Heitor Dhalia: “O mercado está preparado e com fome”

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Heitor Dhalia: “O mercado está preparado e com fome”

Sócio da Paranoid e diretor de filmes como "O Cheiro do Ralo" e "Serra Pelada", o profissional compartilha a sua visão sobre o mercado audiovisual brasileiro


7 de janeiro de 2020 - 6h00

Heitor Dhalia: “O nosso negócio é o negócio primeiro do ser humano, compartilhar narrativas. Isso acontece desde os tempos das cavernas. Isso sempre vai ter um valor, independente das modas e códigos” (Crédito: Arthur Nobre)

Há 10 anos, depois de uma longa temporada em agências de publicidade, o redator, roteirista e diretor Heitor Dhalia criava ao lado de Egisto Betti a Paranoid, produtora que se consolidou no mercado brasileiro e tem na publicidade aproximadamente 70% de seu faturamento. Antes e durante essa jornada, com filmes como “O Cheiro do Ralo”, “Serra Pelada” e “Tungstênio”, Heitor também alcançou como diretor uma posição de relevância no cinema nacional.

Com experiências diversas, seja em agência ou produtora, com filmes publicitários ou produções culturais, o profissional tem sob a lente de sua expertise opiniões sobre ambos os aspectos do mercado audiovisual brasileiro, da abordagem criativa ao negócio. Na entrevista abaixo, ele compartilha suas percepções sobre as tendências do setor e revela algumas de suas principais referências criativas.

Meio & Mensagem – Como começou a sua carreira e o envolvimento com produção, cinema e publicidade?
Heitor Dhalia –
Comecei antes com teatro, mas depois fiz cinema, infelizmente bem na época da extinção da Embrafilme, na era Color. Eu queria trabalhar no cinema, mas de repente o cinema não existia mais, tinham matado ele. Então entrei no curso de jornalismo. Mas, no meio dele, percebi que não queria escrever críticas de cinema, e sim ficar mais próximo da produção. Então migrei para publicidade. Comecei neste período a trabalhar em agência, onde vivi um ciclo de aproximadamente 12 anos como redator. Foi um período muito produtivo, que comecei em Recife e com dois anos vim para São Paulo, onde cheguei sem dinheiro e sem conhecer ninguém. Eu ligava para a recepção nas agências para tentar falar com alguém. Consegui emprego na DPZT, depois Talent, DM9, Y&R, ganhei todos os prêmios que a publicidade tinha para dar, e muitas vezes. E uma hora eu pensei: não, não é bem isso que me motiva.

“Eu saí do circuito de agências em uma época em que não era comum essa transição. A publicidade estava em uma época de ouro e o mercado de produção não tinha a força de hoje”

M&M – E o que te motiva?
Heitor –
Eu gosto de criar, de maneira geral, mais a minha ligação com a imagem em movimento, com a produção audiovisual, é mais forte. Sempre gostei do filme, não tem jeito. Já na publicidade eu comecei a flertar muito fortemente com o formato. Daí fiz o primeiro curta, Conceição. O pessoal brinca comigo porque na época eu estava comprando um triplex, com piscina. Mas vendi o apartamento, coloquei o dinheiro na poupança e investi boa parte no curta. Meus amigos chamaram esse movimento de “cobertura cinematográfica”. Virou uma piada (risos). Alguns anos depois fiz meu primeiro longa, Nina.

M&M – E como foi essa transição?
Heitor –
Eu saí do circuito de agências em uma época em que não era comum essa transição. Eu fui um dos primeiros. Depois virou comum esse caminho. Naquele tempo os universos eram mais dispares. A publicidade estava em uma época de ouro e o mercado de produção não tinha a força de hoje. No terceiro longa, com cinco anos depois que comecei, eu abri a produtora, e daí foi uma outra grande mudança. Empreender é um novo capítulo, onde amadureci a capacidade de gerir e tocar um negócio.

Heitor: “No cinema, nem sempre o apuro estético é parte da narrativa” (Crédito: Arthur Nobre)

M&M – Qual a diferença entre produção publicitária e a produção cultural?
Heitor –
A publicidade tem um craft que é mais determinante, por ter mais dinheiro. Há um apuro visual, a busca de novas linguagens, um código todo específico, que inclusive é uma demanda do tempo, dos 30 segundos. E tem uns modismos internacionais, o que é particular desse mercado. Mas o ponto principal está no apuro estético, e a publicidade é isso na essência. Claro que tem a força narrativa e o poder de síntese e outras coisas próprias, mas não é o mais importante. Já no cinema, a construção das narrativas é a coisa mais relevante. A comparação é como uma corrida de tiro curto e uma maratona. As duas consistem em correr, mas é tudo diferente.

M&M – E quais são as habilidades e características necessárias em cada um desses universos distintos?
Heitor –
No cinema, você precisa gostar mais de pessoas. Por outro lado, tem diretor de publicidade que não precisa necessariamente lidar com ator, mas sim com modelos e outros personagens. No cinema você precisa entender esse ser, entender a construção e gostar da dramaturgia. Apesar de me preocupar com a narrativa, eu sou um esteta, não consigo não ser. Acho até que eu seria um diretor melhor se eu não fosse. Talvez venha da publicidade esse apuro estético. No cinema, as vezes o não apuro estético é parte da narrativa, mas eu não consigo deixar de ser esteta.

M&M – Quais são os fatores de maior transformação no mercado de hoje?
Heitor –
Nosso setor está em mutação e o fator mais disruptivo que vivenciamos nos últimos tempos é a tecnologia mesmo. As plataformas digitais impuseram uma disrupção muito forte para as mídias tradicionais. E as agências e produtoras estavam todas calcadas na mídia tradicional. Quando essa disrupção começou a acontecer, desorganizou um jogo que estava estabelecido há muitos anos. Mas os valores fundamentais são os mesmos: criatividade e busca por excelência na execução, no craft. É desafiador por um lado, mas a gente também se beneficia das plataformas na medida em que passamos a produzir com maior intensidade para elas, com o streaming, por exemplo. Quem domina a produção de conteúdo sabe fazer play de qualquer duração.

“Nossa indústria é a do pensamento, de produção intelectual, qualidade estética e até de identidade nacional”

M&M – E quais são as perspectivas do setor?
Heitor –
O nosso negócio é o negócio primeiro do ser humano, compartilhar narrativas. Isso acontece desde os tempos das cavernas. Isso sempre vai ter um valor, independente das modas e códigos. Quem não consegue se adaptar morre, no cinema ou na publicidade. O mercado tá preparado e morrendo de fome para pegar esses projetos de streaming. Sim, há uma crise na publicidade, mas quando você para pensar na produção audiovisual brasileira inteira, é um momento de pujança na indústria. Estamos vendo uma indústria se consolidar e isso é bonito de se ver. O que preocupa é a instabilidade política, onde questões ideológicas podem entrar em jogo e atrapalhar a questão econômica. Acontece que a nossa indústria é muito valiosa. Não há um país desenvolvido sequer que não tenha uma indústria criativa forte. Nossa indústria é a do pensamento, de produção intelectual, qualidade estética e até de identidade nacional.

M&M – Voltando ao aspecto criativo… Quais são as suas maiores referências?
Heitor –
O cinema é tão grande, tudo muda tanto, mas gosto de alguns clássicos, como o (Stanley) Kubrick, que para mim é o maior gênio da história do cinema. E o Akira Kurosawa também… Ambos são estetas enlouquecidos, mas o Kubrick é um investigador da alma humana. No teatro tem o Shakespeare. Eu não busco minhas referências apenas no cinema, mas também em outras artes e na vida mesmo. O assunto do cinema é a vida. Nossa área gosta de gente e de traduzir isso em narrativas.

M&M – O que você tem consumido no momento?
Heitor –
Eu gosto do drama. É o gênero que me interessa mais e é para mim a excelência do cinema. São dele os filmes que ganham Cannes, que vão para os festivais. As maiores análises do ser humano estão no drama. Eu busco mais essas vertentes, que são o suprassumo da indústria mundial. Na música sou bastante eclético no gosto, mas sou um pouco mais preguiçoso para procurar novidades. Agora estou em uma fase de ouvir bastante jazz. Não tenho muito uma linha, mas é a arte que eu mais admiro, apesar disso. E livro, por acaso, um dos últimos que li foi “A Guerra”, que conta a história do PCC.

M&M – Há alguma tendência estética no audiovisual brasileiro que se destaca hoje?
Heitor –
A produção audiovisual de Pernambuco. Acho bem interessante. É um lugar que tem uma vanguarda. Mas, no geral, o Brasil tem tido uma diversidade de linguagem e produção de coisas tão ampla que a gente não consegue entender o que está acontecendo. É complexo fazer esse mapeamento. O Brasil é muito rico, com muitas coisas no teatro e todas as áreas, mas não há hoje um movimento aglutinador como o cinema novo, a bossa nova, os novos baianos, ou algo do gênero. O que vejo em comum é um pouco da linguagem do funk permeando diversos nichos da cultura. E tem as linguagens das periferias, que hoje são muito efervescentes. Os códigos que vem de lá são as coisas com mais identidade e originalidade que temos hoje. A construção que temos aqui do pixo, o rap e o funk tem um grito único de revolta, cortante, contra um estado de opressão em que essas comunidades se veem colocadas. Por isso talvez sejam tão agudos esses vetores. Tem muita coisa boa sendo feita, mas também há muita coisa que não entendo.

Heitor Dhalia: “O mercado tá preparado e morrendo de fome para pegar esses projetos de streaming” (Crédito: Arthur Nobre)

Crédito da imagem de topo: reklamlar/istock

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