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Diário de Cannes

Breve texto sobre promessas quebradas

Cannes, datas comemorativas e casca para tombos


14 de junho de 2019 - 20h28

Consegui evitar a conjunção Cannes e aniversário da minha filha Clara por anos. Só que 2019 não veio para passar batido. Ele chegou com a intenção de testar todas as minhas forças e crenças. Eu relaxo em um ponto, ele puxa o pé em outro. O demônio desse ano é incerto, inquieto, mas quando ele parece que vai me aprisionar, eu lembro do que realmente importa. Do que eu tenho que resguardar.

Minha filha Clara faz 15 anos. E ela me fez acreditar que tenho dois corações. Ela duplicou. Ela dobrou tudo o que eu sentia. Ela chegou sem pedir licença. Prometi não estar longe dela nos aniversários. Quebrei a promessa com todo o glamour que cerca Cannes. Aqui estou. Querendo estar lá e cá. Ela, a madura da relação, disse: pode ir, a gente tem todos os outros dias.

Eu tenho vivido esse ano dia após dia. Ela vive me lembrando da promessa de termos todos os outros. Eu acredito nela. E ela me faz acreditar em um mundo que vai muito, muito além da nossa profissão.

PS:

Há 7 anos, escrevi um texto chamado “Promete?” Ele reforça a minha casca para tombos:

Coloco a minha filha na cama pouco antes de embarcar para a China. Ela me pergunta: pai, promete que não vai acontecer nada com você na sua viagem?

Promessas de um pai para um filho não foram feitas para serem quebradas, ainda que possam. Para não quebrar, evito dizer que prometo quando não tenho certeza.

Promete que vai chegar mais cedo do trabalho? Adoraria, mas não posso prometer. Os dias são incertos. Mesmo com os seus olhos de Gato de Botas, terei que dizer não.

Promete que vai na minha apresentação de teatro? Prometo porque deixo o que tiver para trás.

Promete que não vai me decepcionar nunca? Não prometo. Terei que impor limites, não gostarei de alguns dos seus namorados, serei grosso sem querer. Decepcionarei.

Promete que não vai roubar nas nossas brincadeiras de luta? Não prometo. A regra de não valer cócegas nasceu para ser quebrada.

E a mais fácil de todas: promete que vai me amar sempre? Prometo porque esse sentimento sempre será mais forte do que eu.

Há promessas que fazemos pelos nossos filhos sem que eles saibam. Em pensamento. Prometo arrancar um braço, se preciso for, para você ser feliz? Prometo. Há as contraditórias. Prometo abrir um espaço na cama para você entrar mesmo que eu sempre diga que não? Prometo.

Há promessas de todos os tipos. Mas essa pergunta me quebrou. Porque é uma promessa impossível de ser cumprida. Porque não depende de eu querer. Depende de uma série de fatores que eu não controlo. Ao me pedir para ter certeza que eu voltaria bem, minha filha quer a segurança de um destino perfeito. Um controle absoluto dos fatos. Ela sonha com o impossível justamente por ser criança. Um sonho bom que vamos perdendo enquanto crescemos. Enquanto criamos as cascas dos seguidos tombos. Mas ainda assim, eu olhei para ela e respondi. Portanto, se existe mesmo alguém aí em cima, saiba que eu disse: prometo”.

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