Cinema, escrita, edição e risco, por Francis Ford Coppola
Em visita ao Brasil para o lançamento de Megalopolis, diretor fala sobre o que o mantém inspirado e explica a relação do novo longa com Curitiba
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Isabella Lessa
30 de outubro de 2024 - 7h23
Depois de dedicar quase todos os 85 anos de sua vida ao cinema e colecionar sucessos grandiosos – e também alguns fracassos – Francis Ford Coppola consegue resumir seu amor pela sétima arte em poucas palavras.
Para o cineasta, um filme é capaz de parar o tempo, pois, ao fazer um, é possível avançar e retroceder. “O grande filósofo Goethe disse que arquitetura é música congelada, dança equilibra o tempo e espaço. Se você quer controlar o tempo, seja um artista”, disse o norte-americano, em coletiva de imprensa realizada pela O2 Play na segunda-feira, no prédio B32, em São Paulo.
A um auditório lotado e atento, Coppola respondeu a perguntas do público – depois de questões introdutórias feitas pela crítica Isabela Boscov – sobre arte, filmes, sucesso, fracasso e, claro, sobre seu longa-metragem mais recente, Megalopolis, que, no Brasil, está sendo distribuído pela O2 Play. Daí o motivo da vinda do norte-americano ao País, que também participou da pré-estreia do filme que roteirizou e dirigiu na terça-feira, 29, no Cinemark do Shopping Cidade Jardim.
À reportagem de Meio & Mensagem, Coppola disse que os jovens talentos são o elemento que ainda o fascina sobre o cinema hoje. “A nova geração é brilhante e tem uma visão maravilhosa. Tenho confiança de que criarão uma nova era para o cinema”.
Por outro lado, afirma que muitos dos filmes de hoje são como fast food: empresas que gastam centenas de dólares para fazer uma batata chips que seja viciante. “Fazem o mesmo com os filmes, querem que sejam como Coca-Cola. Arte não é Coca-Cola. Arte muda. Os filmes que seus netos gostarão serão algo que nem podemos conceber”.
Primeiro filme de Coppola em 13 anos, Megalopolis conta a história de César (interpretado por Adam Driver), que deseja saltar para um futuro utópico, mas enfrenta a resistência de Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito), prefeito comprometido com o capital e o status quo.
Ao longo do encontro que durou pouco mais de uma hora, Coppola esclareceu à audiência que, ao contrário do que foi reportado por alguns veículos, o longa não levou 40 anos para ser concebido. O que foi divulgado de forma correta, ressaltou, foi o valor da produção, que girou em torno de US$ 120 milhões.
Desde que estreou no Festival de Cannes, em junho, Megalopolis tem dividido opiniões. Há quem diga que este é o pior filme já feito por Coppola, que, décadas atrás, foi alçado ao panteão da história do cinema por ter dirigido The Godfather I e II (e também o terceiro, que é lembrado, mas não por ter sido um dos grandes feitos do diretor), O Drácula de Bram Stocker e Apocalypse Now.
A história de guerra estrelada por Martin Sheen, inclusive, foi tida como uma ideia fadada ao fracasso durante toda sua execução, relembrou Coppola. Assim como fez em 1979, ele tirou dinheiro do próprio bolso para fazer Megalopolis. “Fiquei endividado, mas as pessoas continuaram a assistir o filme, daí paguei a dívida. Artistas não podem se preocupar com risco. Segurança é para homens de negócio”, afirmou. “Aprendemos com Apocalypse Now que se pode ganhar dinheiro com o tempo, daqui, dez, 30, 40 anos esses filmes continuam sendo vistos”.
Não trabalhei em Megalópolis por 40 anos. Estava me perguntando qual era meu estilo pessoal, porque, quando era muito jovem, fiz dois ou três filmes. Um deles era The Godfather, um estilo muito clássico, quase como Shakespeare. Outro foi Apocalypse Now, que tem um estilo muito selvagem, livre. Então, fiz um filme chamado One From the Heart, que era muito teatral. Eram três estilos e um cineasta. Me perguntei, quando fiquei velho, se saberia qual era meu estilo. Depois que fiz o filme The Rainmarker, de John Grisham, levou dez anos, na verdade, 14, durante os quais estava sendo apenas um estudante, tentando aprender mais sobre cinema e teatro, porque comecei como diretor de teatro.
Quando tinha 16 anos, percebi que o cinema, assim como o teatro, tem basicamente dois elementos. Assim como a água é feita de hidrogênio e oxigênio, o cinema é feito de atuação e texto – e esses são os dois aspectos realmente importantes e difíceis. Orson Welles disse que quando se trata de edição, é possível aprender em um final de semana. Mas atuar e escrever não dá, é preciso dedicar sua vida a aprender a extraordinária tarefa de atuar e escrever. Quando mais você faz essas duas coisas, melhor se torna ao fazê-las.
Todos recebemos um talento e eu recebi uma boa imaginação, uma boa memória e, de algum jeito, a habilidade de prever o futuro, um pouco como na mitologia de Cassandra. Então fiz um filme sobre escuta e violação de confidencialidade. Dez anos depois, com o Watergate, vimos que era preciso saber sobre isso. Depois de um tempo, em busca do meu estilo pessoal, percebi que gostaria de fazer um épico romano. Percebi que a América havia se tornado o novo império romano. Depois da Segunda Guerra Mundial, podemos dizer que todas as estradas levam à América. Decidi fazer um épico romano ambientado na América moderna, e todo mundo perguntou por quê. Bom, em duas semanas eles decidirão se serão uma república ou uma ditadura. De certa forma, Megalopolis é sobre prever o futuro.
Quando estava trabalhando em Megalopolis, visitei todos os lugares do mundo que pensei que poderiam ser exemplos de como estão resolvendo problemas difíceis de maneira inteligente, sem simplesmente jogar dinheiro em cima. Conheci Jaime Lerner, ex-governador do Paraná e prefeito de Curitiba na época. A cidade era o protótipo de Megalopolis: percebia que ficaria muito populosa em alguns anos. O prefeito, que era arquiteto, teve ideias maravilhosas que não custaram muito dinheiro. Jaime Lerner é o gênio que percebe que podemos ser alegres sem ter de pagar preços muito altos para isso.
Drama e teatro sempre estão alinhados com Baco, deus do vinho e do drama. Antigamente, as pessoas ficavam bêbadas e dançavam, se divertiam, então alguém ia lá e fazia melhor. Sentava e assistia. Essa foi a primeira audiência. Há um link entre drama, arte e celebração humana. No Brasil você sabem o que é isso, é alegria. Arte é isso, aprender e editar. É como fazer vinho, você escolhe os melhores e faz o melhor vinho. Isso é editar. É assim com o cinema também.
Não acredito que se possa fazer arte sem risco. Fazer arte sem risco é como fazer bebês sem fazer sexo. É impossível, porque é preciso arriscar o salto para o desconhecido. Você precisa ser livre e destemido em direção ao desconhecido, porque as respostas são desconhecidas. Nas artes, na política e na sociedade é preciso que haja risco. Quando era muito jovem, tive que dirigir o Godfather e não tinha poder algum. Sempre me diziam que provavelmente seria demitido. Então me tornei muito maquiavélico. Me tornei, de certa forma, Michael Corleone em pessoa. Ganhei muito dinheiro, Oscars. Mas quando quis fazer Apocalypse Now, disseram que eu não poderia fazê-lo. Sabem quem é dono do Apocalypse Now? Eu. Por quê? Ninguém mais queria. Fiquei endividado, mas as pessoas continuaram indo assistir o filme, e assim paguei a dívida. Artistas não podem se preocupar com risco. Isso é para homens de negócio. Se viram trilhardários, ficarão tristes, não conheço nenhum bilionário que seja feliz.
Um dos problemas de Megalopolis é que todo mundo sabe o quanto custou. Se comparado a Guardiões da Galáxia ou Homem Aranha 6, não ganhará tanto dinheiro, verdade. Mas o que aprendemos com Apocalypse Now é que podemos ganhar dinheiro com o tempo, muito tempo. Daqui dez, 20, 30, 40 anos esses filmes continuam sendo vistos. O lance com Apocalypse Now é deixar as pessoas entrarem pela porta certa para se sentirem confortáveis com o que está acontecendo. Sei que o que é considerado avant-garde, com o tempo, se torna papel parede no futuro. Todo mundo achava Matisse terrível na época. As coisas que são novas são julgadas de maneira muito dura, daí, depois de um tempo, as pessoas começam a entender e a mudar de opinião.
Glauber Rocha viveu na minha casa em São Francisco. Uma vez o abracei e ele chorou porque achava que seu amado Brasil jamais o permitiria voltar pra casa. Imagine ele aos prantos porque achava que não poderia voltar. Ele voltou e morreu aqui. O Brasil possui uma cinematografia extraordinária. Não somente Glauber, mas Hector Babenco, com Pixote, Cidade de Deus (Fernando Meirelles), tão ricos e belos. A arte brasileira em geral é maravilhosa, é impressionante quão bela é a obra de Villa-Lobos.
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