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Carol Boccia quer resgatar o encantamento da propaganda

Copresidente da BETC Havas reflete sobre a relevância da publicidade os desafios da liderança feminina

i 18 de agosto de 2025 - 14h29

Carol Boccia, (Crédito: Arthur Nobre)

Carol Boccia,copresidente da BETC Havas (Crédito: Arthur Nobre)

Vendedora nata, a publicidade foi uma escolha fácil para Carol Boccia. Formada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), sempre foi fascinada pela disciplina. A profissional iniciou a carreira no marketing do outro lado do balcão, como trainee na Pirelli Pneus e, posteriormente, ingressou na Philips — que era atendida pela Carillo Pastore Euro RSCG. Incentivada à época pelo publicitário Sérgio Caruso, migrou para o mundo das agências naquela que se tornaria a primeira operação do Grupo Havas no Brasil.

Entre passagem pela Leo Burnett e um flerte com o mundo digital no início dos anos 2000, quanto trabalhou em um portal, a executiva embarcou em uma jornada de uma década na AlmapBBDO até ingressar na Africa, onde chegou ao cargo de chief operating officer (COO). Apesar da boa posição em que se encontrava — já se preparava para se tornar sócia da agência —, sentiu-se pronta para dar um passo maior e aceitou o convite para se tornar copresidente da BETC Havas, em um movimento racional e projetado para o longo prazo da carreira.

Tendo trabalhado com grandes nomes do mercado, a maioria homens, aprendeu a ser mais forte e relevante. “Nesses anos todos ao lado deles, aprendi que precisava buscar a minha relevância, me fazer ser ouvida. Não era falar mais alto. Eu precisava que eles, de fato, entendessem que eu tinha relevância, que eu estava ouvindo, que tinha algo a agregar e a falar”, lembra.

Hoje, na copresidência da BETC Havas, Carol assume não apenas o desafio de repensar o formato e a sustentabilidade de longo prazo do negócio, mas de contribuir para a sobrevivência e resgate da relevância da propaganda em meio a orçamentos mais enxutos, tecnologias emergentes, entre outras questões que impactam o mercado de agências.

Meio & Mensagem — De que maneira a criatividade e a publicidade podem jogar a favor da causa feminina não apenas no mercado de trabalho, mas em todos os âmbitos da sociedade?

Carol Boccia — A publicidade cria e trata pautas. Dove, por exemplo, fez isso há 10, 15 anos, trazendo a questão dos corpos e transformando a autoestima das pessoas. Isso foi um divisor de águas quando paramos para pensar na publicidade antes e pós Dove. Ainda tem muita coisa para ser feita. Tem uma relação se a publicidade dita a cultura, ou se a publicidade encontra a cultura e a traduz, mas temos esse papel fundamental de dar voz, palco e visibilidade aos assuntos. Fizemos no começo do ano uma campanha de Vanish sobre bullying, que trazia à tona o assunto das manchas. Achamos um insight de uma pesquisa que falava que crianças com os uniformes manchados sofrem mais bullying porque, provavelmente estão jogando coisas neles. Então, se seu filho chegar com o uniforme mais sujo, é preciso prestar atenção. Foi um insight cultural, algo em que ninguém pensa. Então, nada como uma marca de tira-manchas para trazer esse as assunto. A publicidade precisa ter esse olhar para poder identificar essas verdades e saber levar para as pessoas de um jeito fácil, que, de fato, despertará o interesse e a ação.

M&M — Em meio às incertezas macroeconômicas, tendências em tecnologia, mudanças na percepção sobre o trabalho e anseios das novas gerações, quais os caminhos para que a publicidade seja relevante no Brasil?

Carol — O compromisso com a verdade é o que garantirá a nossa existência. As grandes coisas que foram feitas em publicidade, na vida, na história, é porque eram baseadas em verdades. O que fará perpetuar a nossa profissão é esse comprometimento com a verdade. As histórias recentes de Cannes (leões cassados) questionam a verdade. Quando a inteligência artificial (IA) é usada a favor da verdade, não há nenhum problema, está tudo certo. É só um acelerador, é um agente multiplicador. A hora que esbarra na história da verdade, a propaganda se enfraquece e se fragiliza. O grande segredo para continuarmos é ter cada vez mais esse compromisso com a verdade das pessoas, das marcas, do consumidor e do nosso concorrente. Quanto mais conseguirmos encontrá-las, mais fortalecidos e anti qualquer tipo de contra-argumento ficamos. Só estou onde estou porque sou muito apaixonada pela propaganda. E, antigamente, tínhamos mais cases e pessoas maravilhosas para nos apaixonarmos. Era como a Disney. Aí, a propaganda durante um tempo virou uma coisa menos encantadora. Temos a obrigação de trazer de volta esse encantamento para a produção.

M&M — Em uma década, como vê a evolução da presença feminina no mercado de trabalho, sobretudo dentro das agências? Qual é a missão das lideranças neste sentido?

Carol — Nos últimos cinco anos, vemos as agências que eram 100% lideradas por homens com mais mulheres nessas cadeiras: como a Renata Bokel (CEO da WMcCann), a Karina Ribeiro (CEO da VML Brasil), Camila Hamaoui (presidente da Wieden+Kennedy São Paulo) e a Márcia Esteves (CEO e sócia da Lew’Lara\TBWA). Temos muitas mulheres, hoje, no comando das agências, mas o trabalho não está feito. Nos falamos muito, somos próximas. Uma ajuda muito a outra, pois sabemos da dificuldade que é estar sentada nessa cadeira. O mercado mudou. Nos últimos cinco anos, conseguimos dar um passo enorme que é se sentar na cadeira, mas ainda há preconceito, como ir a uma reunião em um cliente e só encontrar homens. Nessa busca pela relevância, as agências também estão apostando em, de fato, conquistar esse espaço para os clientes. Não é simples, eu sinto na pele. E não é uma questão somente do Brasil. Faço parte dos fóruns das agências da América Latina e ainda são muito dominadas por homens. No Grupo Havas, são apenas três mulheres presidentes em toda a região. Antes, não tinha nenhuma, então, se olharmos pelo lado evolutivo, é um processo.