“Um influenciador deprimido não é um bom influenciador”

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“Um influenciador deprimido não é um bom influenciador”

Para psicóloga Andréa Jotta, tecnologia altera o pensamento, o desejo, o tempo e a maneira de ver o mundo


24 de agosto de 2023 - 20h20

Dubes Sônego

As tecnologias digitais estão mudando a forma como pensamos. E vão mudar ainda mais. Quem afirma é a psicóloga Andréa Jotta, pesquisadora em cyberpsicologia ligada ao Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na entrevista a seguir, a profissional fala sobre como essas mudanças afetam o marketing, em geral, e como estão ligadas à ascensão dos influenciadores e à forma como produzem conteúdo.

Meio & Mensagem — A tecnologia está mudando a forma de pensar das pessoas?
Andréa Jotta — Sim, e é um caminho sem volta. Ela altera o pensamento, o desejo, o tempo e a maneira de ver o mundo. Antes da pandemia, ainda discutíamos alguma coisa de off-line. Hoje, não. É uma opção muito pesada. Quem opta pelo off-line perde 80% do mundo. A tecnologia é imprescindível em grandes centros. Só que é uma janela tanto para comportamentos bons quanto ruins. Ao mesmo tempo em que uma série de tratamentos de saúde mental foram divulgados pela internet, também tornou-se mais difícil evitar o FOMO (sigla em inglês para o medo de ficar por fora do que está acontecendo). De cinco anos para cá, o uso excessivo da tecnologia foi diagnosticado como transtorno psiquiátrico no CID, o cadastro internacional de transtornos médicos e problemas neurológicos.

M&M — Com algoritmos cada vez mais potentes, é possível ter a tecnologia sob controle?
Andréa — Estudamos o vício nessas tecnologias dentro do espectro dos transtornos de impulso que geram gatilhos e liberam dopamina, do mesmo jeito que o jogo e a pornografia, por exemplo. Os algoritmos fazem isso. Mas a questão não é demonizar a tecnologia. É aprender a usá-la, para que impacte nossas vidas de forma positiva. Quem faz as buscas e alimenta o algoritmo é o ser humano. Se você não entra nos gatilhos, controla a internet. A ideia é que a internet se torne pano de fundo da vida do ser humano, e não ‘a’ vida do ser humano.

Andrea Jotta

Andrea Jotta (crédito: Arthur Nobre)

M&M — Como as mudanças na forma como pensamos, geradas pela tecnologia, afetam o marketing, de modo geral?
Andréa — A propaganda sempre trabalhou para desenhar desejos. Antes, empresas que tinham muito dinheiro diziam, na novela das oito, que tinham o sabão que lavava mais branco e todo mundo acreditava. A discussão era como despertar o desejo pelo que lavava mais branco. Com a internet e a interatividade, aparecem pessoas que dizem que experimentaram outro produto que é tão bom quanto. Aí, além de dinheiro, as empresas passaram a ter que ter coerência. Ter o produto que fazia o que era dito no comercial. Com os algoritmos, essa democratização regrediu e os likes e verificações ganharam peso. Hoje, já estamos em outro momento, de descoberta dos algoritmos. Você baseia sua opinião não só no que a propaganda, a internet e o influenciador dizem, mas também nos comentários. A ‘verdade’ sobre o produto é a que tem mais comentários a favor. A maneira de comprar é totalmente diferente. Existe necessidade de maior coerência.

M&M — Esse impacto é igual para todos os públicos?
Andréa — O grande problema do momento são as crianças. A questão da influência da tecnologia sobre o desenho do subjetivo infantil. Porque as gerações que já estão mais criadas desenharam esse subjetivo e aprenderam a resolver problemas sem a tecnologia. Hoje, isso já acontece só com a tecnologia. Começamos a ter legislações que dizem: cuidado com a propaganda infantil, com esses gatilhos. Temos uma geração mais ansiosa. Mas, ao mesmo tempo, que também lida melhor com a tecnologia que os mais velhos. Em relação ao consumo, é mais exigente.

M&M — Qual é a relação entre a tecnologia, a psicologia e a ascensão do marketing de influência?
Andréa — A influência tem alguns fatores. É possível influenciar por autoridade, por afeto, por envolvimento social. E existem também fatores psicológicos que fazem com que determinada pessoa influencie uma pessoa e não outra. Se sou mais afetiva, tendo a gostar mais de influenciadores que conversem comigo, que sejam amigos e usem linguagem que me pareça mais acolhedora. Se sou mais científico, vou optar por influenciadores especialistas, mais embasados tecnicamente, autoridades em algum assunto. Os mecanismos que tornam os influenciadores influenciadores trabalham nesse inconsciente, que desconhecemos grande parte do tempo. Antes, a televisão era o grande meio de comunicação, e criava ídolos. Mas eram pessoas muito distantes. A internet traz tudo mais para perto. Em um primeiro momento, qualquer um que viralizasse poderia se tornar influenciador, mostrando, às vezes, uma coisa mais real.

M&M — Quais mudanças de comportamento dos consumidores geradas pela tecnologia ainda são mal compreendidas?
Andréa — Não sei se há falta de compreensão. A potencialização do consumidor fez com que as grandes empresas perdessem o reinado. Essa talvez seja a questão. Antigamente, elas tinham o horário nobre da Globo como fazedor de ideias. Tudo que colocavam ali era caro, mas dava resultado. Dinheiro e uma boa campanha faziam a marca. Hoje, é preciso mais que isso e, às vezes, menos dinheiro. O caminho é o inverso. Você tem a informação na internet, a consulta pelos buscadores, a leitura dos comentários e a confirmação daquilo pela televisão. A questão volta a ser os algoritmos e as informações fake.

M&M — Qual será o impacto da inteligência artificial generativa sobre o marketing de influência?
Andréa — Sobre o marketing de influência, não acredito que altere muito não. A não ser na parte braçal do trabalho. A criatividade do influenciador e a vida dele, a maneira como influencia as pessoas, a inteligência artificial não vai mudar. O que vai acontecer é que talvez os vídeos fiquem melhores, mais bem elaborados. O que antes talvez não fosse possível, pelo menos para os pequenos.

M&M — E sobre a forma de pensar das pessoas?
Andréa — Vai mudar bastante. Vamos passar por um primeiro momento de muito temor, até essas inteligências artificiais serem entendidas. Todas as tecnologias disruptivas, que alteram o curso do mundo que conhecemos, causam, a princípio, algum tipo de apreensão. Mas o que estamos percebendo também, já há muito tempo, é que as tecnologias vêm em ondas. Tivemos uma primeira onda de Second Life e a onda morreu na praia. A inteligência artificial hoje é a onda da vez. A gente fica lá brincando, faz uma ou outra pergunta, explora um pouco a tecnologia. Mas ela não dá lucro suficiente ainda para que cause grandes alterações. Vai pegar um dia? Vai. É o futuro? É. Mas o futuro pode vir em um ano, dois, cinco, dez. Ou quando as grandes empresas acharem uma maneira de ganhar muito dinheiro com isso.

M&M — Quais outras tendências comportamentais ligadas a esse universo e à questão psicológica estão despontando?
Andréa — Existe um trajeto psicológico, o das influências por afeto, por contexto social, por autoridade. Muitos influenciadores ainda fazem isso de forma muito inconsciente. Talvez para eles fosse menos sofrido se tivessem consciência disso. Se entendessem que o alcance deles tem a ver com as influências psicológicas que têm sobre os outros. Não é só um tiro no escuro, ou uma métrica, ou um algoritmo. Existe algo mais. A genialidade, o carisma ou a autoridade dizem respeito àquela pessoa, em específico. Existe um ‘que’ de pessoal nisso. Para se ter certeza de que se é bom em algo, é preciso estudar o que se faz. No caso dos influenciadores, o trabalho são eles mesmos. Por isso, precisam estudar a si próprios. Um influenciador deprimido, em sofrimento mental, não é um bom influenciador. Ele pode até influenciar as pessoas, mas está sofrendo e uma hora o sofrimento vai transparecer.

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