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Algoritmo não lota estádio

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Opinião

Algoritmo não lota estádio

Nos últimos tempos, temos confundido alcance com permanência, mas alguns artistas, com suas trajetórias, têm nos mostrado outro caminho


25 de junho de 2025 - 6h00

Recentemente, o Allianz Parque, em São Paulo, recebeu um daqueles eventos que dizem muito sem precisar dizer nada: Paralamas do Sucesso, em um de seus maiores shows solo em estádio, diante de quase 50 mil pessoas. A banda, que celebra 40 anos de carreira, subiu ao palco com uma mensagem clara: não se lota um estádio sem repertório.

E aqui, não falo só do setlist. Falo do repertório de vida. Da cancha. Da estrada. Daquilo que se constrói ao longo de décadas, e não em semanas. Não há tráfego pago que transforme um hit instantâneo em hino de arquibancada. Não se constrói comunhão com músicas que apenas preenchem o agora. Comunhão exige canção que já viveu com as pessoas nas festas, nas dores, nos amores e nos lutos.

Nos últimos tempos, temos confundido alcance com permanência. Plays com presença. Tendência com trajetória. E isso não é um erro, mas um equívoco de leitura; compreensível, até. Vivemos uma era veloz, faminta por relevância e sedenta por engajamento. Mas alguns artistas, com suas trajetórias, têm nos mostrado outro caminho.

Forfun. Gilberto Gil. Natiruts. Ney Matogrosso. NXZero. Paralamas. Titãs Encontro. Esses shows, por exemplo, não foram apenas eventos. Foram capítulos de uma aula, ou melhor, de uma faculdade sobre o que é ter estrada. Sobre como se constrói vínculo, memória e pertencimento.

E, sim, existe uma estratégia aí. Mas não a estratégia da pressa. Não a que mira somente conversão. Falamos da estratégia que entende o tempo como aliado. Que anuncia com antecedência para aquecer corações e reacender histórias. Que resgata o que foi esquecido e amplifica o que nunca foi perdido. Uma estratégia que valoriza a curva, não o pico. Que entende que legado não se escala com ansiedade, mas com cuidado.

Aquela noite, e tantas outras, nos lembram que não se lota um estádio com o que preenche o agora. Lota-se com o que atravessa o tempo. Lotar um estádio em 2025 é mais do que um feito. É um manifesto. É a vitória da estrada sobre a maratona de relevância semanal. É o aplauso para quem construiu um corpo de obra, e não apenas um corpo de fãs.

Que mais artistas, mais profissionais e mais marcas compreendam isso. Porque o futuro da música não está na viralização. Está na construção. E construção se faz com tempo, estratégia e repertório.

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