Opinião

Bad Bunny e o soft power porto-riquenho

Como o artista transformou shows em um manifesto cultural que injeta R$1 bilhão na economia local

Zé Macedo

Jornalista e CEO da one2one 5 de setembro de 2025 - 15h00

O concorrido verão do Hemisfério Norte ganhou mais um destino neste ano: a histórica residência de 30 shows que o cantor Bad Bunny realiza em sua terra natal, Porto Rico. Lebron James, Penélope Cruz, Austin Butler, Mbappe, Ricky Martin são algumas das celebridades que já marcaram presença nas apresentações.

Além de injetar mais de US$ 200 milhões (cerca de 1 bilhão de reais) na economia, de acordo com a agência Discover Puerto Rico, a ilha caribenha receberá até o final dos shows cerca de 600 mil visitantes – o que representa um crescimento de 100% para o período – de julho a setembro.

Pequenos negócios, lojas, restaurantes e bares estão sendo impactados. Novos empregos, mesmo que temporários para atender à alta demanda, foram gerados. No mês de julho, o Tinder reportou um aumento de 35% no uso do aplicativo de relacionamento em Porto Rico. Para a indústria de hospitalidade e entretenimento da ilha, o efeito Bad Bunny é real.

A capacidade de um país/território influenciar por meio de atração e persuasão, conquistando poder e prestígio sem o uso da força, é conhecida como soft power (poder brando, em tradução livre). Características sócio-culturais, estética, música e gastronomia ajudam a criar desejo. A residência do artista proporciona uma imersão na cultura local. É sobre vivências e experiências.

Se o marketing tem olhado para o mercado de entretenimento/experiências na busca de fisgar a atenção de possíveis consumidores, Bad Bunny nos dá uma aula sobre soft power local. E vai além: ele rompe com a lógica vigente de ir a destinos já estabelecidos para esse tipo de turnê, como Las Vegas, ao convidar seu público para assisti-lo em Porto Rico, sua casa.

Os millennials cresceram com o modo de vida americano amplificado por Hollywood e artistas pop globais. Na era das redes sociais com maior pluralidade de narrativas, para a geração Z, o movimento do K-Pop na música ganha espaço na cena mundial e movimenta a economia.

Segundo dados da revista Fortune, o BTS, maior grupo do estilo, gerou mais de 29 bilhões de dólares para a economia da Coréia do Sul, entre 2014 e 2023. A cada 13 turistas que visitavam o país em 2017, um era motivado pelo grupo.

Bad Bunny, por meio de sua narrativa e movimentos na indústria do entretenimento, empodera a ilha caribenha e os lá nascidos. E mais: ao tratar de latinidade, esse impacto transcende Porto Rico, ressoa e acolhe toda uma comunidade que cresceu com o sentimento de não-pertencimento. Segundo moradores, há um aumento considerável de brasileiros e pessoas de outros países da América Latina indo para a ilha.

Além de turistas, a residência tem atraído marcas e eventos globais. Para celebrar os 4 anos de colaborações com o artista, a Adidas realizou uma exposição com mais de 150 criações resultantes desta parceria, no Museu de Arte de Porto Rico. “De Puerto Rico para el mundo: la historia de una collab” possibilita um mergulho no impacto cultural da colaboração entre o artista e a marca.

No mesmo mês, em agosto, a gigante do sportswear e a equipe Mercedes-AMG Petronas levaram uma demonstração inédita da Fórmula 1 para as ruas de Porto  Rico. Na ocasião, a primeira vez que um carro de F1 pisou na ilha, Bad Bunny foi anunciado embaixador cultural do time Mercedes-AMG Petronas F1 – um modelo de tênis assinado pelo artista juntamente com as duas marcas será lançado em breve.

Com isso, Bad Bunny fomenta o diálogo com marcas globais e ativações tendo como ponto de partida e território Porto Rico, alterando a lógica do mercado publicitário e da indústria do entretenimento mundial. Ao invés de “levar” a ilha para outros centros, como Nova York ou Paris, as marcas foram até lá realizar ações, fomentando a cultura e o entretenimento local.

É uma mudança de paradigma, sobretudo em se tratando de América Latina que, historicamente, opera como um latifúndio produtor para o Norte Global.

A escolha de Porto Rico para a residência não é aleatória na carreira de Bad Bunny. Pelo contrário: ele sempre enaltece a ilha em suas músicas, entrevistas, aborda o sentimento saudoso de casa – identidade nacionalista comum a vários artistas porto-riquenhos, como Daddy Yankee, Wisin & Yandel, Residente, Luís Fonsi.

O álbum “Debi Tirar Más Fotos”, o 6o da carreira do artista, é o ápice dessa carta de amor a PR e suas raízes, no qual ele reflete sobre o tempo e como devemos aproveitar mais a vida ao lado de quem amamos. A residência “No Me Quiero Ir de Aqui” é a ponta da narrativa que coroa toda a trajetória do herói que sai de casa, ganha o mundo, mas não esquece os seus. E volta. PR nunca saiu de Bad Bunny.

O show já começa muito antes de entrar no estádio, em uma área aberta ao público. Do lado de fora, a organização montou uma feira ao ar livre que proporciona uma pequena amostra cultural. Se somam às ativações das marcas patrocinadoras barracas com bebidas e comidas típicas, espaços que exaltam a flora e fauna da ilha e apresentações de “la bomba”, que mistura música e dança. Um pedacinho de Porto Rico está ali.

Na arena, o show acontece em dois palcos: um com referências ao relevo e a vegetação da ilha e outro que traz uma pequena casa onde o artista recebe convidados e amigos, além de cantar na laje da casinha – espaço tão comum a nós latinos que crescemos nas periferias.

Se para muitos que visitam a ilha as praias caribenhas eram o foco, os fãs do artista ampliaram o roteiro para bairros citados em suas letras, seus restaurantes e bares favoritos. O pacote VIP do show disponibiliza uma série de recomendações de lugares para ir, em bairros diversos, e com agendamento prévio.

Além dos produtos de merchandising disponíveis para a compra na residência, o artista realizou colaborações com marcas de moda local para a criação de peças exclusivas – e seus fãs fazem fila na porta da loja.

É uma imersão na casa de um artista que, desde o início, traz a ilha como cenário de sua arte. Não é sobre ir ao show apenas, mas ir ao destino caribenho, aprender mais sobre cultura e história, e consumir produtos locais.

Além do impacto global para quem desconhecia a história da ilha, a residência tem fomentado o sentimento de orgulho dos porto-riquenhos. No show, homens usam o chapéu identitário da cultura local, enquanto as mulheres adornam os cabelos com a flor de hibisco porto-riquenha.

“Para aqueles de nós que tiveram que partir, mas sonham em voltar. E para aqueles de nós que ainda estão aqui: Não queremos partir! Ainda estamos aqui!”, fala o artista ao final de uma de suas canções.

Em uma terra onde muitos se sentem forçados a deixar a ilha em busca de melhores oportunidades na parte continental, tudo isso soa como um resgate de identidade. No estádio lotado com 18 mil pessoas, a sensação é de catarse.

Na música título do álbum, amigos se abraçam, familiares de várias gerações se beijam, netos e avós dançam, celebram, choram.

Após a residência, o artista inicia a turnê global “Debí Tirar Más Fotos”, que vendeu 2,6 milhões de ingressos em apenas uma semana e passa por São Paulo em fevereiro de 2026 – o que prova para a indústria musical que artistas que cantam em espanhol podem conquistar o globo com o mesmo apelo comercial de outros gigantes que pautam suas criações na língua inglesa.

Bad Bunny está colocando Porto Rico no palco do mundo, mostrando o quão influente um artista latino pode ser, especialmente fora da indústria musical.

Antes de ditar suas regras, Bad Bunny precisou se inserir e dialogar com o global, chartear nos rankings da Billboard e plataformas de áudio, ser o artista mais ouvido do Spotify entre 2020 e 2022. Apenas em 2022, acumulou 18,5 bilhões de streams no Spotify, se tornando, pelo terceiro ano consecutivo, o artista mais ouvido do mundo na plataforma. Seu antepenúltimo álbum “Un Verano Sin Ti” é o disco latino com o maior número de reproduções no Apple Music.

Somente após todos esses feitos, que consolidam seu nome globalmente, tendo criado uma comunidade em torno de si, entendendo seu protagonismo na indústria musical, ele consegue propor uma residência dessas ao mercado.

Como diz o artista em certo momento do show: “aonde quer que você vá, bata o teu tambor”. Bad Bunny, com sua ópera pop decolonial, nos mostra que as veias da América Latina seguem abertas, mas pulsantes.