A insegurança veste estupidez

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Opinião

A insegurança veste estupidez

O modelo de gestão que tem como premissa básica o temor, independente do regente ser brilhante ou não, costuma gerar genéricos, gente que se impõe na marra, na ausência de punição


21 de agosto de 2017 - 15h59

Nem sempre as anotações ganham corpo para virar um artigo. Às vezes, aquele rabisco fica ali quietinho, esquecido no canto, coberto de água e farinha, à espera de um novo olhar, da ação do tempo. Encerrei meu último texto assim: a parte mais simples de imitar o Steve Jobs é ser carrasco com a equipe. Para isso, não precisa ser gênio, basta ser idiota. O que escrevo a partir de agora é uma fermentação natural desse trecho.

 

 

Créditos: reprodução

Para dar um pouco mais de sabor, adiciono a história real de uma pessoa que certo dia cansou-se de falar palavrão quando percebeu que isso reduzia o seu vocabulário. Fico pensando as trocas possíveis, que esse personagem agora faz. Deu para falar absolutamente magistral no lugar de “do caralho”, grandissíssimo canalha de nariz adunco ao invés de “filho da puta”. Imaginação à parte, essa decisão nos leva a refletir sobre o encurtamento do raciocínio, sobre o uso fácil e irrestrito do palavrão (sim, sou culpado), sobre o xingamento como disfarce para a incapacidade de argumentação. O palavrão na hora certa é insubstituível e deve ser preservado para topadas, erros do árbitro, aquele momento em que você se toca que perdeu o retorno.

O mesmo vale para o grito como recurso de poder. O berro, o brado, o urro, o guincho, o chilique no meio do salão. Muitas vezes, escuto que é preciso ser muito duro com a equipe para que o bom trabalho apareça. Em geral, essa defesa vem acompanhada de exemplos. Já ouvi a comparação com o Bernardinho, de como ele grita com os jogadores na beira da quadra, que isso forma vitoriosos. O técnico e a sua equipe de assistentes são profundos estudiosos do jogo, obsessivos, dedicados e mudaram o vôlei mundial. Gritar na beira da quadra é o detalhe que menos importa. E o mais fácil e óbvio de replicar. Olhar o Bernardinho mordendo a bola ou vociferando e achar que esse é o resumo da estratégia é profundidade horizontal, piscina de criança. Ali, o grito na quadra ainda tem lá a sua função de se sobrepor ao barulho da arquibancada, de se fazer ouvir pelos atletas em meio a zoeira. Ainda assim, a última seleção reagia diferente ao comando. Foi o seu filho Bruno quem fez o alerta. E mesmo tão vencedor, o técnico teve que rever a sua postura, encontrar outro caminho.

No campo corporativo, o grito ainda surge como ferramenta primitiva para instaurar o medo ou cimentar o respeito. Isso para não falar do assédio moral, das ofensas, do desrespeito, da humilhação. Na Berlin School, ao discutir modelos de comando mundo afora, era visível o espanto da maioria dos colegas, especialmente os escandinavos, quando mencionava essa cultura “top down”. Em uma agência, não há algazzara da torcida como desculpa, há o silêncio do ambiente como palco, o “ufa, não foi comigo” como perpetuação de um modelo regido pelo profissional senior de engenho.

Volto ao Steve Jobs e a redução conveniente. Ele era um gênio, reproduzir apenas a face dura não faz de ninguém algo próximo a ele. Na verdade, o modelo de gestão que tem como premissa básica o temor, independente do regente ser brilhante ou não, costuma gerar genéricos, cópias baratas. Gente que se impõe na marra, na violência silenciosa de que contrapor o modelo é certeza de nunca mais ser contratado, na ausência de punição.

Sabe aquela frase “stop making stupid people famous”? Talvez seja a hora de pensarmos mais profundamente sobre o que ela significa no âmbito empresarial, de relevar menos. Pois como já dizia Bill Bernbach, a vida é curta demais para se passar ao lado de sacanas desprezíveis. Bom, na verdade ele falou um palavrão, mas já estou exercitando meu dicionário de sinônimos.

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