De quarentena com o ex
O risco de nos apaixonarmos por um plano que não vai mais acontecer
O risco de nos apaixonarmos por um plano que não vai mais acontecer
Todos os dias, olho pra ele com saudades. A MTV tem razão… Ficar 60 dias confinado com o ex é muito mais difícil do que parece. Dá um sentimento esquisito. Um aperto no peito. Uma vontade de fazer o relógio voltar. Um desejo de reviver tudo aquilo que a gente já fez um dia. Saudades mil de você, meu ex-plano de marketing. Sinto muito a sua falta, meu ex-orçamento.
Se essa também é a sua sensação, sente comigo e vamos discutir a relação. Mais cedo ou mais tarde, todo mundo precisa dar uma examinada no coração. E uso essas palavras porque tenho certeza de que profissionais de comunicação e marketing têm uma relação diferente com o seu trabalho. A gente se apaixona pelos produtos, serviços, campanhas e planos. Talvez seja uma patologia ou talvez parte da descrição de cargo. Mas nem pense em colocar um dedo nesse Big Mac, porque o filho é meu. Quando a gente lê nas redes sociais uma crítica boba àquela campanha que deu uma trabalheira, o sangue ferve. Isso tem um nome: paixão pelo que fazemos.
E isso não é, necessariamente, um problema. É justamente por meio dessa paixão que nascem estratégias e campanhas incríveis. Briefings carregados de sentimento despertam a criatividade mais profunda. A arte do marketing passa pelo entendimento das verdades humanas que usamos de gancho. E a gente acaba se envolvendo. Quem nunca? Já trabalhei com hambúrguer, batatinha, sorvete, escova de dente, absorvente feminino, remédio pra gripe, creme pra assaduras e até reguladorintestinal. E com todos eles rolou essa química sentimental.
Mas esse envolvimento carrega no porta-malas um efeito colateral: o risco de nos apaixonarmos por um plano que não vai mais acontecer. De ficarmos apegados àquela ideia que parecia tão genial ou àquele projeto que finalmente ia sair do papel.
Saudades daquela verba, né, minha filha? Mas não tem jeito. É hora de desapegar. E de entender que o seu trabalho não é vender um produto. Nem realizar projetos. O que você faz é satisfazer necessidades de pessoas. E que mesmo que o mercado esteja uma lástima, ainda está cheio de gente por aí precisando do que você tem para oferecer.
Talvez os consumidores estejam com menos dinheiro e mais preocupados. Talvez eles já tenham te “traído” nesses dias e experimentado outras opções no mercado. Mas tenho certeza de que eles também estão com saudades. Não do seu plano. Mas de ter sua marca por perto.
Se marketing fosse mesmo uma relação amorosa, a quarentena nos ensinou uma dica de ouro: apaixone-se pelos clientes, não pelos seus planos. O que realmente importa não é lançar aquela campanha que estava engatilhada há meses. Mas não deixar espaço para os consumidores acharem que não precisam mais da sua marca.
Esqueça as pesquisas que você fez seis meses atrás. Aquela sensibilidade a preços que você tinha comprovado não existe mais. Aquele hábito de consumo já era. Aqueles “pontos de dor” já devem ter mudado. Então, não faz mesmo sentido manter os planos.
Vamos fazer um exercício: Qual seria a primeira coisa que você faria se fosse transferido de país? Você vai seguir na mesma empresa, com a mesma função. Mas em uma geografia bem diferente, com outra cultura, outros consumidores, hábitos e concorrentes. Por onde você começa? Pois é exatamente isso que estou tentando fazer.
Eu sabia vender Big Mac. Conhecia as promoções que funcionavam, as campanhas que repercutiam e as ofertas que faziam filas. Mas, neste novo contexto, talvez nada disso funcione mais. Para começar, nem sei se posso ou devo ter filas de novo. E, certamente, o ranking dos principais atributos que movem o consumo da categoria mudou.
A maior tentação que preciso resistir é a de achar que os planos do passado vão continuar dando o mesmo resultado de sempre. E o maior desafio é o de tentar encontrar a nova forma de manter o consumidor ainda mais apaixonado pela minha marca, mesmo tendo passado por um trauma desses.
Rest in piece, ex-plano de marketing. A fila andou.
*Crédito da foto no topo: iStock
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