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Diário de Cannes

Quem tem paciência para propaganda?

Eu saí do Brasil, atravessei o Atlântico para ver propaganda, estudar propaganda, aplaudir propaganda, no maior festival de propaganda do mundo


22 de junho de 2018 - 13h09

Eu saí do Brasil, atravessei o Atlântico para ver propaganda, estudar propaganda, aplaudir propaganda, no maior festival de propaganda do mundo.

Num intervalo, abri o celular para dar uma olhada nas notícias e entrou um banner na frente. Irritado, fechei o quadradinho na hora. Propaganda chata, ô! E se eu não tenho paciência com a comunicação das marcas, que dirá o cidadão comum? E aí as empresas de tecnologia que controlam as mídias digitais pensam com suas inteligências artificiais e algoritmos sobre nosso comportamento. A inteligência artificial é inteligente, vá lá, vamos dar esse crédito a ela. O problema é que ela usa lógica pura para tirar suas conclusões.

Quando a gente, como eu fiz, foge de propaganda desesperadamente e aceita cada vez menos segundos de exposição, o algoritmo entende que, nesse mundo moderno, cheio de informação, não temos mais tempo para sermos interrompidos, que nos tornamos ansiosos, incapazes de fixar a atenção em algo por mais do que alguns instantes. Faz sentido. É lógico. E toca a gente, indústria, fazer comunicação cada vez mais curta, mais padronizada, menos envolvente, entrega logo essa marca, senão o cara vai embora! Ficamos ansiosos, ela diz. Não temos mais tempo para nada.

Mas então por que, senhora inteligência artificial, estes mesmos seres dessa geração que você acusa sofrer de TDA coletivo, sentam seus traseiros por horas e horas, e finais de semana inteiros, fazendo maratona de série? E aí, Siri? O que você tem a dizer? A verdade é que, sim, temos muitas opções e, claro, somos bombardeados por informação o dia inteiro. Mas nossa falta de paciência é seletiva. Não temos mais tempo apenas para o que não nos interessa. Mas continuamos tendo todo o tempo do mundo para aquilo que nos agrada.

Então, seja numa série, num curta, numa ideia digital ou num comercial tradicional, toda vez que a mensagem soar como mais uma propaganda chata tentando me vender alguma coisa, é provável que seja rejeitada. E toda vez que se parecer mais com entretenimento, algo que me interessa genuinamente, com uma mensagem de marca por trás ou não, aumentam as chances de ser bem recebido.

Tão aí os Tide Ads que não me deixam mentir, brilhando em Cannes. É propaganda, mas é a subversão da propaganda, então é divertido e eu quero ver. Ou o novo filme do Crocodilo Dundee que era na verdade uma campanha de turismo da Austrália. Ou a brilhante campanha de Skittles com o David Schwimmer, que periga criar a primeira geração de pessoas que não vão chamá-lo de Ross.

Dona inteligência, vamos combinar assim? A gente vai tentando fazer campanhas cada vez mais interessantes, divertidas e sedutoras e você vai recalculando aí todas essas suas conclusões. E se a gente fizer direitinho, por um bom tempo, quem sabe um dia a senhora ainda ouça alguém dizer: bora lá fazer uma maratona de propaganda?

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