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Opinião

O bolsonarismo e a máquina de enganar gente

Falta de ética no uso de técnicas de comunicação, algo que se acirrou nas eleições, pode ser combatida por especialistas da indústria de marketing e mídia


31 de outubro de 2022 - 6h00

“Seres humanos tendem a concordar com a maioria, mesmo que a maioria seja um agrupamento de robôs e mesmo que eles estejam falando um grande absurdo”, alerta Gabriela Rodrigues (Crédito: Zhitkov Boris/Shutterstock)

Todos os profissionais de comunicação deveriam parar um pouco e discutir o que estamos vivendo em 2022. E todos os cursos de publicidade e jornalismo deveriam criar uma matéria para debater sobre isso.

O segundo turno acabou. Mas a bomba que foi criada somando o alcance das redes sociais + a redução do tempo e energia das pessoas + distanciamento em relação aos veículos de notícias + a completa falta de ética política – existente principalmente no bolsonarismo – continuará em nossas vidas como uma equação de desinformação e medo disponível a quem quiser usar.

Apesar de não ser uma novidade desta eleição, 2022 nos fez perguntar, de novo, como é possível que as pessoas acreditem em tantas mentiras. Como é possível que não desconfiem e não abram os olhos, mesmo diante de fatos opostos.

Bem, em grande parte dos casos, a culpa não é dessas pessoas. E, se você trabalha com comunicação, sabe disso.

Em 2016, a palavra do ano do Dicionário Oxford foi “pós-verdade”. O significado dela foi descrito como “circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influenciadores na formação da opinião pública do que apelos à emoção ou à crença pessoal”. Familiar?

As fake news, ou políticas da desinformação, nascem porque fragmentos de vídeos e imagens soltas são disparados de forma organizada, transformados em apelos à crença pessoal e costumam vir acompanhados de títulos fortes e mensagens que despertam uma emoção muito específica: o medo.

A escolha do medo é o primeiro ponto que eu quero destacar aqui. E ela não acontece à toa. O medo prepara nosso corpo para enfrentar riscos ou fugir deles com objetivo de sobrevivência e, por isso, tem o potencial de nos controlar, fazendo com que a gente aja de determinada forma ou evite agir de outra. No caso da eleição, estamos falando de histórias que são criadas especificamente para criar medos e controlar pessoas, fazendo-as lutar ou fugir da chance de uma ditadura comunista, do fechamento de igrejas, dos banheiros unissex para crianças – por mais absurdo que seja acreditar nisso.

A emoção tem um papel primordial na comunicação e é a base de qualquer engajamento. Mas qual o limite ético de usar uma emoção tão poderosa como o medo? Para muitas pessoas, nenhum.

E o perigo aumenta quando esse limite é quebrado dentro de um ambiente que torna quase impossível que as pessoas vejam para além do que chega pra elas: as redes sociais.

As redes sociais permitem uma maior clusterização (criação de mensagens específicas para públicos específicos), e esse é o segundo ponto que quero destacar aqui. Profissionais de comunicação sabem como é normal pensar nisso quando criamos uma campanha. Mas também devem saber que não é normal usar estas mesmas técnicas para criar clusterizações que entregam mensagens mentirosas e muitas vezes opostas entre si. Que não é normal construir personagens diferentes para cada agrupamento de pessoas, sem qualquer compromisso com a realidade.

Para quem recebe esses conteúdos, fica difícil detectar uma inverdade. E não é à toa, já que tudo é desenhado para isso. Se elas recorrem aos comentários de um post para entender o que outras pessoas estão falando, por exemplo, podem ser enganadas de novo. E esse é o terceiro ponto que queria destacar aqui.

Nesse universo, contas diferentes, muitas delas robôs, são criadas e ativadas para comentarem o mesmo assunto ou teor de mensagem (elogio, crítica etc.) logo após a veiculação de um post do candidato. Esse combinado ajuda a criar consenso por aprovação social, já que seres humanos tendem a concordar com a maioria, mesmo que a maioria seja um agrupamento de robôs e mesmo que eles estejam falando um grande absurdo.

A verdade dura aqui é que já conhecemos e usamos muitas destas técnicas no nosso dia a dia para construir grandes campanhas para marcas. Só que, nesta eleição, as vimos sendo usadas ao extremo e sem qualquer regulamentação eficaz ou limite ético. Mas se nós conhecemos a técnica, também podemos fazer do nosso conhecimento uma ferramenta de mudança. Enquanto escrevia este texto, pensei em cinco passos para isso:

1 – educar as pessoas sobre o jogo das fake news, dentro e fora do mercado de comunicação. Explicar como elas acontecem, como funcionam, como nascem e como as informações passadas por plataformas sociais nem sempre são confiáveis;2 – cobrar mais responsabilidade das plataformas sociais que precisam, sim, assumir seu papel no combate à desinformação;

3 – Propor e/ou construir parcerias entre o jornalismo profissional sério e estas mesmas plataformas sociais;

4 – Pressionar para que as mentiras sejam apontadas em tempo real nos debates, dizendo quando um dado é impreciso (erro numérico simples, por exemplo) e quando o dado é uma mentira (quando um candidato diz algo oposto à realidade);

5 – Usar nosso alcance, influência e nosso conhecimento técnico para fomentar todos os pontos acima. Se fazemos isso para marcas, também podemos (e devemos) fazer para a sociedade.

 

P.S.: escrevi este texto ainda sem saber o resultado das eleições. Torço para que, a partir de 01 de janeiro, tenhamos um cenário político diferente e mais alinhado com o futuro que todos nós precisamos. E torço, também, para que nós, como indústria de comunicação, nos mobilizemos por mudanças como essas, assim como nos mobilizamos por Cannes.

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