Opinião – Paula Nader: Urban hacking
Algumas marcas poderiam (e deveriam) estimular reflexões que só uma experiência pode provocar
Algumas marcas poderiam (e deveriam) estimular reflexões que só uma experiência pode provocar
Meio & Mensagem
9 de setembro de 2014 - 9h32
No meu aniversário ganhei um presente intrigante: um relógio de bolso, em cuja tampa havia um texto escrito em letrinhas minúsculas com uma mensagem quase criptografada.
No dia seguinte falei com o amigo querido que me deu o presente – Mauro Silva, articulista desta mesma coluna até outro dia – que me avisou que não poderia me falar nada e que bastaria eu relaxar e seguir as instruções contidas no próprio relógio.
O texto me levou para um formulário na internet onde, depois de responder se eu seria capaz de guardar um segredo até setembro, se lidaria bem com altura e escadas expostas, se poderia usar botas de trilha e casaco para esportes externos e se seria capaz de ficar duas horas sem ir ao banheiro, agendei minha participação em uma atividade noturna. Cliquei em “enviar”.
Na manhã do dia que eu escolhi, recebi o seguinte email:
Bem-vindo ao Night Heron
Seu convite é um presente – para protegê-lo, não divida estas informações com ninguém:
Você vai entrar às 20h15 hoje, sábado. Entrada somente com a apresentação de seu relógio.
Traga um amigo(a) de confiança. Vista roupa para espaços abertos e calçados de aventura (nada de saltos). Deixe bolsas em casa. Vocês têm quer estar cômodos com alturas e escadas expostas. Cheguem sóbrios. Durante a sua visita de duas horas, não terão acesso a banheiros nem telefones.
Se vier de metrô: na Estação Barra Funda, saia da catraca (…). No final, cruze a rua e sente-se nos bancos da pracinha (…).
Se vier de carro: pode deixar o veículo no estacionamento (…) e esperar nos bancos da praça em frente.
Um motorista de chapéu vai te encontrar. Seja pontual ou ele sai sem você.
Boa viagem
The Night Heron
Chegamos à pracinha, cheia de ambulantes vendendo comida aos viajantes que entram e saem do terminal de ônibus, alguns bêbados circulando e mais um casal usando casacos e botas. Oba. É aqui mesmo.
Às 20h15 chega Brad, o motorista de chapéu, falando português com sotaque de quem cresceu falando inglês. Ele avisa que o que vamos fazer tem algo de ilegal e que, por isso, teremos que ir sentados no chão da Kombi. Antes de partir, entregamos a ele nossos celulares, que foram devolvidos ao final do que posso chamar de aventura.
Antes do desembarque, a orientação é para manter silêncio total: começou a parte “proibida”: guiados por um casal que parecia ter saído de um filme do Tarantino, invadimos um terreno, passamos um tempo que não sei calcular caminhando pela margem de um riacho, no meio de um matagal, no breu de uma noite sem lua, passando por frestas em muros e grades entortadas até chegar aos pés de uma árvore enorme, onde estava encostada a primeira escada exposta, feita de madeira, que nos levou ao meio da árvore, de onde saía uma ponte flexível feita com uma fita estreita, cabos de aço e uma rede de proteção, passando sobre outro riacho.
Pânico. Odeio pontes flexíveis. Odeio. Mas não dava pra voltar e a essa altura, sem trocadilhos, a curiosidade era maior que o medo.
A outra extremidade da ponte estava presa a uma árvore ainda mais alta e majestosa e, terminada a ponte, subimos outra escada exposta, subimos, subimos, subimos até chegar… em um bar.
Um pequeno e charmoso espaço de madeira iluminado por candelabros, onde um anfitrião de bigode, depois de nos preparar um drink, pegou um violão e tocou uma seleção deliciosa de músicas, deixando na minha cabeça um trecho que dizia “we’ve built a tree house, nobody can see us, it’s a you and me house”.
A experiência me permitiu estar 100% presente.
E me fez pensar sobre minha cidade: sobre os contrastes sintetizados na pracinha, sobre os riachos abundantes totalmente poluídos, em um momento onde a seca nos preocupa como nunca, sobre segurança e insegurança, sobre espaços abandonados e o que poderia acontecer em um bosque com vista (anônima, inédita e invisível) para as luzes da cidade.
Sobre a vontade que qualquer pessoa que vive em um centro urbano como São Paulo teve, tem ou terá de ir embora, versus a responsabilidade de cada um. Sobre qual é a minha responsabilidade. Sobre como algumas marcas poderiam (e deveriam) estimular reflexões que só uma experiência pode provocar.
¿Que te parece?
P.S.: Se quiser saber mais, pesquise o que o designer N. D. Austin e seus comparsas andam fazendo por aí.
* Paula Nader é diretora de marca e marketing do Santander e escreve para o Meio & Mensagem mensalmente. Este artigo está publicado na edição 1626, de 8 de setembro de 2014, de Meio & Mensagem, disponível nas versões impressa ou para tablets Apple e Android.
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