais campanhas, de forma a engajar o público, para que o tema não se torne entediante. Afinal, comunicações mornas podem, inclusive, causar um efeito negativo, esvaziando a pauta e a transformando num modismo passageiro. 

“A comunicação deve fazer as pessoas rirem, chorarem, se emocionarem de alguma forma”, reforça Gabriela. “Aproveitem o esforço em comunicação, o dinheiro gasto e o espaço na mídia para expandir a discussão na sociedade. Isso também gera um impacto positivo.” 

Uma comunicação assertiva começa pela missão da marca: o porquê de ela existir e seu papel na sociedade. A partir daí, é preciso encontrar aquilo que é interessante de comunicar. “Um erro comum na comunicação é fazer briefing de prestação de contas. Muitas marcas só querem mostrar que fizeram algo para o relatório de ESG”, afirma a VP. 

Projetos regenerativos 

Isabel Sobral, diretora da FutureBrand, traz o exemplo da Nespresso como um bom case de comunicação regenerativa. A empresa foi a primeira a entrar no Sudão do Sul, por meio de uma parceria com uma ONG, e ajudou a restabelecer a cultura cafeeira esquecida após anos de conflito civil, realizando a primeira exportação do país em 30 anos. Aliada à National Geographic, a marca fez uma série de vídeos para contar essa história.  

No caso da Natura, a marca lançou seu primeiro hidratante concentrado pautado pela regeneração. O frasco refilável do Natura Ekos Concentrado de Castanha é feito 100% com plástico retirado dos rios da Amazônia, é reutilizável, e o concentrado apresenta uma redução no uso de material plástico em relação ao refil convencional, o que diminui a geração de resíduos e gera renda para cooperativas de reciclagem, que representam mais de 195 famílias do norte do Brasil. 

Isabela Massola destaca a importância de explicar como o conceito da regeneração está aplicado neste produto, mas reforçando que a qualidade não diminui neste processo. “Quando falamos com nossos consumidores, precisamos nos alinhar com o que eles procuram: qualidade, performance, experiência sensorial e valores ambientais e sociais. Não pode haver trade-off. Nossa comunicação precisa transformar esses conceitos em valor de uma maneira simples e pragmática”, afirma a diretora. 

Da mesma forma, a Farm, grife do Grupo Soma, busca trazer consciência para seus clientes, informando de maneira clara a procedência de seus materiais. “Descrevemos as matérias-primas diretamente nos produtos e destacamos as características sustentáveis de cada peça, sempre vinculando isso ao nosso projeto ‘Mil Árvores por Dia’”, afirma Taciana Abreu. O projeto propõe que a empresa plantará pelo menos 365 mil árvores por ano, sendo que já alcançaram um milhão e meio de árvores em todos os biomas brasileiros.  

Taciana Abreu é head de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa do Grupo Soma (Crédito: Divulgação)

A marca tem discutido como incentivar o uso de matérias-primas regenerativas. “No Brasil, já observamos iniciativas promissoras, como as agroflorestas têxteis e a expansão do algodão orgânico. Somos parceiros de um projeto que produz algodão agroecológico no Nordeste por meio de uma parceria público-privada. Essa ação não apenas envolve a comunidade local, como também trabalha na recuperação econômica da área e na regeneração do solo”, destaca Taciana Abreu. 

Como agir em emergências 

Em momentos de desastres, como no Rio Grande do Sul, as marcas também são cobradas por um posicionamento ou ação. “Uma coisa que eu sempre recomendo é: não comece a agir só em situações de emergência. Você precisa agir para ajudar, mas as melhores ações de marca são planejadas antes”, destaca Gabriela Rodrigues. 

“Um dos exemplos mais icônicos que eu vi foi a Ambev”, conta a VP. A empresa parou de envasar cerveja para envasar água e enviar para o Rio Grande do Sul. “Como conseguiram fazer isso tão rápido? Porque já tinham estudado e sabiam o caminho para conseguir as autorizações necessárias. A Ambev não começou no dia do desastre. Já tinham um plano”, afirma Rodrigues. Isso porque a empresa já havia feito o mesmo movimento durante a pandemia, quando passaram a embalar álcool em gel.  

“Por isso, eu sempre recomendo às marcas que voltem ao seu propósito, à sua missão, e entendam seu papel na sociedade. Sabendo o papel da marca, você vai saber o que fazer em uma emergência”, orienta Gabriela. 

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