Racismo e gestão de crise: transformação é a chave

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Opinião

Racismo e gestão de crise: transformação é a chave

Como ser uma empresa sem racismo no Brasil? Só há um caminho: sendo uma empresa antirracista


1 de dezembro de 2020 - 14h34

(Crédito: iStock)

Crises são previsíveis. Claro, há as que nascem do nada, caem do céu como castigo divino. Mais de 80%, porém, nascem de fatores dados. O naufrágio existe porque o barco afunda, simples assim.

Se você tem dezenas de milhares de funcionários, contrata outros milhares de fornecedores e atende a centenas de milhares de clientes todos os dias, em centenas de lojas, as chances de conflitos interpessoais são enormes. Se atua num país tradicionalmente violento e desigual, são maiores ainda. Se contrata segurança terceirizada para prevenir furtos e evitar tumultos, num mercado em que esse serviço, para dizer o mínimo, tem um histórico de problemas, um dos riscos é a força ser mal utilizada.

Como estamos falando do Brasil, há também a certeza de que a maioria dos eventuais episódios de violência, inclusive de clientes contra funcionários, terão o peso do racismo. O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, numa loja do Carrefour, sempre foi uma possibilidade, como demonstram os relatos de outros casos de violência envolvendo racismo e demofobia em ambientes semelhantes. Era, portanto, previsível.

A boa gestão de crise, não custa lembrar, prossegue depois do fim do ciclo de notícias e da avalanche de posts nas redes sociais. Do contrário, vai se contratar a próxima crise. A equipe de PR deve participar ativamente desse processo, tanto na identificação dos riscos quanto na elaboração das estratégias de enfrentamento e acompanhamento. É preciso haver transformação efetiva para eliminar ou minimizar os riscos: revisão de processos, treinamento aos colaboradores, implementação de melhorias e comunicação das mudanças para dentro e para fora. Transformação demora. Em geral, soluções são incrementais. É preciso transparência sobre timing e deadlines. Esse é, em resumo, o roteiro pós-crise.

Mas não estamos falando de um fenômeno sobre o qual a instituição tenha inteira governança e que possa ser mitigado apenas com protocolos. Previne-se um prédio de cair fazendo os cálculos certos e usando materiais e técnicas recomendados pela engenharia na construção. Com a violência e o racismo não é assim. É um campo em que a empresa tem de atuar sobre a cultura interna e fazê-la divergir da realidade social em que se insere, até como forma de colaborar para a mudança desse contexto.

Como ser uma empresa sem racismo no Brasil? Só há um caminho: sendo uma empresa antirracista. Não é fácil, afinal, somos racistas. Mesmo os que dizemos “não sou racista” e evitamos praticar atos racistas nos beneficiamos do estado das coisas. A questão não se prende só aos indivíduos, ainda que os haja racistas. É o conjunto da obra, como bem sabem e sentem os pretos de tão pobres e os pobres de tão pretos dos versos de Caetano.

Não basta assinar compromissos públicos e adotar princípios de inclusão na contratação, até porque, a depender da empresa, o problema pode nem estar aí. A diversidade étnico-racial entre os colaboradores e a presença de negros na liderança, assim como a equidade salarial, são condições essenciais para que a empresa seja antirracista. Empresa com grande multiplicidade de públicos de interesse e muitos pontos de contatos, como uma cadeia de supermercados com quase 500 lojas e mais de 70 mil funcionários, precisa ir além no Brasil.

Como reação à crise, depois do enorme estrago sofrido, o Carrefour anunciou, dentre outras medidas, a adoção de uma cláusula de tolerância zero ao racismo em todos os contratos do grupo com seus fornecedores, prevendo a rescisão imediata em caso de descumprimento. Também prometeu ações regulares de educação para os direitos humanos para os colaboradores. Incentivos, treinamento e cobrança: se implementado, esse é o caminho.

Acionistas e gestores já entenderam que as empresas precisam ter valores e propósitos. Mas é fundamental que não se traduzam apenas em palavras. Com a participação da comunicação e do PR, é preciso disseminá-los pela organização e eles precisam pautar as relações com os diversos públicos de interesse. Do contrário, a marca sempre estará sujeita ao risco de desrespeitar os valores que professa.

*Crédito da foto no topo: iStock

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