Vontade de vencer
Recorde do Brasil em Cannes se dá por um mix favorável que inclui desde o óbvio talento criativo até aspectos intrínsecos para a sobrevivência em ambientes de alta competitividade, como investimento e desenvoltura
Recorde do Brasil em Cannes se dá por um mix favorável que inclui desde o óbvio talento criativo até aspectos intrínsecos para a sobrevivência em ambientes de alta competitividade, como investimento e desenvoltura
Sob diversos aspectos, 2025 foi o ano do Brasil em Cannes.
As concorrentes brasileiras investiram alto, aumentando em 32,4% o caro envio de peças aos 30 júris que compõem o Festival Internacional de Criatividade.
O primeiro passo para um bom desempenho é justamente este: um País, uma agência ou uma marca só conquista muitos prêmios em um evento como o Cannes Lions se fizer presença ostensiva.
Isso envolve não somente pagar o peço cobrado pelas inscrições, mas destinar tempo e dinheiro à elaboração dos videocases e dedicar-se ao lobby de influenciar a decisão dos profissionais escalados para o júri.
Os brasileiros fazem isso muito bem. Têm não só o talento natural para a criatividade que gera boas ideias, mas são mestres em viabilizá-las, mesmo com adaptações que facilitem a aprovação de alguma marca ou mesmo a adesão de alguma ONG.
Essa desenvoltura já está, inclusive, exportada para diversos outros países — no ano passado, Meio & Mensagem contabilizou a presença de profissionais brasileiros em nada menos que 47% dos cases vencedores de Grand Prix. Não é algo trivial.
Além disso, nos últimos anos, houve uma aproximação ainda maior do mercado brasileiro às instâncias decisoras do evento, influenciando em maior diversidade nos júris e abrindo caminho para maior presença e mais ativações do País no evento.
Essa relação foi fundamental na semana passada para que a Droga5 São Paulo fosse reconhecida pelo festival como coautora do Grand Prix de Media, já que era sua a ideia criativa do case vencedor, inscrito pelo escritório de Nova York da Mindshare, rede de agências de mídia do grupo WPP, sem os créditos corretos.
A tendência da organização do evento é a de mexer o mínimo possível na autoria dos trabalhos premiados, pois isso afeta muitos interesses, como as pontuações de agências, redes e holdings do ano, disputas que deixam os bastidores do festival bastante nervosos durante toda a semana.
Todas querem sair bem na foto, aparecerem como expoentes do principal ativo da indústria: a criatividade. Elas sabem bem que isso ajuda a gerar negócios, manter equipes engajadas e atrair novos talentos e mais clientes.
Nesse ponto é que se ressalta um dos aspectos mais criticados do Cannes Lions. O principal festival criativo da indústria é o tapete vermelho da alta costura.
Portanto, há ali pouco espaço para a publicidade trivial do dia a dia, aquela que pode estar fazendo bem a sua função de incrementar vendas, de construir marcas, mas sem o brilho necessário para atravessar o Atlântico e voltar com a mala cheia de Leões.
Embora seja, hoje, muito mais valorizado que no passado por executivos de marketing, e apesar da maior atenção à eficácia das campanhas — que transformam alguns vídeocases em delírio do que se gostaria de ter sido —, Cannes não é o Effie.
Uma passada de olhos nos cases vitoriosos torna de fácil identificação cases focados em salvar o mundo e assinados por marcas de ONGs que não têm preocupação mercadológica.
Para as intenções da indústria, esse aspecto não tira a atratividade de Cannes para arejar e estimular a criatividade, aumentar a conexão com clientes e prospects, e elevar a aspiração de toda a indústria pela busca do excepcional, do incomum, do encantador. Em um festival que distribui perto de 900 troféus, evidentemente esse objetivo é alcançado apenas por uma minoria.
Foi nesse ambiente que o Brasil chegou forte e vaidoso à 72ª edição do evento, como primeiro homenageado com a nova distinção de Creative Country of the Year, trio elétrico na rua e reverências a um de seus maiores ícones: Washington Olivetto.
E, se o propósito de competir é ganhar, não poderia ter havido melhor desfecho do que a melhor performance da história da participação brasileira no evento, com 107 troféus, o impressionante recorde de 6 Grand Prix, o terceiro Titanium do mercado nacional e, ainda, 18 Ouros, 35 Pratas e 47 Bronzes.
Como narra o especial sobre o Cannes Lions 2025 nesta edição, nunca é possível prever qual será o saldo final do festival, pois não é só o talento e o merecimento que contam.
Há caminhos muito mais tortuosos entre a inscrição e o Leão, como bem mostrou reportagem recente de Meio & Mensagem. Todavia, um ingrediente básico para criar um ambiente favorável é a vontade de vencer. E isso o brasileiro tem de sobra.
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