Opinião: É preciso sentir mais
Técnica nos leva a áreas que a maioria evita ou não consegue atingir. Podemos adorar uma ideia por suas habilidades, mas só amamos o que nos sensibiliza
Técnica nos leva a áreas que a maioria evita ou não consegue atingir. Podemos adorar uma ideia por suas habilidades, mas só amamos o que nos sensibiliza
Meio & Mensagem
14 de maio de 2014 - 10h29
Por André Kassu (*)
Eu sonhava ser músico, o tempo passou e cá estou. Contudo, a música nunca saiu de mim. É uma fiel companheira para todos os momentos. Ela não me pergunta se estou triste, feliz, ansioso ou chato. Simplesmente, ela vem e me aconchega. As gaitas ficam a me olhar, o amplificador saiu de um estado de hibernação faz pouco, os microfones se espalham pela sala. Como um exército a proteger-me do mundo da razão. Pensando neles, separei três declarações sobre jazz. Serão a base da minha jam session de agora.
“Se você tem que me perguntar o que é o jazz, você nunca saberá.” Louis Armstrong.
“A vida é bem parecida com o jazz. É melhor quando você improvisa.” George Gershwin
“Eu não tenho uma definição sobre o jazz. Você deve ser capaz de saber o que é ao ouvir.” Thelonious Monk.
Todas essas frases levam-me a um quadro que mostrava duas mãos segurando uma harmônica com o título: blues is a feeling. E como se explica um sentimento? Ora, sentindo. Aquela nota aguda do Eric Clapton que ressoa na espinha, o canto da Ella Fitzgerald que chega a marear, os solos de gaita do Stevie Wonder que nos embalam sem pedir licença, os acordes de Insensatez. Música não questiona o porquê. Eu não suporto ouvir a Sade cantando. Por quê? Sei lá. Algo não bate.
Hoje, temos lidado com o pedido: precisamos de uma big idea. Convenhamos que já não é uma solicitação modesta. É um caminho árduo, repleto de layers e percalços. Digamos que você o atinge. Aí, começa o paralelo que proponho. O principal efeito de uma grande ideia é que não conseguimos negá-la. Ela nos traz sensações. Euforia, alegria, entusiasmo e, invariavelmente, temor. O temor é o nosso racional sobrepondo-se ao emocional. É um alerta que soa tão alto que é capaz de fazer com que a gente esconda o que sentiu. Você é capaz de rir e, em seguida, buscar motivos para negar essa sensação. Ao fim, sentimos de menos.
Não estou aqui a defender que devemos esquecer a razão. Se a ideia traduz criativamente tudo o que está no briefing, o racional já está ali. Logo, deveríamos parar no acostamento da rota dos keynotes que tentam traduzir o que nos impactou. E andar de ré em busca do que nos emocionou. Voto pelo uso moderado do “meu único medo é que…”. Quando sentir medo, não o use como escudo. Use como trampolim.
Volto à música. B.B. King mal sabe fazer acordes, mas a sua guitarra é indefectível. Já conheci guitarristas extremamente técnicos que não provocam essa emoção. São os “too many notes”. Onde o virtuosismo é mais valorizado do que o feeling. O resultado costuma ser uma massa de informação que mal conseguimos processar. Ou tanto a deciframos que o coração não reage. Ficamos cerebrais.
Técnica é fundamental. É ela que nos permite improvisos mais ousados e nos leva a circular por áreas que a maioria evita ou não consegue atingir. Sentimento é imponderável. Ele é o que nos conecta intensamente. Podemos adorar uma ideia pelo seu desfile de habilidades. Agora, só amamos o que de verdade nos sensibiliza. Quando a ciência tenta explicar o que acontece quimicamente com o nosso corpo quando beijamos, você sente vontade de beijar? Difícil.
Publicidade não é uma arte, o que poderia inviabilizar essa análise. Porém, somos capazes de emocionar. A boa propaganda se mistura à cultura popular a um ponto que fica impossível a dissociação. Pergunte ao consumidor por que ele gosta de uma campanha. Ele achará uma resposta que será diferente do momento em que a sentiu. Na música e na vida, nada deveria superar a nossa emoção. Complementa aí, Louis: o que é uma big idea? Se você pergunta, talvez nunca saiba de verdade. E um solo de trompete encerra o texto. Pah-pa-rah.
(*) André Kassu é sócio da Crispin Porter + Bogusky Brasil
Artigo publicado na edição 1609, de 12 de maio de 2014, de Meio & Mensagem. Nos tablets, para acessar a edição, basta baixar o aplicativo nos sistemas iOS ou Android.
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