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Comunicação

Opinião: O que o Jerry Maguire me ensinou

A vida pode ser injusta quando os malandros sabem apertar os botões certos


19 de novembro de 2015 - 9h55

(*) Por André Kassu

Escolher o tema para dissertar neste espaço nem sempre é fácil. Porém, um dos princípios que regem as minhas escolhas é o de não aceitar sugestões de pauta. Esclareço. Se tem uma coisa que eu aprendi em um filme do Tom Cruise (tentei malabarismo com garrafas, sem sucesso) é que, se você vai estabelecer uma posição, não espere cobertura. Lembra da cena da demissão no Jerry Maguire? “Who’s coming with me?” E todos fingindo que aquele problema era só dele? Pois bem, muitas vezes um incauto faz o papel de vidraça. Se ele segurar a pedrada, ótimo, estamos todos juntos. Se ele estilhaçar, podemos dizer “olha, eu não concordava com ele, não” e seguimos com a nossa rotina pacata. A lição diz que o muro é o lugar mais confortável. Não é um palpite, como explica a pesquisa a seguir.

Erin Reid, professora da Universidade de Boston e pesquisadora do Comportamento Organizacional, entrevistou mais de cem funcionários de uma empresa global de consultoria, teve acesso aos indicadores de performance e aos documentos de RH. Ao fim, chegou a um parecer que, se não surpreende, embasa alguns fatos corporativos. Vamos a alguns deles.

A primeira conclusão é que as pessoas que fingem trabalhar têm as mesmas chances de promoção das que realmente o fazem. É, a vida pode ser injusta quando os malandros sabem apertar os botões certos. No estudo, Erin Reid cita uma tática revelada, que nada mais é do que ter clientes que exijam deslocamento. Nesse pacote, adicione certo mistério sobre o que você está resolvendo. Desmistificando. É aquela velha artimanha de sair para uma reunião de uma hora e dizer que durou o dia todo. Ou cercar-se de ilustradores por seis meses e andar esbaforido para cima e para baixo. Há grandes mestres nessa arte. Um funcionário que utilizava esse truque era considerado por vários colegas um exemplo. E tudo o que ele fazia era fingir que estava ocupado.

Há um jeito mais lícito de quebrar a regra do “trabalhe até se matar”. É uma estratégia colaborativa que envolve formar um pequeno grupo que abrace a mesma filosofia. No exemplo da pesquisa, os profissionais queriam um balanço melhor entre a vida empresarial e pessoal. Em vez do confronto, eles optaram pela defesa. Essa divisão informal trabalhava junta, partilhando metas e funções. Assim, eles executavam mais rápido, tinham reconhecimento e voltavam para casa em horário de gente. Touché.

Os mais bem-sucedidos sacrificavam a família, os amigos e qualquer resquício de lazer em prol da firma. Por cumprirem o esperado, eram considerados super-heróis, ainda que cada um guardasse os seus dilemas. Diz ainda a pesquisa que um líder que devotou a vida para criar seu império não entende como os subordinados podem almejar o mesmo posto, trabalhando menos. Logo, a tendência é promover quem lhes parece um espelho. Erin Reid também desmantela a lenda de que virar madrugadas, trabalhar nos fins de semana resulta em algo melhor. Mandar e-mail em horários inusitados ainda pega bem com a chefia, viu?

Todos os que confrontaram a cultura da companhia nunca mais foram promovidos e tiveram queda na avaliação anual. Repito: todos. E as mulheres nesse contexto? Há uma desconfiança sobre a dedicação delas, especialmente das mães. Não se espera que elas possam vir a ser as rainhas do Timesheet, muito menos tão esforçadas quanto os homens. Triste, mas o retrato corriqueiro de uma relação de trabalho machista.

Eu poderia estar falando sobre práticas predatórias, profissionais de release, factoides alçados a altos cargos. Evitei. A pauta que me interessa é saber que há uma nova geração com poder de motim. Se estiverem unidos e não se canibalizarem, podem quebrar tudo aquilo que a minha acreditou ser a única regra. Um bom indicativo é de que muitos já negam propostas que não vão ao encontro do que acreditam. Só me resta dizer: bem-vindos. E que demora, hein? 

 

(*) André Kassu é sócio da Crispin Porter + Bogusky Brasil

 

Este artigo foi originalmente publicado na edição 1686, de 16 de novembro de 2015

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