Propósito com propósito (uma reflexão sobre marcas)
O que me incomoda é essa obsessão por tê-lo a qualquer custo, porque, se é preciso forçá-lo, talvez ele não seja tão verdadeiro assim
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Assim como a Paula Marchiori — estrategista de branding e ESG com quem tive o prazer de trabalhar por alguns anos — e tantos outros autores, também me pego questionando essa busca incansável pelo tal “propósito” nas empresas. Não que eu desacredite do valor de um propósito genuíno, muito pelo contrário. O que me incomoda é essa obsessão por tê-lo a qualquer custo — porque, se é preciso forçá-lo, talvez ele não seja tão verdadeiro assim. Concorda?
Este ano tive o prazer de começar a dar aulas em um curso de pós-graduação em branding, na disciplina de estratégia de marca. E chegou o dia de abordar o conceito de “propósito” com a turma. Simon Sinek na tela, sua famosa citação projetada: “Quando sabemos por que fazemos o que fazemos, tudo se encaixa. Quando não sabemos, temos que forçar as coisas para se encaixarem.” Olhos atentos. Um “ain, eu amo o Simon” ecoa pela sala.
E eu, ali na frente, já sabia que nas próximas telas viria o questionamento. Será que é mesmo por aí? Será que todas as marcas têm um propósito?
O sucesso do “Comece pelo porquê”, de Simon Sinek, aliado à tendência (ou melhor, valor) de uma geração que busca por propósito — tanto pessoal quanto nas marcas que consome — desencadeou uma enxurrada de propósitos de todos os tipos. Propósitos para marcas, para produtos, para campanhas. Como se bastasse ter uma frase de efeito para que tudo magicamente se alinhasse. Como se qualquer marketing de causa bastasse para fazer um propósito ser visto como verdadeiro — ignorando o óbvio: propósito se constrói no dia a dia. Ele vive na comunicação, nos produtos e serviços, na cultura interna. Não é simples ou trivial ter propósito.
Mas é possível ter um propósito mesmo depois de a empresa já estar em operação? Lógico que sim. Mas isso exige um exercício genuíno de olhar para dentro, revisitar práticas, valores, a origem, o jeito de fazer as coisas. Não se trata de inventar um propósito do zero e, sim, de reconhecer o que já está na essência da empresa — ainda que informalmente — para, então, lapidar e amplificar isso.
Patagonia e Ben & Jerry’s são exemplos sempre citados, justamente porque, ao revisitar suas origens, o “porquê” já estava lá. E elas seguem, com coerência entre discurso e prática — embora até elas escorreguem, vez ou outra. De novo: não é fácil.
Terminei esse capítulo da aula com o que realmente acredito: nem todas as marcas precisam ter um propósito, mas todas precisam ser responsáveis. Ter propósito é um exercício diário, que exige ações alinhadas para que esse propósito se concretize no mundo. Por isso, Sinek diz “Comece pelo porquê”, e não “Faz aí o que der e depois a gente encontra um propósito num retroplanning brainstorm criativo” (inclusive, esse título, além de enorme, dificilmente venderia tanto).
Num mundo que clama por ações com impacto consciente, é preciso estar atento. É nosso papel — como estrategistas, designers, profissionais de marketing e todos que atuam com marcas — garantir que as recomendações nos projetos ajudem empresas a tomar decisões melhores. Seja para manter propósitos vivos e coerentes, seja para manter marcas responsáveis pelo que colocam no mundo.
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