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Opinião

Abrace o caos e a força da sua comunidade

Comunidade é um grupo de pessoas que pode, proativamente, alavancar uma marca, gerar novos produtos e modelos de negócio – se divertindo com isso


25 de outubro de 2023 - 9h58

Pense no tempo que você – ou qualquer pessoa que não more numa caverna – passa diariamente interagindo com suas comunidades, virtuais e presenciais. Você vai perguntar o que quero dizer com “comunidade”. Para o raciocínio que vou seguir aqui não é preciso uma definição sociológica, pode considerar simplesmente “qualquer grupo do qual você participa espontaneamente, por algum interesse, e não por obrigação”. Podem ser grupos de WhatsApp dos amigos da faculdade, do clube. Dos ex-colegas de uma empresa, das mães do colégio, de adoção de pets. Pense em grupos de interesse de qualquer rede social: fã clubes, grupos de fanfic, de apaixonados por carros placa preta, de pôquer, pode escolher. Você verá que muita gente hoje passa mais tempo interagindo com esses grupos que com a própria família.

As pessoas sempre quiseram se agrupar com quem tem interesses afins, mas esse comportamento hoje é mais forte do que nunca. Isso porque as comunidades a que cada um se afilia são, cada vez mais, parte de sua identidade, de suas motivações e de sua realização pessoal. Essa conclusão foi bem visível aqui em Banff, no Canadá, durante essa décima edição do The Gathering, um evento que propõe uma imersão no mundo das marcas, não somente sob o aspecto do branding ou da publicidade, mas também da cultura corporativa, do propósito e da conexão com seus públicos. Esse último tema, da conexão, é exatamente o que leva cada vez mais marcas a buscar o tipo de relação com as pessoas que gera uma comunidade – aquela baseada num interesse genuíno e espontâneo.

O tema surgiu de todos os lados. Um caso riquíssimo está na Traeger, uma marca de churrasqueiras de alta tecnologia, daquelas que só se acha nos Estados Unidos – com direito a regulagem digital de temperatura e fogo de lenhas aromáticas, vendidas em pellets. Ela se beneficia por trabalhar com um produto que já cria uma experiência comunitária, vivida com os amigos ou parentes, que é o churrasco. Pois a Traeger cresceu em valor de US$ 70 milhões em 2013 para US$ 785 milhões em 2021, tomando o mercado de assalto, porque milhões de fãs passaram espontaneamente a compartilhar online receitas, dicas, e fazer vídeos sobre suas descobertas. De certa maneira parecido com as pessoas que por aqui são doidas por airfryers. Só que, nesse caso, com um nível de paixão multiplicado. Elas fazem diários de receitas, vídeos ensinando as crianças a usar, e por aí vai.

Toda marca pode criar comunidades? Mais ou menos. Tom Herbst, que levou a marca The North Face a se tornar o que é hoje, comentou em sua apresentação que algumas empresas podem ter como meta, e até como propósito, algo muito simples como simplesmente facilitar o pagamento de impostos das pessoas e empresas. Isso não vai gerar mobilizações, nem comunidades, e também não é um problema. Só que, no mundo conectado, muitas empresas também têm a oportunidade de crescer, com as comunidades, de uma maneira que não existia antes. Isso não significa apenas se apoiar em uma fanbase para vender mais. Pode significar novos modelos de negócio, novas formas de estruturar e pesquisar produtos, novos tipos de serviços a oferecer. Ou um caminho para alinhar e motivar a própria equipe da empresa, entre outras coisas. A oportunidade não se limita a startups e empresas digitais. Mesmo um gigante como o McDonalds aproveitou um movimento de “hackers de sanduíche” para finalmente tornar oficial o Big Mac Chicken – algo que eles identificaram que a comunidade de fãs fazia e postava nas redes.

Uma das oportunidades que tivemos foi justamente de escutar uma das maiores especialistas no assunto, Laura Nestler, Vice-Presidente de Comunidades do Reddit. “Eu tenho ‘comunidades’ na descrição do meu cargo há 18 anos, e só vi a demanda por essa função aumentar desde então. Foi um crescimento explosivo”, comentou. Ela já trabalhou nessa área para apps como o Duolingo, de ensino de línguas. Para portais como o Yelp, de avaliações e recomendações de bares, restaurantes e lojas. E também para fundos de venture capital como o Andreessen Horowitz. Hoje ela zela pela audiência do 6º site mais frequentado dos Estados Unidos e o 10º do mundo, o Reddit, um portal justamente focado em comunidades de diversos assuntos. Ela trouxe lições muito relevantes sobre como lidar com elas:

“Comunidade não é uma lista de distribuição. Não é uma base de usuários. A comunidade não é um público. Público é quem recebe uma mensagem. A comunidade recebe mensagem mas também fala entre si e responde de volta”.
“Recentemente ouvi um importante palestrante do setor dizer que as pessoas não querem comprar coisas, elas querem se juntar a um movimento. Certo? Às vezes. Mas às vezes você só quer comprar uma xícara de café ou trocar o óleo, sem aderir a um movimento. E não estou aqui para convencê-los do contrário. Na verdade, estou aqui para fazer exatamente o oposto. Queria dizer que a maioria das marcas não está pronta para isso. Elas não são capazes e, francamente, não são corajosas o suficiente para aproveitar a energia que pode ser gerada por uma comunidade, porque isso significa abrir mão do controle”.

“Cada comunidade tem sua rede de normas, gírias, piadas internas e valores. Sua cultura. Se você não respeitá-las, terá problemas”.

“Pense em uma enciclopédia digital comercializada por uma das maiores empresas do mundo, escrita por grandes especialistas, pagos para criar conteúdo. Agora pense em uma enciclopédia colaborativa, gratuita, produzida por voluntários, financiada por doações. Nenhum economista em sã consciência diria que a segunda opção venceria. Mas venceu, e a Wikipedia concorria com a primeira opção, que era a Encarta, da Microsoft. Hoje mais de um bilhão de pessoas a consulta todo mês. São mais de 60 milhões de páginas, produzidas e atualizadas por uma comunidade de mais de 200 mil pessoas extremamente motivadas”.

“O crescimento através da comunidade vem quando ela não somente participa, mas ajuda a moldar o que está sendo feito. Eles são essenciais para atingir o objetivo final. Por isso a marca precisa estar preparada para ouvir e evoluir com esse feedback”.

O desafio é aprender a identificar essas comunidades e entender como impulsioná-las ou fazer parte sem tentar assumir o comando. As pessoas é que são as verdadeiras protagonistas – e as marcas que tem a sorte de ter uma comunidade construída à sua volta devem se acostumar a abraçar tanto as coisas boas quanto o caos que vem com esse movimento tão orgânico e, ao mesmo tempo, tão autentico. É um novo jogo. Mais complexo e mais desafiador. Mas que, em muitos setores, vai definir quem fica na liga principal. E, nesse caso, a torcida entra em campo.

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