Quebrando estereótipos no marketing de influência

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Quebrando estereótipos no marketing de influência

Egnalda Côrtes, da Côrtes e Companhia, avalia evolução do mercado de marketing de influência, em especial para creators negros


17 de agosto de 2023 - 15h48

Fábio Vieira

A empresária Egnalda Côrtes diz que se destacou como gestora no mercado corporativo pois desde jovem foi ligada a movimentos sociais, o que lhe deu uma liderança natural com habilidades de negociação e gestão. A entrada na indústria digital e publicitária, em 2015, foi impulsionada pela necessidade de concretizar os sonhos de seu filho, PH Côrtes, então com 13 anos, que fez sucesso nas redes sociais com o projeto “Meus Heróis Negros Brasileiros”.

Dali surgiu a ideia de criar a Côrtes e Companhia, a primeira agência de marketing de influência focada em creators negros. O elenco atual é restrito a 10 influenciadores, mas com as parcerias chega a um total de 130 creators. E o trabalho realizado vai muito além da produção de conteúdo e abrange até mesmo tratamento de psicoterapia.

“Nossa atuação é mais profunda, pois a maioria vem de traumas junto à sociedade”, diz Egnalda, que hoje é referência na área estando à frente da única agência de influenciadores que ocupa cadeira líder no programa Aliança sem Estereótipo, da ONU Mulheres.

Egnalda Côrtes

Egnalda Côrtes, fundadora da Côrtes e Companhia, primeira agência de marketing de influência focada em creators negros (crédito: Arthur Nobre)

Meio & Mensagem — Como é o trabalho de captação de talentos dentro desse mercado tão abrangente?
Egnalda Côrtes — Nossa busca se baseia em hábitos que permeiam territórios e perfis, aqueles que não aparecem nos buscadores de agências. A tecnologia segue uma engenharia ainda focada no óbvio, nos números e, sobretudo, nos comportamentos sociais, que já sabemos que são atravessados por todas as pré-concepções construídas. Logo, a busca compulsória é fundamental para sair do óbvio. Por isso, analiso a consistência na postagem, bem como os alicerces que conduzem o editorial daquele creator. A Côrtes e Companhia, por ter sido a pioneira no recorte racial, entendia que a quebra de estereótipos, inclusive de valor e preço para nichos de conteúdos, deveria basear-se em valores de ética e coerência para garantir credibilidade à associação com as marcas. Além disso, investigo se o conteúdo disposto, principalmente com relação ao ativismo, de fato, atravessa aquele indivíduo, ou o conteúdo é apenas uma forma de se inserir no mercado.

M&M — Quais características são levadas em consideração na hora de captar um talento? E como é o processo de formação desse influenciador?
Egnalda — Três características são fundamentais: autenticidade, ineditismo e autoridade. E aqui na Côrtes nós trazemos creators que já se destacam em comunicação, design e narrativa, então, partimos para uma entrevista inicial para entender os seus gaps, tanto profissional quanto pessoal. A partir dessa conversa, há quatro pontos a serem trabalhados: estabelecer formações básicas e aprofundamentos relacionados a estereótipos, lutas sociais e tendências de futuro; fortalecimento e construção de autoridade, com metas de associação com instituições e formações pragmatizadas e validadas no mercado para trazer o que o mundo respeita como autoridade; entender marcas de maneira inspiracional e aspiracional, para associação e prospecção; e, por fim, quais competências desenvolvidas podem gerar produtos e quais delas serão desenvolvidas para a busca de formação. Todo esse processo envolve dedicação e foco para objetivos de curto, médio e longo prazos.

M&M — E quais são os principais desafios desse processo?
Egnalda — O principal desafio é descaracterizar o glamour do influencer e trazer para o profissional as diversas possibilidades e responsabilidade de impacto real que seu conteúdo pode gerar, além de trazer a realidade sobre oportunidades de ganhos para além da publicidade.

M&M — E como a Côrtes atua para construir relevância no mercado?
Egnalda — A relevância determina a não efemeridade do creator numa indústria que exige criatividade e frescor, o que acredito não ser uma verdade absoluta, mas que determina a longevidade da marca pessoal desse creator. E essa produção está baseada em dois pontos principais: a técnica, considerando iluminação, cenário e acessibilidade; e tática, abrangendo consistência, regularidade, pilares definidos e tempo. O tempo, em religião de matriz africana, é cultuado e reverenciado, e tem como característica a estabilidade, logo, tem força e poder.

M&M — Quais são as estratégias para valorizar seus influenciadores no mercado?
Egnalda — A narrativa aliada às construções que o mercado convencional valoriza. É um influencer que traz uma narrativa de protagonismo negro, é periférico, tem uma história de família muito parecida com milhões de brasileiros, mas com peculiaridades. Mas o que o torna diferente de outros milhões? Pode ser a formação em universidade ou instituição que a sociedade “ainda” valoriza, ou mesmo uma narrativa que tem viés de educação e ativista, onde destacamos a organização internacional que representa ou que o reconhece como autoridade. Os títulos globalmente reconhecidos ainda constroem valor e dialogam com a convergência de branding para a marca.

M&M — O marketing de influência pode ser uma ferramenta em relação à pauta racial por mais inclusão, respeito, reconhecimento no mercado?
Egnalda — Pode. Mas há de se avaliar como e de que forma, pois temos visto um sucateamento que só reforça a estatística social, onde constamos nos piores índices. Então, não basta ter influenciadores negros e serem os piores remunerados ou, pior, sermos colocados na escolha da grande oportunidade e topar tudo e por qualquer valor. Isso já é uma realidade para influenciadores, mas quando se trata da minoria, vemos a incidência de propostas e modus operandi, inclusive das plataformas que, teoricamente, vieram para facilitar as conexões de marcas com influenciadores, promovendo inclusão e negócios. Importante ressaltar que não é um déficit do mercado publicitário, é um desafio social que reverbera absolutamente tudo. A pergunta que para mim ressoa é: quem, de fato, está comprometido com a mudança? Não posso responsabilizar quem não tem poder de decisão. Então, ao contratarem, as marcas devem se respaldar não somente nos números que aquela representatividade traz, mas também aos signos que ela imprime. Se a marca tem interesse em ser agente de mudança e não cúmplice de mais mazelas a serem reproduzidas através da urgência de serem empresas cidadãs, que assumam a curadoria e responsabilidade dessas escolhas através de suporte. E, para isso, temos empresas, consultorias especializadas e grupos de força-tarefa para diminuirmos os riscos de equívocos relacionados ao posicionamento.

M&M — E na sociedade como um todo, qual é a importância do influenciador digital negro dentro do contexto de racismo estrutural em que vivemos?
Egnalda — É a primeira vez que temos a oportunidade real de registrar nossas histórias em primeira pessoa. Nesse contexto, incluo as interseccionalidades, LGBTQIAPN+, PCDs, neuroatípicos, povos originários e negros. Lógico que há as considerações de acesso, principalmente em locais distantes dos centros econômicos brasileiros, como quilombos e territórios indígenas, além das ressalvas quanto a internet e a dificuldade real de se ter um aparelho celular compatível com as plataformas digitais. Mas para todos que pelo menos têm um celular e internet, é importante que entendam o poder dessa ferramenta como instrumento de comunicação e transformação. Entretanto, há ausência de letramentos que também nos coloca em um lugar sensível. Alguns aceitam serem totens, pois pode ser uma oportunidade, mas a representatividade de gênero, raça ou quaisquer que seja a imagem e conteúdo tem relevância se há consciência dessa representação.

M&M — Por muitos anos, não tivemos negros como destaque nas mais diversas áreas. O cenário é diferente entre os influenciadores digitais?
Egnalda — Conforme a pesquisa Todxs, da ONU Mulheres, de 2015 para 2021 tivemos um crescimento de 4% a 27% de protagonistas negras nas campanhas publicitárias. Mas, se compararmos ao protagonismo de pessoas brancas, o abismo segue grande, de 62% contra 27% no último levantamento. Notamos que essa corrida está em passos lentos e a aceleração garante não somente o atingimento de metas, mas de reverberação de uma sociedade que se enxerga mais, mas ainda não o insuficiente.

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