Thatiane Almeida, a diretora das narrativas emergentes
A diretora de cena da MAGMA destaca a importância de narrar histórias não convencionais e o papel das produtoras de promover novos talentos diversos
Thatiane Almeida, a diretora das narrativas emergentes
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Lidia Capitani
23 de novembro de 2023 - 14h58
Thatiane Almeida, ou Sabothati, como é também conhecida, é diretora de cena na MAGMA, produtora audiovisual brasileira fundada pelo diretor e fotógrafo Manuel Nogueira em 2020. Desde a infância, ela nutria uma paixão pela narrativa, manifestando-se por meio da escrita de pequenas histórias e encenações teatrais para sua família. Antes de se consolidar na direção publicitária, Thati, que é formada em ciências sociais, trilhou um caminho diversificado, iniciando como produtora de eventos e posteriormente assumindo a posição de assistente de direção.
Apesar de não ter frequentado uma faculdade de cinema e de não ter conexões na indústria do audiovisual, ela persistiu na carreira por vias paralelas. Sua incursão na produção, como assistente, foi uma estratégia para alcançar esse objetivo. Ela manteve vivo seu instinto criativo ao fundar um coletivo de audiovisual exclusivamente feminino, chamado Vênus Filmes, onde iniciou seus primeiros passos como diretora, dirigindo videoclipes e curtas-metragens, mesmo diante de recursos limitados. Essa experiência proporcionou o respaldo necessário para que outros reconhecessem e acreditassem em sua verdadeira vocação na direção, consolidando seu espaço no cenário criativo.
O fator diferencial que proporcionou destaque no mercado para a diretora foi sua habilidade em contar histórias inovadoras e explorar narrativas que fogem do convencional estabelecido pelo eixo Rio-São Paulo. Em seus projetos, Thatiane procura introduzir novidades no mercado, não apenas em termos técnicos, mas também ao incorporar pessoas reais em seus filmes, dando voz e autenticidade às histórias representadas.
A observação das culturas emergentes e da vida cotidiana é sua fonte de inspiração e o modo com que cultiva sua criatividade. “Manter os olhos e ouvidos abertos para perceber o que há de especial nas ruas, na internet, no Instagram. As redes sociais são uma grande fonte para identificar comportamentos e tendências”, conta.
Thati busca inspiração em diferentes formatos, como teatro e literatura, reconhecendo que qualquer meio que conte uma história pode ser uma fonte valiosa de criatividade. “Às vezes, na publicidade, ficamos presos a produtos mais comerciais, mas não podemos esquecer que, no final das contas, as pessoas não estão assistindo publicidade porque querem, elas estão lá para assistir a uma novela ou um videoclipe, e nossos comerciais entram no meio”, pontua. Desse modo, é importante refletir o que atraiu aquela pessoa para a obra e como a peça publicitária pode chamar sua atenção.
Este ano, Thatiane ficou em segundo lugar como na lista “Novos Talentos da Produção Audiovisual” do Meio & Mensagem, juntamente com Olivia Lang. Em sua trajetória dedicada à direção publicitária nos últimos três anos, a diretora conquistou oportunidades significativas, colaborando com marcas renomadas e algumas das principais agências do país. Tal reconhecimento não apenas ressalta sua capacidade técnica, mas também celebra seu modo de trabalho, que visa criar ambientes positivos e inclusivos, buscando diversidade em suas equipes desde o início do projeto até a pós-produção.
Ela destaca com orgulho um notável projeto em parceria com o Instagram e a Feira Preta, produzido pela agência África, que desafiou as expectativas ao criar um filme de um minuto, apresentando uma fusão surpreendente entre capoeira, cinema e vogue.
Também cita o videoclipe “Ostentação da Cultura”, fruto de uma colaboração entre o Mercado Livre e os artistas Djonga e Tássia Reis, criado pela agência GUT São Paulo. O projeto, que explorou a ostentação da cultura negra e mergulhou nas complexidades históricas, levou um Leão de Bronze em Creative Commerce no festival de Cannes e também foi agraciado com outras premiações. A proposta é exaltar as marcas de empreendedores negros ao invés daquelas de luxo, usualmente citadas em canções de hip hop.
Enquanto celebra esses feitos, Thati também destaca a sub-representação de mulheres, especialmente as negras, na indústria cinematográfica, ressaltando os desafios enfrentados para equilibrar a busca por orçamentos substanciais e a necessidade de construir um portfólio compatível.
Outro ponto de atenção é a tendência do mercado em associar projetos a diretores com base em suas identidades, como gênero, raça e orientação sexual. Embora ela reconheça os avanços na abertura de portas para mulheres, pessoas negras e membros da comunidade LGBTQIA+, diz que ainda é necessário ampliar o escopo de oportunidades para esses grupos.
Apesar do progresso visível no reconhecimento de novos talentos, Thatiane observa que diretoras ativas há mais tempo ainda enfrentam barreiras para figurar nas listas principais, indicando uma evolução gradual no mercado, mas reconhecendo a persistência das limitações de oportunidades para mulheres em produções de maior escala e orçamento.
Além disso, ela destaca o papel crucial das produtoras em diversificar o elenco de diretores e orientar suas carreiras, assumindo pessoalmente essa responsabilidade ao orientar uma diretora iniciante na MAGMA, a Daya Lima. “Acredito que a responsabilidade está nas mãos de várias pessoas e frentes. As agências e os clientes têm um peso considerável, pois são eles que tomam as decisões finais. Mas nós, como criadores, também podemos moldar as estruturas para criar mudanças progressivas”, pontua.
Ao citar o exemplo de Daya, profissional para quem dá mentoria, Thatiane ressalta como a falta de reconhecimento de diretoras emergentes, mesmo com experiência em projetos de baixo orçamento, pode limitar seu avanço na carreira. Iniciativas como o projeto Soma, programa de educação e inclusão de jovens negros, indígenas e periféricos na indústria publicitária, é um dos meios de promover a diversificação de talentos dentro das produtoras, por exemplo.
“É importante ter alguém para orientar, acalmar e explicar como as coisas funcionam no mercado. Além disso, é crucial incluir novos diretores em projetos, proporcionando oportunidades para que eles aprendam na prática. Isso não apenas beneficia os diretores iniciantes, mas também enriquece o mercado, trazendo diferentes perspectivas e histórias”, enfatiza.
Por fim, Thatiane deixa um recado para a próxima geração de diretoras: “a autoconfiança é fundamental para qualquer diretor, especialmente para as mulheres e diretores negros, que muitas vezes se sentem isolados nesse circuito. Acreditar nas próprias ideias e insistir nelas, desde que seja feito com respeito aos demais envolvidos, é crucial para o sucesso”, aconselha.
As “explosões” de carreiras femininas no mercado audiovisual são menos frequentes do que a dos homens, e muitas vezes elas demoram a acontecer. As diretoras vivem em um constante limiar entre o desejo de trabalhar em projetos com orçamentos significativos e a necessidade de construir um portfólio com grandes orçamentos. As oportunidades são mais limitadas para as profissionais nesse contexto, reflexo de uma indústria quase clubista, que oferece trabalhos sempre para os indivíduos da mesma cor e do mesmo gênero.
As poucas que conseguem alavancar suas carreiras pelas frestas que surgem tiveram que batalhar muito para conquistar o espaço que têm. Seja atrás das câmeras ou na gestão, elas sabem que estão em cadeiras de privilégio, e, justamente por isso, usam esse privilégio para escancarar a porta do mercado audiovisual.
Esta matéria faz parte da série “A lente criativa das mulheres”, que irá trazer histórias de profissionais que, apesar de ocuparem diferentes posições, compartilham o mesmo propósito: promover o talento feminino no audiovisual brasileiro.
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