Liderança feminina: como ter mais mulheres no comando?
Promoções individuais não são suficientes para aumentar a representatividade feminina no alto escalão das empresas
Liderança feminina: como ter mais mulheres no comando?
BuscarPromoções individuais não são suficientes para aumentar a representatividade feminina no alto escalão das empresas
Lidia Capitani
16 de janeiro de 2023 - 14h45
Celebramos muito quando vemos o anúncio de uma nova executiva mulher, porém, o que não enxergamos são as condições em que ela geralmente assume o cargo: sozinha, num ambiente dominado por homens, com grandes responsabilidades e expectativas sobre a sua performance, e algumas vezes até sofrendo microagressões. Para falarmos sobre o aumento de oportunidades para a liderança feminina, é preciso ir além das promoções individuais e fazer um trabalho de base. É o que dizem especialistas como Nana Lima, empreendedora social e co-fundadora da Think Eva, consultoria de inovação social que cria soluções para ampliar a equidade de gênero e a inclusão dentro das empresas.
No Brasil, 38% dos cargos de liderança em empresas são ocupados por mulheres. Em termos gerais, o país fica acima da média global, de 32%, e da média na América Latina (35%). Apesar dos avanços, esses números devem ser analisados mais profundamente. Enquanto a liderança feminina alcança cada vez mais postos, existe um fenômeno que ainda desestabiliza suas permanências e gera alta rotatividade entre executivas. Conversamos com Nana para entender esse contexto e possíveis maneiras de mudar essa realidade.
Os avanços são palpáveis, afinal, o índice de empresas brasileiras com nenhuma mulher na liderança era de 57% em 2015. Hoje, essa taxa está em 6%, de acordo com a pesquisa da Grant Thornton. Porém, segundo o estudo “Women in the Workplace”, da McKinsey, a cada mulher promovida ao nível de diretoria, duas diretoras decidem sair da mesma empresa.
O aumento da liderança feminina e a alta rotatividade desses cargos são resultados de algumas mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho e de consequências da pandemia.
Certamente, as pautas de ESG e diversidade em alta geram pressões para que as empresas busquem a equidade de gênero entre seus colaboradores e líderes, entretanto, enquanto essas agendas focarem apenas em contratações e representatividade, as mulheres continuarão rotacionando entre empregos em alta velocidade.
“Você coloca uma mulher ali e acha que ela vai resolver todos os problemas, e acabamos deixando de olhar para as condições das mulheres que estão nos níveis de entrada e em outros tipos de trabalho dentro da empresa. Porque a gente não quer aquela diversidade de checklist, né? Queremos, realmente, que exista uma representatividade e representação de qualidade”, afirma Nana Lima. “Ser aliado deveria ser um verbo, não um rótulo”, resume a consultora.
Segundo Nana, existe uma cobrança para que as companhias tenham mais mulheres e diversidade nos maiores níveis hierárquicos, porém, estes avanços individuais não são sustentáveis. “É muito mais difícil para uma mulher que sobe sozinha, porque ela está ali numa constelação de poder e dificilmente consegue mudar, sozinha, alguma coisa. São colocadas expectativas muito altas sobre elas”, explica.
O relatório da McKinsey corrobora esta visão. Dentre as três razões do porquê as líderes mulheres estão deixando seus cargos, uma delas é a alta cobrança por performance e o baixo reconhecimento de suas iniciativas.
A pesquisa destaca que essas líderes trabalham mais para promover o bem-estar dos funcionários e em prol de ações que pautam a diversidade e inclusão, em comparação com seus pares homens. Entretanto, 40% delas afirmam que seus esforços não são reconhecidos nas análises de performances. Além disso, 43% da liderança feminina está esgotada, em comparação com 31% dos homens no mesmo nível.
“Apesar de muitas empresas e lideranças masculinas já entenderam a importância de terem mulheres e mais diversidade no quadro de funcionários, nos níveis de diretoria e gerência ainda existe uma expectativa de que a mulher tenha uma postura mais ‘masculinizada’”, reflete a consultora.
Para Nana, a “postura masculina” está relacionada ao contexto social em que muitas mulheres estão inseridas e gira em torno da “economia do cuidado”. Ou seja, em muitos casos, elas são as responsáveis pelos cuidados da família, sejam das crianças, de outros adultos ou de idosos. “Então, ainda há pouco olhar para o que de verdade agrava a desigualdade de gênero, e como a mulher conseguirá performar igual aos outros pares masculinos dela”.
Como exemplo, ela traz as políticas do programa “Emprega + Mulheres”, em que as mulheres teriam mais tempo de licença-maternidade e créditos ou reembolsos para pagar creche e para promover qualificação profissional. “Ainda há pessoas que acreditam que este tipo de agenda fará com que as empresas não contratem mais mulheres, porque teriam que pagar por estes benefícios. Então, não dividimos essa responsabilidade do cuidado, o que agrava a desigualdade”.
Ou seja, as empresas ainda não entenderam que precisam promover condições para que os pais, e, principalmente, as mães, possam conciliar sua carreira com os cuidados da família. Ao invés disso, espera-se que elas arquem com suas responsabilidades de casa e do trabalho de forma separada, e, mais importante, que a maternidade não interfira em sua performance.
O programa “Emprega + Mulheres”, conforme explica o site do Governo, “promove a inserção e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho, por meio do estímulo à aprendizagem profissional e de medidas de apoio aos cuidados dos filhos pequenos, a chamada parentalidade na primeira infância”. A nova lei foi sancionada em outubro de 2022 e altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Apesar de ambicionarem uma promoção tanto quanto seus pares masculinos, as mulheres enfrentam mais desafios. De acordo com a pesquisa da McKinsey, elas se deparam ainda com microagressões, que sinalizam ainda mais dificuldades para elas avançarem.
“Por exemplo, elas são muito mais propensas do que os homens em cargos de liderança a terem insinuações de colegas de que não são qualificadas para seus cargos. As mulheres líderes tendem duas vezes mais que eles a serem confundidas com alguém mais júnior. Além disso, são mais predispostas a relatar que características pessoais, como gênero ou ser mãe, contribuíram para que elas fossem negadas ou preteridas para um aumento, promoção ou chance de progredir”, descreve o estudo (em tradução livre).
Nana defende que as empresas precisam olhar para essas diferenças que cercam as mulheres e outros grupos minoritários, e atuar frente a esses desafios, para que, então, todos possam partir do mesmo ponto. É preciso olhar para as mulheres e compreender o que elas trazem em suas bagagens.
“Precisamos entender que a inclusão, do ponto de vista do recorte de gênero, principalmente em cargos de alta liderança, não vai acontecer de maneira orgânica. Devemos fazer um trabalho da base até onde essas mulheres querem chegar”, sintetiza a empreendedora.
O estudo da McKinsey cita uma terceira razão que promove essa alta rotatividade da liderança feminina e é um ponto crucial. As mulheres são mais propensas a deixarem seus postos de trabalho porque querem mais flexibilidade. Além disso, elas desejam trabalhar para empresas mais comprometidas com o bem-estar dos funcionários e com a pauta DEI.
“Não é colocando mais mulheres nesses cargos que a inclusão vai acontecer de maneira orgânica. Isso precisa ser intencional e devemos dividir a responsabilidade. Precisamos entender qual a realidade da vida dessas mulheres, o que as atravessa, quais as barreiras”, descreve Nana.
A pesquisa “Realidade e percepções da alta liderança frente à crise”, realizada em 2020 pela Robert Halfdo no Brasil, revelou que, para 32% dos entrevistados, as decisões passaram a ficar mais descentralizadas e envolveram outros integrantes da alta liderança sobretudo no pós-pandemia.
“Acho que esse é um caminho muito positivo, até porque você não vai ser considerada para uma promoção se não for vista ou lembrada. Por muitos séculos, as decisões eram tomadas por uma cúpula, e aquilo vinha ‘top down’”, celebra Nana.
“Precisamos realmente pensar se todo mundo está conseguindo colocar suas ideias e contribuições na mesa. Isso é mais uma questão de criar um ambiente inclusivo”, reflete a empreendedora.
Neste tema, dois pontos são essenciais. O primeiro é entender como está configurado aquele ambiente profissional, compreendendo os vieses inconscientes e as microagressões que podem ocorrer. O segundo é a compreensão de que a diversidade pode trazer mais inovação, com o bônus que novas perspectivas e visões trazem para a dinâmica.
Isso perpassa tanto pelas questões como pelos relacionamentos entre funcionários e liderança, a chamada “liderança humanizada”, quanto pelos pontos trabalhistas que envolvem benefícios corporativos. “Há empresas que vemos sair na imprensa por promoverem fulana de tal, mas não têm sala de aleitamento, demitem mulheres após a licença-maternidade, e por aí vai”, provoca Nana.
O primeiro passo recomendado pela consultora é a empresa fazer um censo do seu quadro de funcionários. “Ele deve ir mais além da autodeclaração. Por exemplo, quando a companhia fala que metade das mulheres são mães, isso acontece em quais condições? Quantas mães solos temos? Quais são as circunstâncias em que essas mulheres exercem sua maternidade? Porque aí conseguimos pensar em políticas internas e em toda a dinâmica do trabalho, dos eventos corporativos, das possibilidades de networking, de mostrar o seu trabalho e participar”, recomenda.
Por meio de seus clientes, a consultora viu uma tendência preocupante. Muitas lideranças afirmaram se sentir uma espécie de “para-raios” de problemas, mas sem capacidade de acolher tudo que tiveram de enfrentar.
“Existe uma nova expectativa da liderança ser mais humana, mais próxima e vulnerável, mas ainda assim fazer o trabalho ser entregue. Isso é algo que não se aprende na faculdade, no curso ou na pós-graduação. Isso está sendo cada vez mais demandado. Como liderar em momentos tão incertos e tão difíceis?”, reflete Nana.
Para conseguirmos manter não somente a liderança feminina, mas também o quadro geral de funcionários, os esforços para promoção da saúde mental viraram fundamentais. Nana relata que, entre seus clientes, houve aqueles que tiveram um turnover do número de colaboradores entre 40% e 60% durante a pandemia.
“É uma equipe completamente nova, com uma cultura que está praticamente se resenhando”, descreve. “Então, olhar para a saúde mental das pessoas que estão entrando, das que ficaram e, principalmente, da liderança, é muito importante”.
Por fim, Nana traz um conselho para as lideranças femininas e masculinas: “Olhar para suas responsabilidades e deveres de estar ali, para conseguir trazer mais mulheres para aquele ambiente. Que a gente consiga fazer das empresas locais mais inclusivos e acolhedores para as mulheres, porque isso impacta todo mundo. Todos são beneficiados, e será criado um ambiente mais fácil para elas navegarem. Acho que o caminho é realmente olhar mais para esse coletivo como uma maneira de avançar”.
Veja também quais são os principais cargos em alta em 2023.
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