Empreendedores e empresários

Buscar
Publicidade

Opinião

Empreendedores e empresários

Desvalorizar o trabalho hercúleo das empresas que há décadas se mantêm saudáveis graças à satisfação de clientes e da sociedade é equivalente a fazer xixi na piscina


26 de agosto de 2019 - 14h30

(Crédito: Helloquence/Unsplash)

Estávamos chegando a um cliente um dia, Zé Eustachio e eu, debatendo carreiras e trajetórias de pessoas, quando o Zé disse a seguinte frase: “É muito diferente ser empreendedor e ser empresário.”

Foi uma frase assim, jogada, enquanto pegava um tíquete de estacionamento e avisava que meu sapato estava desamarrado. Mas pensei nela várias vezes desde então e fui fazendo listas.

Para parametrizar, refiro-me aqui a empreendedores do tier mais alto, aqueles que fazem business plans, captam seeding, têm assessoria, têm amigo Alumni de Harvard, falam palavras como disruptivo, green field e unicórnio. Também refiro-me a empresários lato sensu, os caras que são responsáveis por empresas.

O empreendedor da comparação não tem P&L, tem um plano, busca dinheiro e pode dividir esse plano em muitas tarefas, e trabalhar muito duro. Mas não tem um P&L porque basicamente está arriscando recursos dele e/ou de terceiros em uma jornada emocionante e de alto risco. Se não der certo, em dois anos, não acontece nada, porque aquela empresa nunca existiu.

O empresário, figura em crise, precisa entregar e evitar risco o tempo inteiro. A maior parte de seu trabalho é pensar em como entregar e como evitar o risco, pois ao contrário dos angels ou seeders, os acionistas pressionam, e muito.

O empresário tem pouca margem para errar, pois todo o dinheiro que existe na empresa é do P&L. Ou seja, é dinheiro que entra para pagar os custos e, se tudo correr bem, pagar dividendos.

O grande capital do empreendedor é uma ideia que, em tese, pode mudar as coisas no futuro e isto já é bom o bastante para juntar gente, e dinheiro, à volta. Já o empresário não vive nem de futuro, pois o crédito é muito caro, nem do passado, porque o dinheiro de um ano vale zero no ano seguinte.

O empreendedor, o que obviamente inclui as empreendedoras, é um herói pós-moderno, cool, sexy, relacional e cheio de referências. O empresário, como um pai de vários filhos, carrega o peso de cuidar para que cada detalhe dê certo o tempo todo e se vira para que todos, no final, estejam sempre mais ou menos bem.

Empreendedor é a versão contemporânea do revolucionário, enquanto o empresário é visto como careta, conservador. Mas arranhar além da superfície midiática é descobrir uma fauna muito mais interessante e que realmente tem feito a diferença.

Por detrás dos rótulos e das manias, existem empreendedores que viram excelentes empresários, aprendendo a cuidar da casa. Existem também nas empresas mais tradicionais donos, CEOs e executivos que imprimem, para além de cuidar do cofre, uma cultura de SLA, qualidade, inovação e conhecimento do cliente que faz toda a diferença.

Todo dia eu admiro o trabalho do Oscar, dono do boteco ao lado da Talent. Há anos ele acorda cedo e cuida para que centenas de pessoas almocem bem, barato, limpo e sejam atendidas por pessoas simpáticas.

Tem uma centena de leis para cumprir, sabe o nome de todo mundo, busca alternativas para ter menos custo e continuar servindo bem. No almoço, a comida está sempre quentinha. No happy hour, a cerveja está sempre trincando de gelada.

O imóvel vazio no fim da rua pode virar um concorrente a qualquer momento. Os food trucks da região já são. O Eataly tem itens mais baratos no cardápio para pegar parte do público do Oscar. Mas seu boteco está sempre cheio, porque o Oscar é um empresário que empreende todo dia, lidando com a realidade e com o sonho ao mesmo tempo.

O mundo é cruel para quem se apega a clichês e hypes. Desvalorizar o trabalho hercúleo das empresas que há décadas se mantêm saudáveis graças à satisfação de clientes e da sociedade é equivalente a fazer xixi na piscina.

Muitos dos empreendedores de hoje serão, em razão de seu sucesso ou de seu fracasso, empresários no futuro.

*Crédito da foto no topo: Samuel Zeller/ Unsplash

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Cativar o consumidor

    Como os programas de fidelização podem impulsionar estratégias de negócios B2B e B2C?

  • Como os selos ambientais conferem valor e credibilidade às marcas

    Pesquisa do Instituto Quantas aponta que há a percepção de que esse tipo de certificação tem tanta relevância quanto o desempenho do produto