A voz da quebrada
Jovens da periferia sonham com empregos e oportunidades reais dentro da favela, e não a quatro horas de distância de suas casas
Jovens da periferia sonham com empregos e oportunidades reais dentro da favela, e não a quatro horas de distância de suas casas
Li outro dia que 30% dos jovens de São Paulo sobrevivem em situação de vulnerabilidade social, isso dá um total de 766 mil pessoas que têm entre 15 e 29 anos. Para mim, vulnerabilidade social é um termo bonito que, em geral, quer dizer falta de acesso e de esperança para construir um futuro melhor. Mas, em uma realidade onde as empresas ocupam cada vez mais o lugar do governo, e se propõem a mudar positivamente e definitivamente a sociedade, nós estamos falando também de 766 mil oportunidades de realizar uma transformação real, isso só em São Paulo, que é a maior e mais rica cidade do país. Imagina se fosse em todo o Brasil?
O que impede as empresas de avançarem com mais velocidade nesse caminho talvez seja o enorme abismo social/cultural que existe entre quem está à frente das empresas e esses jovens da quebrada que sobrevivem em situação de vulnerabilidade. Essas pessoas somos nós: eu, as minhas amigas e amigos. Como entender de fato o que queremos? Como trazer para dentro das empresas esses talentos, que trazem um olhar tão rico e necessário para o Brasil, de forma progressiva e duradoura? Como criar uma comunicação que converse diretamente com esses jovens?
Acho que a resposta passa por dois pontos: educação e acesso. Preparar e abrir portas. Mas antes ou junto com isso, que não é pouco, é importante perguntar aos jovens: O que eles querem? Com o que sonham? Do que sentem falta? Realizar aquela famosa pesquisa de público-alvo. Porque os jovens da quebrada estão cansados de ver manchetes de jornal e/ou campanhas publicitárias que não representam a realidade deles.
Para ajudar, fiz uma pesquisa básica com a turma que trabalha comigo na startup social New School, (todos eles periféricos), e com jovens do Jardim João XXIII, na Zona Oeste de São Paulo, e de Diadema, na Zona Sul, e cheguei a algumas conclusões que compartilho abaixo, com a intenção de diminuir distâncias e ampliar horizontes.
Muito mais do que só o básico, nós queremos os sonhos – é claro que queremos saúde, segurança, educação e o fim da fome nas favelas. Mas queremos também uma casa estruturada e própria, o carro e a moto para passear no fim de semana, os tênis de marca e as roupas de qualidade.
Oportunidades e respeito, dentro e fora da periferia – Sonhamos com empregos e oportunidades reais dentro da favela, e não a 4 horas de distância da nossa casa. Mas se a Faria Lima nos chamar, é claro que também vamos ficar felizes em encarar o transporte público para chegar até lá. Queremos sair das nossas casas e saber que o mundo também é nosso ou continuar na quebrada porque escolhemos e não por falta de opção. Queremos desfrutar das nossas conquistas, das nossas raízes e alçar os nossos voos. Quem não quer?
Lazer, cultura e acolhimento – Precisamos de espaços físicos que acolham as famílias carentes, que não têm estrutura para o mínimo de lazer. Oficinas que incentivem a criatividade das crianças e mostrem aos pais novas opções para seus filhos; o reconhecimento do esporte nacional nas quebradas e o patrocínio das competições periféricas que não passam na tela da TV.
Capitalismo humanizado – O economista Thomas Piketty já apostava nisso há muito tempo. Mas agora que o ESG despontou como obrigação das grandes empresas, existe um real interesse em fazer alguma coisa concreta em prol da sociedade. O problema é que ainda é muito pouco se olharmos para as reais necessidades dos brasileiros que seguem matando dois leões por dia para sobreviver. Existe uma grande falácia e pouquíssimas atitudes que realmente atendem à demanda social do nosso país. A quebrada sempre quis ser notada e valorizada pelas próprias ideias e os seus talentos e não pelos estereótipos violentos e medos irracionais que rondam a favela. Chegou a hora de revolucionar essa realidade. Assume essa responsa com nois?
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