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Vitor Martins: “Cargo não define senioridade”

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Vitor Martins: “Cargo não define senioridade”

Ex-Nubank, líder de diversidade e inclusão da Swap fala sobre sua trajetória de carreira acelerada


26 de janeiro de 2023 - 14h43

Vitor Martins é Lider de Diversidade e Inclusão na Swap (Crédito: Divulgação)

Vitor Martins é Líder de Diversidade e Inclusão na Swap (Crédito: Mariane Figueira)

A história da Vitor Martins não é uma trajetória tradicional, quando falamos de uma carreira profissional. Geralmente, pensamos numa progressão de carreira de estagiário, para júnior, depois pleno, sênior e, então, o alcance de níveis de gestão e liderança. No caso da profissional de Diversidade e Inclusão, ela saiu do cargo de estagiária para especialista e, logo em seguida, virou líder, tudo isso no espaço de tempo de aproximadamente três anos. Vitor é um ponto fora da curva. Uma voz que trabalha para que outras profissionais negras, trans e de grupos minoritários tenham mais oportunidades e progresso de carreira, assim como ela.

Essa voz é doce, divertida e simpática. Conversar com ela é como falar com uma amiga que você admira. E ela tem um recado: “Às mulheres em geral, mas principalmente às mulheres pobres, negras, com deficiência, indígenas e trans: a dinâmica da sociedade não foi pensada para a gente, para as nossas subjetividades e identidades. Por isso, manter nossos sonhos e desejos são formas de nos manter vivas. Não é negar o quão difícil é estar nessa sociedade que não foi pensada para nós, mas é não estar viva morrendo, é estar viva vivendo”.

Nesta entrevista, conversamos com a Líder de Diversidade e Inclusão da Swap, Vitor Martins, sobre a sua carreira na área, sua passagem pelo Nubank, os desafios de reter talentos e incluir pessoas trans no mercado de trabalho, mas também sobre suas próprias inseguranças e aspirações.

Carreira Acelerada

Como foi a sua trajetória profissional até chegar ao momento em que você está hoje?

Gosto de começar destacando um momento anterior, em que eu ingressei no mercado de trabalho informal. Obviamente, por eu ter nascido numa família sem recursos, o trabalho em si aparece na minha trajetória desde muito cedo. Lembro que eu vendia brigadeiro e docinhos na escola, porque eu queria pagar os meus lanches. Depois eu comecei a trabalhar no salão de beleza, na parte administrativa. Aos 19 anos, como eu não tinha sido aprovada no vestibular para psicologia, resolvi fazer administração porque queria trabalhar com gestão de pessoas, mas sempre quis ser psicóloga.

Então, resolvi me mudar para Santa Catarina, e aí eu pensei: “bom, deixa eu fazer aqui um vestibular de psicologia novamente, né?”. Então, eu fiz, passei e comecei a fazer psicologia e administração. No meio desse processo de formação, fiz um estágio na área de diversidade e inclusão, e foi ali que fui introduzida a trabalhar nessa área. Comecei o estágio em agosto de 2019 e, desde então, venho trabalhando com diversidade e inclusão numa carreira muito acelerada.

Tenho uma crença de carreira que, para mim, seu cargo não define sua senioridade. Porque se a gente parar para pensar, existem vários profissionais negros e seniores que são subjugados em função da sua cor e da sua identidade racial. Eu era estagiária porque era a única forma de manter meu sustento, já que eu não podia ter um trabalho CLT porque a minha graduação era em tempo integral. Então, embora fosse um tema novo para mim, eu fazia as coisas com muita facilidade e tinha uma curva de aprendizagem muito rápida.

Eu saí da RD para trabalhar no Nubank já como especialista. Então, migrei de uma função de estagiária para especialista. Fui trabalhar no Nubank a convite do Davi, na época da crise do Roda Viva, e comecei a trabalhar com diversidade e inclusão já numa posição sênior, e isso foi bem na época da pandemia. Inclusive, parei no Nubank por conta de um vídeo que eu gravei chamado “Cristina Junqueira e a dificuldade de contratar pessoas negras”. Ele viralizou e chegou até o Davi. Ele pediu para conversar comigo, e aí surgiu um convite para ir trabalhar lá. Acho que eu “plataformizei” a imagem de diversidade e inclusão do Nubank, assim como o Nubank “plataformizou” a minha carreira em termos de visibilidade e magnitude do que é o Nubank dentro do contexto do mercado financeiro no Brasil. E, aí, fui adquirindo prêmios ao longo da minha carreira, que me foram dando esse reconhecimento.

Por último, saí do Nubank e assumi agora a posição de Líder de Diversidade e Inclusão na Swap, minha primeira posição de gestão. Acho isso muito simbólico, no contexto de que sou uma mulher trans e negra. Porque as pessoas negras já são sistematicamente excluídas de posições de gestão, assim como as pessoas trans. Então, quando assumi esse cargo de liderança, fiquei bem satisfeita, porque percebi um crescimento na minha carreira.

Quais características ou habilidades você considera essenciais numa liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?

Primeiro, é liderar pela inspiração, e não pelo medo, e isso para mim é fundamental. Existem gestores ainda apegados em liderar pelo medo e pelo autoritarismo. Então, eu penso que o trabalho da liderança está sobretudo focado no desenvolvimento da área e das pessoas. Na verdade, muito do que tiro de aprendizado para liderança é aquilo que carrego da minha posição de liderado. As coisas que eu odiava que fizessem comigo, tento não replicar como gestora.

A gestão focada em dados é um fator que eu considero relevante. Então, como trabalhamos com esses dados para tomar decisões e não atuamos segundo as vozes da nossa cabeça? Acho que sentir também é um processo fundamental na tomada de decisão de uma liderança, mas ela precisa estar apoiada outros fatores.

Outro ponto importante é a constância dos feedbacks. Então, pedi-los e compartilhá-los é fundamental, porque, quando eles são bem colocados, possibilitam que a gente perceba o nosso trabalho, reflita sobre coisas que estamos fazendo muito bem e no que podemos melhorar.

Além de Líder em DEI, Vitor Martins é Top Voice LinkedIn, palestrante e mulher trans (

Além de Líder em DEI, Vitor Martins é Top Voice LinkedIn, palestrante e mulher trans (Crédito: Divulgação)

Diversidade e inclusão

Vemos cada vez mais iniciativas de recrutamento que visam a diversidade, mas ainda não falamos sobre como reter esses talentos. O que uma empresa pode fazer para manter esses colaboradores e desenvolver suas carreiras?

Um dos grandes exemplos que a gente tem é do Google, que disse ter dificuldades na retenção de pessoas negras. Várias pesquisas apontam que um dos principais motivos de desligamento das pessoas ainda é a relação entre líder e liderado. Então, a partir daí, deveríamos estar trabalhando fortemente com esses gestores. Nesse sentido, podemos pensar desde programas que realmente estão focados em skills de liderança das mais básicas, como comunicação e gestão, mas também na gestão da diversidade, elemento importante que deveria ser incluído nos escopos formacionais.

Outro ponto está relacionado ao processo de criar oportunidades de crescimento interno, focadas no desenvolvimento dessas pessoas. Isso porque, em muitos desses casos, observo que as pessoas entram nas organizações e não têm uma inteligibilidade de para onde poderiam seguir com suas carreiras. Além disso, elas também não conseguem vislumbrar oportunidades de crescimento interno, então isso com certeza mina a permanência delas dentro das organizações. Acho que outro aspecto são as relações de trabalho, e quando está muito explícito, por exemplo, que a empresa usa métodos de favoritismo nos mecanismos de promoções. As pessoas querem ser reconhecidas por aquilo que entregam, pelo trabalho delas.

Também podemos pensar nos próprios benefícios. Vou pegar meu exemplo. No Nubank, implementamos um benefício exclusivo para pessoas trans e travestis e, na época, isso impactou positivamente a experiência delas. Acho que olhar para programas de retenção focados em PRL, stock options, divisão de resultados e bonificações salariais também é relevante. Todos esses aspectos que são mais monetários, percebo um fator de impacto menor.

O que eu mais considero relevante é a relação do líder-liderado e a criação de um ambiente onde as pessoas possam pertencer e se sentir confortáveis para expor suas opiniões, seus sentimentos e para que elas possam falar. Então, é importante criar esses mecanismos que vão produzindo formas de identificação dentro das empresas e que promovem um senso de pertencimento interno.

Quando falamos da comunidade LGBTQIAP+, falamos de um grupo de pessoas com necessidades distintas, e cada sigla representa um desafio diferente no mercado de trabalho. Falando das pessoas trans, quais são os maiores desafios delas no mercado de trabalho?

Acho que o primeiro ponto é a porta de entrada. Outro aspecto está relacionado às dinâmicas interpessoais. Como pessoas cis lidam com pessoas trans? Vou dar exemplos práticos: ter respeito ao nome social e não fazer perguntas invasivas. Então, como as pessoas criam um repertório, um letramento para lidarem no dia a dia com pessoas trans?

Além disso, existem as configurações físicas, como a dinâmica do banheiro, os acessos aos sistemas da empresa com o nome social, como o cartão de vale-alimentação, vale-transporte, os acessos de e-mail… Além disso, há ações nas empresas que algumas vezes são binárias. Então, produzi camisas com cortes diferentes, porque são classificadas em masculina e feminino.

Mas, a gente pode extrapolar esse debate para pensar que essas barreiras também se dão mesmo quando pessoas trans alcançam o mercado de trabalho formal e têm uma remuneração. Em geral, nós não temos remunerações altas, né? E, obviamente, dentro de remunerações baixas, a gente ainda vai continuar experimentando a precariedade. Ter um salário não faz com que a pessoa seja autossuficiente em sua plenitude.

Além de tudo, as pessoas trans ainda são estereotipadas em termos de profissão. No mercado de trabalho, a gente ainda vai observar a maioria delas em posições de atendimento no call center, onde as pessoas só captam a voz, não captam a imagem. Então, como as pessoas trans de fato podem atuar no mercado de trabalho em sua integralidade? Acho que isso perpassa pelas questões da fragilidade psicológica. Vivemos numa sociedade que é produzida para pessoas cis, e não para nós, logo, isso tem um peso psicológico e, obviamente, vai refletir em todos os campos da nossa vida. Acho que são dinâmicas e sutilezas que eu consigo nomear, obviamente por ser uma profissional de DEI, e mais ainda por ser uma pessoa trans.

Na Swap, você está estruturando uma área de diversidade e inclusão do zero. Como está sendo essa experiência e quais são os maiores desafios?

Também fui para o Nubank para estruturar a área do zero. Fui a primeira pessoa contratada na época, além da minha diretora. Então, uma parte do trabalho é fazer adaptações de coisas que eu fazia numa empresa de 7 mil funcionários para uma de 200. Por consequência, algumas coisas se repetem, mas há várias outras que se diferenciam e que são super positivas.

Eu tenho o apoio literalmente de todos os founders. Eles querem fazer o negócio acontecer e isso dá um gás para mim, né? Porque eu me sinto respaldada para criar da forma como eu entendo que precisa ser feito. Eles, de fato, absorveram a ideia de que estão trazendo alguém de nome do mercado. Então, sou interpretada como uma profissional que precisa ser valorizada, porque, se não, a Swap vai me perder facilmente para o mercado. Eu tenho essa sensação de que a empresa cuida de mim.

Acho que um outro ponto é que, por ser uma empresa menor, é muito mais fácil acessar as pessoas, criar relacionamentos mais personalizados e que elas também cheguem até mim. Percebo as pessoas bastante disponíveis. Também tem o fator financeiro, porque tenho um orçamento de trabalho muito satisfatório. Logo, isso mostra o senso de responsabilidade da organização com o tema, porque, em geral, as empresas não têm orçamento, não têm recursos.

Agora, falando sobre criar do zero, eu aceitei esse desafio exatamente por isso. Sou apaixonada por criar do zero. Adoro a ideia de entregar coisas que vão ter a minha marca. Por exemplo: criei o primeiro plano de igualdade racial da RD, e, no ano seguinte à minha saída, a RD foi reconhecida pela GPTW como uma das melhores empresas para as pessoas negras trabalharem. Quando entrei no Nubank, ajudei a estruturar a área, e acho que o Nubank se tornou uma referência para o mercado a respeito de diversidade e inclusão. Liderei um projeto muito legal de revisão de cartões para clientes trans e travestis e, na época, a gente aumentou o nível de satisfação do atendimento desses clientes.

Então, na Swap, eu aceitei esse desafio ao passo em que coloco a minha identidade, minha assinatura. Para mim, isso é algo de muita satisfação pessoal. Até porque, sem demagogia, tenho pleno entendimento de que hoje a Vitor é uma marca. Então, faço trabalhos em que, além de fazer coisas de que gosto, que são relevantes para aquela organização, sei que o resultado vai reverberar na marca Vitor Martins.

Vitor Martins é formada em psicologia e administração e se tornou especialista em Diversidade e Inclusão (Crédito: Mariane Figueira)

Síndrome da impostora e inspirações

Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e quais dicas dá para as mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam?

Eu tive a síndrome da impostora quando achei que não estava trabalhando porque não estava operando como uma máquina condenada. Fiquei com a sensação de “não estou entregando, não estou fazendo nada”. Isso foi na semana passada. Como solução, compartilho isso com as pessoas, divido esse sentimento, essa angústia. E aí, como psicóloga, falar é uma forma de nomear os processos de sofrimento, de dor ou de gatilhos. Quanto mais eu falo, mais vou desfazendo esse emaranhado que me parece confuso. No momento em que consigo nomear, fica muito mais fácil aprender a lidar com isso. Porque lidar com aquilo que está nomeado é muito mais fácil do que lidar com o desconhecido.

Então, minha dica é: percebeu a crise da impostora, fale com pessoas que você confia e, inclusive, com pessoas dentro do ambiente em que a síndrome está aparecendo. Essas pessoas, em geral, vão ter um contexto sobre você. Quando compartilhei, minha colega de trabalho fez o quê? Listou as minhas entregas e disse: “não estou entendendo porque você está falando isso. Você fez isso, isso e isso”. Acho que, a depender da nossa viabilidade, o acesso à terapia também é super relevante.

A síndrome da impostora sempre afeta nossa dinâmica psicológica, nossa psique, nossa forma de pensar, agir e ser no mundo. Logo, estamos falando de um desequilíbrio dessa psique. Então, como eu crio mecanismos de fortalecimento da minha mentalidade? A ideia basicamente é criar essa carga de bateria que a gente sabe que pode descarregar, mas ela não zera e não nos adoece. Então, quando sentimos a síndrome da impostora, minhas recomendações são verbalizar e criar mecanismos de fortalecimento da nossa psique.

Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram?

Acho que uma é a Grazi Mendes, Head de Diversidade da Thoughtworks. Ela é uma mulher maravilhosa, excepcional, e que se tornou uma amiga. Ela me inspira na carreira e na maneira de ser. Outra pessoa é a Tássia de Paula, Gerente de Diversidade e Inclusão do Nubank. Ela foi a minha primeira líder, em termos de nomear o que é ser uma liderança para mim. Eu realmente tive uma mulher que me liderou e que me inspira até hoje.

Fora do Brasil, a Grada Kilomba é uma mulher fantástica, uma psicóloga. Mas, o que me faz ter tanta admiração por ela é a produção de uma escrita que me toca, que me acessa enquanto mulher negra.

Por fim, tem alguma dica de séries, filmes, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e te fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres na sociedade?

Uma dica de série que eu amo e já assisti três vezes é “Nada Ortodoxa”, da Netflix, que conta a história de uma mulher judia que nasceu numa comunidade judaica ortodoxa. Só que ela escolhe viver uma vida que não é aquela predestinada pelo núcleo familiar.

De livro, recomendo “Memórias da Plantação”, da Grada Kilomba. É maravilhoso. Acho que serve para todos os profissionais psicólogos, para entender o que ela nomeia como processos de subjetivação. Mas também serve para todas as pessoas, racializadas ou não, porque nos ajuda a compreender como as dinâmicas do racismo funcionam. O livro é derivado da tese de doutorado dela, todo escrito com relatos de mulheres negras sobre a experiência delas na Alemanha.

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