O ódio e o escafandro

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Opinião

O ódio e o escafandro

Era para o nosso mercado audiovisual estar virando indústria, mas estamos tendo que lutar muito, apenas para não voltarmos ao estágio que estávamos na era Collor


27 de agosto de 2019 - 18h39

(Crédito: Pixabay/Pexels)

Sabe quando você está na praia, toda relaxada, vendo o mar chegando mais perto bem devagarinho e você acha que está preparada para quando a onda vier, até que do nada, entre um gole no mate e outro no coco, a água chega levando e molhando quase tudo? Então, finalmente essa onda do ódio me deu um caixote e tomei um caldo nas redes sociais.

Desde 2013 comecei a perceber que tudo estava ficando estranho, mas depois de cinco anos, ficou estranho mesmo. Os vagalhões do ódio começaram a chegar perto e tive que me defender. As primeiras vítimas foram os extremistas das minhas redes sociais, e acabou com a minha relação com meu pai. Eu não conseguia, e ainda não consigo entender como um ex-hippie, artista plástico, que me deu um padrinho gay, que sempre foi a favor da descriminalização do aborto e das drogas votou num candidato que atacava à mim e às minhas irmãs de forma tão direta, pelo nosso gênero, pela nossa atuação profissional e em nossos próprios corpos. Foi difícil, triste e choroso. Quanto mais ele defende o indefensável, mais eu perco a admiração e mais eu me afasto dele.

E a água suja do ódio continua vindo como Tsunami, né? Em maio desse ano falei com a Netflix sobre diversidade na equipe, tanto na deles quanto na das produtoras com que eles trabalham, e anunciei na Imprensa Mahon uma vaga cuja a prioridade era para pessoas não brancas, ou não cis. Acreditam que um monte de homem branco começou a me acusar de racismo? E, que botaram um monte de robôs denunciando o post até derrubá-lo? Perdemos mais de 700 comentários com links para o Linkedin dos candidatos num post. Fiquei triste e assustada, mas a vaga foi preenchida.

Mas, a onda me pegou mesmo num vídeo que postamos na IM em defesa da Ancine e da Lei do Audiovisual. Um monte de gente, que na linha do nosso presidente, critica e destrói sem ler, sem entender, sem estudar e sem perguntar. Tem gente que critica cota de tela com argumento contra cota racial, que diz que o Estado não deve incentivar o audiovisual, ignorando os exemplos das maiores indústrias do mundo: EUA, França, Alemanha, China e Índia.

Foram algumas horas muito doloridas para apagar comentários de ódio e bloquear os mais agressivos e os robôs. Mas já era tarde demais. Eu já estava toda encharcada e suja com esse ódio ignorante. E, é difícil lavar essa vibe depois. Fazemos a Imprensa Mahon sem dinheiro nenhum, acreditando que a democratização do acesso à informação é o caminho para um mundo melhor. Foi impactante receber tanto ódio por tentar fazer o bem.

E, tudo só piora, censura à produções com temática LGBT, fumaça das queimadas escurecendo São Paulo, governadores comemorando tragédias e um presidente que diz: “chega de especialista, chega de pesquisa!”. Era para o nosso mercado audiovisual estar virando indústria, mas estamos tendo que lutar muito, apenas para não voltarmos ao estágio que estávamos na era Collor.

Vou continuar na ponta de frente da luta pelo audiovisual, na luta por um mundo mais inclusivo e por um país com menos desigualdade social. Sigo firme no Mulheres do Audiovisual Brasil, que conta com mais de 20 mil membras no Facebook, na Imprensa Mahon e na vida. A diferença é que agora uso um escafandro, tanto para lidar com o esgoto das redes sociais quanto para encontrar com o Papai.

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